Lição 5 – A Missão da Igreja de Cristo
ESBOÇO DA LIÇÃO
INTRODUÇÃO
I – PREGAÇÃO E INSTRUÇÃO
II – ADORAÇÃO E EDIFICAÇÃO
III – COMUNHÃO E SOCIALIZAÇÃO
CONCLUSÃO
Esta lição tem três objetivos que os professores devem buscar atingi-los:
1. Refletir sobre a principal missão da Igreja de Cristo na Terra;
2. Aprofundar o entendimento sobre a adoração a Deus e a edificação mútua, como atos contínuos;
3. Pensar a comunhão fraternal e a atuação social como marca de uma igreja cristã genuína.
Proclamando o Cristo Vivo!
Biblicamente, a obra missional da Igreja é apresentada a partir de um contexto do Cristo já ressuscitado. Esse fato é muito importante. A Igreja cumpre a sua missão somente quando tem consciência de que serve a um Cristo vivo. Nesse aspecto, é bom recordarmos que os discípulos ainda tinham na memória um Cristo morto: “[…] lançou-lhes em rosto a sua incredulidade e dureza de coração, por não haverem crido nos que o tinham visto já ressuscitado” (Mc 16.14). A Igreja não cumprirá o seu papel na Grande Comissão com um Cristo morto. Esse fato pode ser visto a partir do encontro que Jesus teve com dois dos seus discípulos no caminho de Emaús (Lc 24.13-35). Como os discípulos citados por Marcos, Lucas também mostra que os dois discípulos do caminho de Emaús ainda continuavam com um Cristo morto nas suas memórias. Tudo o que eles pensavam e faziam tomavam por base o fato de que Jesus ainda continuava sem vida.
O escritor Gabriel Josipovici parte da narrativa de Lucas 24.13-35 para fazer, metaforicamente, uma ponte entre o passado e o presente desses discípulos do caminho de Emaús. Essa passagem bíblica contrasta a vida dos discípulos por meio da relação entre o que havia acontecido antes com o que estava acontecendo agora. Os discípulos estavam com a sua mente e foco no passado e não conseguiam enxergar nada além deles. O que havia acontecido, sublinha Josipovici, eram
os eventos confusos que levavam à morte de Jesus; o desaparecimento do corpo; o fornecimento de informação, que é clara, porém não compreendida, embora se presuma que os dois discípulos estejam familiarizados com a Escritura.1
É nesse contexto que se revela Jesus, fazendo que eles vejam o que está acontecendo naquele momento. Essa manifestação do Cristo vivo produz a “iluminação final, por meio de uma ação específica executada por alguém presente entre eles, que lança uma luz retrospectiva sobre tudo o que aconteceu antes”. O Cristo ressurreto faz que eles vejam o que está acontecendo, e não apenas o que havia acontecido. Jesus faz a ponte entre passado e presente! Ele irá mostrá-los que os eventos passados dão significado ao presente, mas que o presente, da mesma forma, dá significado ao passado. Esses fatos, quando relacionados à vida de Cristo, acontecem numa sucessão de eventos: a morte de Jesus, o túmulo vazio, as Escrituras, que dão testemunho desses fatos, e a presença viva de Jesus.
Um Cristo morto produz uma teologia morta. A Teologia Liberal, por exemplo, fala muito sobre o cristianismo, mas a partir de um Cristo morto. Evidentemente, nem todos os teólogos que possuem alguma relevância no mundo acadêmico são liberais; contudo, é um fato inegável que muitos flertam com essa escola teológica. Por exemplo, quando comenta sobre a ressurreição de Jesus, o teólogo Giuseppe Barbaglio (1934–2007) gasta vinte páginas do seu livro Jesus, Hebreu da Galileia na tentativa de fazer um apanhado “historicamente” convincente da ressurreição de Jesus. Teria sido o relato da ressurreição feito pelos discípulos alucinações, visões sensíveis, fantasias ou percepções mentais? Na concepção de Barbaglio, quando Jesus ressuscitou, Ele “se fez ver”, e não “foi visto”, como mostra as versões da Bíblia. Para um leigo, essas expressões parecem dizer a mesma coisa e, ao que parece, não possuem nenhuma significação importante. Barbaglio, contudo, consegue ver algo além.
