Lição 08 – Fé para crer que Deus não criou o mal
Prezado(a) professor(a), para ajudá-lo(a) na sua reflexão, e na preparação do seu plano de aula, leia o subsídio da semana. O conteúdo é de autoria do pastor Eduardo Leandro Alves, comentarista do trimestre.
INTRODUÇÃO
Este é um assunto que não é “novo”. A questão do mal no mundo tem sido motivo de discussão de filósofos e teólogos há milênios. Assim, para muitas pessoas, um dos grandes problemas relacionados à fé em Deus encontra-se em conciliar a presença do mal, ou do sofrimento, com a declaração (doutrina) cristã da bondade e perfeição de Deus em todo o seu ser.
As Expressões Utilizadas no Antigo e no Novo Testamento para o Mal
Os dois termos principais que aparecem no Novo Testamento para expressar as falhas ou a inferioridade de alguma coisa, assim como o caráter negativo, eticamente condenável e religiosamente destrutivo de uma pessoa ou pensamento, são as palavras kakos e poneros. No Novo Testamento, a palavra kakos ocorre 50 vezes, e a outra palavra linguisticamente posterior (poneros) ocorre 78 vezes. Referindo-se primariamente ao mal, a Septuaginta (LXX — versão grega do Antigo Testamento) utiliza a palavra kakos, que traz a compreensão primária, que, de forma objetiva, lesa a existência da pessoa. Predominantemente compreendido como castigo divino (Dt 31.17), correspondendo, normalmente, ao pecado precedente à punição. O mal que os seres humanos praticam é retribuído sobre eles. Um texto esclarecedor está em Amós 3.6b: “Sucederá algum mal à cidade, sem que o Senhor o tenha feito?” (ARA). Por outro lado, o Senhor concede proteção no meio de todo o mal (Sl 23). Quando o ser humano é ameaçado pelos males, podem voltar-se para Deus, pois, nos propósitos perfeitos de Deus, os seus castigos não são para o mal, pois os seus planos e propósitos são para o bem-estar (Jr 29.11). Por trás do mal, há o propósito gracioso de Deus em cuidar do seu povo e dar “o fim que desejais” (Jr 29.11c, ARA).
Em relação ao Novo Testamento, podemos citar Paulo, em cujas epístolas, por exemplo, o problema do mal (kakos) aparece 26 vezes. Uma das ocorrências está ligada ao fato de o ser humano praticar o mal contra a sua própria vontade (Rm 7.15,17). Para Paulo, tal atitude está presente nele como uma lei estranha (Rm 7.21,23), como algo que não deveria estar ali, mas que está presente na sua natureza. Essa natureza má que se revela nos atos maus produz separação de Deus, submetendo-o ao julgamento. Assim, o ser humano constantemente pratica o mal em vez do bem que quer praticar, e, portanto, o resultado é a morte, e não a vida. Nas palavras paulinas, fica arruinada qualquer esperança de alcançar qualquer vitória sobre esse mal mediante os próprios esforços. Portanto, a conclusão é que essa vitória só é possível por meio de Cristo, conquistada na sua morte de cruz e na sua ressurreição. Por isso, o grito de salvação do apóstolo: “Graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor” (Rm 7.25).
Bem, é fato que há uma dificuldade de apresentar-se uma definição precisa do que seja o mal, assim como a impossibilidade de discutir sobre o mal sem um referencial absoluto que implicaria a existência de Deus. Além disso, é indiscutível que as pessoas possuem uma noção prática do que seja o mal. Desastres naturais que ceifam vidas não podem ser considerados “bons” para quem sofre as suas consequências (no momento da conclusão deste texto, estamos vendo ao vivo a destruição causada por um terremoto na Turquia e na Síria que ceifou a vida de milhares de pessoas). Da mesma forma, exterminar grupos humanos inteiros, inclusive com o uso da tortura, tampouco é aceitável aos padrões humanos.2 Assim, não faz muita diferença a maneira como o conceituamos; é indiscutível a presença do mal no mundo. O objetivo deste capítulo é discutir algumas possibilidades de compreensão sobre esse assunto tão necessário (e complexo) em nossa jornada rumo aos céus.
Sobre o Mal Moral e Físico
À luz da Bíblia, em um mundo criado perfeito por Deus (Gn 1.10), a ação do mal tem o seu início na desobediência ao Criador. Tanto o mal moral, que se refere às escolhas imorais do livre-arbítrio em relação à retidão e justiça de Deus, quanto o físico/natural, que se refere a eventos físicos que são prejudiciais, tais como terremotos, inundações, secas, fomes, etc., são consequências da Queda e do pecado de Adão e Eva (Gn 3.16-19). Separada de Deus, a humanidade ficou num estado de sofrimento e vergonha. Ao desobedecer, o ser humano ficou preso ao pecado e às suas maléficas consequências. Assim, o pecado é contra Deus e a sua vontade, e não provém dEle. A escolha de Adão e Eva tanto envolvia uma escolha acerca do mal, quanto o fato de que essa escolha poderia ter sido evitada. O primeiro casal fez uma escolha livre, pois, se eles não fossem livres para escolher pelo mal acima do bem, não poderiam fazer a escolha errada, no entanto eles tinham a opção de obedecer ou desobedecer. Pode-se ir mais além e dizer que o mal não era inevitável, pois isso é claro quando Deus disse a Adão “não comerás” (Gn 2.17). Nesse caso, a liberdade de Adão e Eva envolvia a autodeterminação.
A sequência de argumentos de Geisler4 indicando o autodeterminismo é por demais interessante. Ele segue argumentando que, de forma lógica, existem somente três possibilidades