Ele explica:
Normalmente, usa-se a forma verbal ophthe, um aoristo formalmente passivo seguido porém não por um normal complemento agente, mas por um dativo; por isso deve traduzir não como “foi visto”, mas “se fez ver”. Na tradição bíblico-hebraica serve para indicar as aparições de Deus a Abraão (Gn 12.7; 17.1), a Moisés na sarça (Êx 3.2: o anjo do Senhor que está por Deus), a Salomão (1 Rs 3.5), etc. Ora, em duas atestações que remontam aos primeiros anos da crença cristã se faz recurso disso para exprimir a aparição de Jesus ressuscitado aos primeiros cristãos. Em Lucas 24.34, lemos: “verdadeiramente o Senhor foi ressuscitado e ‘se fez ver’ a Simão (ophthe Simoni)”; em 1 Co 15.4,5, Paulo transmite quanto ele mesmo recebera: Cristo “ressuscitou e é o Ressuscitado (egegertai) e “se fez ver” a Cefas e aos Doze (ophthe Kepha-i kai tois dodeka)”. Outros beneficiários da aparição do Ressuscitado são indicados por Paulo em 1 Cor 15.6-8: “Se fez ver” a quinhentos irmãos de uma só vez/ a Tiago/a todos os apóstolos/por último em absoluto […] se fez ver também a mim”. Em Atos 13.31, fala-se de Cristo que “se fez ver àqueles que com ele subiram da Galileia a Jerusalém.2
A meu ver, quando se equipara as aparições do Cristo ressuscitado com outras manifestações teofânicas do Antigo Testamento, como faz Barbaglio, acaba-se perdendo a importância que esse fato tem. Isso porque essas manifestações teofânicas, embora sejam eventos miraculosos e sobrenaturais, não podem ser equiparados com a ressurreição física de Jesus. Não é apenas uma questão de natureza léxica que deve ser levada em conta, mas, sobretudo, contextual. A questão, portanto, não é o significado da expressão “foi visto” que é alterado, mas o sentido “se fez ver” que torna o fato da ressurreição enfraquecido. Parece que a ressurreição sai da esfera física e passa a orbitar na esfera puramente espiritual. Essa sutil mudança de sentido no uso dessas expressões “se fez ver” em vez de “foi visto” destoa do tom literal que a ressurreição de Cristo assume nas páginas do Novo Testamento. Lucas, por exemplo, mostra uma ressurreição física, literal, onde a dimensão corpórea de Jesus podia ser tocada. “Vede as minhas mãos e os meus pés, que sou eu mesmo; tocai-me e vede, pois um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho” (Lc 24.39). Em outras palavras, “se fez ver” situa-se mais na esfera subjetiva, mental e psicológica dos discípulos do que na esfera real — em meu entendimento, nada diferente do que ensinaram os teólogos liberais ou neo-ortodoxos.
Tudo isso parece muito rebuscado e de uma perspicácia extraordinária. Esse tipo de “Cristo”, todavia, não tem força para fazer a igreja andar. Não é o Cristo vivo e ressuscitado mostrado no fim dos Evangelhos, no livro de Atos e nas cartas do Novo Testamento. A perspectiva de Marcos, por exemplo, é do Cristo vivo, que ressuscitou, que convoca a sua Igreja. “E disse-lhes: Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura” (Mc 16.15). O “Ide” aqui é a tradução do particípio grego poreuthentes, cujo sentido literal seria: “tendo ido, pregai”.3 Isso nos faz entender que Jesus tinha por certo que os seus discípulos atenderiam a sua ordem. Possui, portanto, o sentido de “quando vocês forem, preguem o evangelho a toda criatura”. É preciso entender esse comissionamento no contexto de Lucas 24.49, isto é, no contexto da Igreja revestida de poder. Isso fica perceptível como um evento futuro quando Jesus faz referência aqui ao falar em línguas (Mc 16.17), fenômeno este que só se manifestará no Pentecostes. A missão da Igreja, portanto, é proclamar o evangelho. O evangelho precisa ser pregado a todos, e não somente a alguns. Preocupa-me muito a maneira como estamos fazendo missões. Há muitas atividades nas igrejas, há belos conjuntos, muitos cantores, bons pregadores; todavia, uma grande maioria está apenas atuando dentro de quatro paredes. A igreja precisa sair.
William Barclay (1907–1978) põe em destaque alguns fatos de Marcos 16. De acordo com Barclay, essa passagem bíblica dá a nós uma descrição do dever da Igreja. Assim, o texto põe em relevo a grande missão que Jesus atribuiu aos seus discípulos:
(1) A Igreja tem uma tarefa de pregação. É dever da Igreja, e isso significa de todo cristão, contar a história da Boa Nova de Jesus àqueles que não a ouviram. O dever cristão consiste em ser arautos de Jesus; (2) A Igreja tem uma tarefa de cura. Aqui temos um fato que encontramos uma e outra vez. O cristianismo está preocupado com os corpos, e não apenas com as almas. Jesus queria trazer saúde ao corpo e à alma; (3) A Igreja tem uma fonte de poder […] por trás dessa linguagem pitoresca está a convicção de que o cristão está cheio de um poder para lidar com a vida que os outros não possuem […]. A Igreja não está sozinha na realização de sua tarefa. Cristo sempre trabalha com ela e nela e através dela. O Senhor da Igreja ainda está na Igreja e é o Senhor poderoso. É assim que este evangelho termina com a mensagem de que a vida cristã é vivida na presença e no poder Daquele que foi crucificado e ressuscitou.4
A expressão “quem não crer” registrada em Marcos 16.16 é carregada de sentido moral, isto é, põe aquele que ouve a pregação diante de uma escolha: crer ou não crer; receber ou rejeitar. Dessa forma, a missão da Igreja é pregar, e a resposta será dada por aquele que ouve a Palavra. O Espírito Santo produz a convicção no pecador que pode aceitar ou não a oferta da salvação.5 Por outro lado, a Igreja tem a missão de mostrar os distintivos que a fazem ser diferente de outras entidades e instituições meramente humanas. “E estes sinais seguirão aos que crerem: em meu nome, expulsarão demônios; falarão novas línguas; pegarão nas serpentes; e, se beberem alguma coisa mortífera, não lhes fará dano algum; e imporão as mãos sobre os enfermos e os curarão” (Mc 16.17,18).6 Não há dúvida de que essas palavras de Jesus fazem paralelo com os fatos acontecidos após o Pentecostes. O que está em destaque aqui é o poder sobrenatural com o qual a Igreja deve estar revestida. Esse aspecto missional da Igreja fica em relevo quando ela passa pela renovação do Espírito Santo. J. W. Hjertstrom, pioneiro do avivamento pentecostal em Chicago em 1906, observa que uma igreja cheia do Espírito passa a enxergar com outros olhos esse aspecto proclamativo da Palavra:
Há um despertar para o trabalho de missões. O crente toma consciência de que tudo pertence a Deus, tornando-se, assim, um mordomo. Nenhum sacrifício é grande demais quando o objetivo é glorificar a Cristo. O mundano não compreende essas coisas. O Espírito faz o crente ficar maravilhado com a obra missionária. Ele encontra-se numa atitude de gratidão para com aquEle que tanto fez pela sua vida. Assim como um investidor investe no sistema financeiro, aquele que é cheio do Espírito quer investir tudo em prol do Reino.7
Todas as referências citadas aqui, exceto “beber coisa mortífera”, são encontradas no livro de Atos. O que está em foco aqui não é uma Igreja espetaculosa, mas uma Igreja cheia de poder, uma igreja que tem intimidade com Deus e que é capaz de enfrentar Satanás, o pecado e as suas consequências.
Texto extraído da obra, “O Corpo de Cristo”, livro de apoio ao 3º trimestre, publicado pela CPAD.
1 JOSIPOVICI, Gabriel. Guia Literário da Bíblia. Editora UNESP, São Paulo, SP.
2 BARBAGLIO, Giuseppe. Jesus, Hebreu da Galileia — pesquisa histórica. Editora Paulinas.
3 O verbo grego poreuomai encontra-se no aoristo particípio, voz passiva. A forma como alguns expõem esse texto passa a ideia de que não temos imperativo algum na Grande Comissão. Isso, contudo, é um equívoco. Haubeck e Siebenthal destacam que esse tipo de particípio pode ser traduzido como um imperativo.
4 BARCLAY, William. Comentario al Nuevo Testamento. Barcelon: CLIE, 2006.
5 Temos neste livro um capítulo tratando somente da questão do batismo em águas. Não vamos, portanto, gastar tinta tratando disso aqui. A. T. Robertson, perito em grego bíblico, observa que a ênfase desse texto está no “crer”, e não no “batizar”. Isso não significa que o batismo não seja importante porque o é. É uma das ordenanças de Jesus (Mt 28.19). O fato é que o batismo não pode ser visto como um sacramento, isto é, um rito que concede graça aquele que o recebe e com poder salvífico.
6 Veja em meu livro Defendendo o Verdadeiro Evangelho uma exposição em defesa do fim longo do Evangelho de Marcos.
7 Gonçalves, José. A Glossolalia e a Formação das Assembleias de Deus. Rio de Janeiro: CPAD. Edição do Kindle. pp. 260-261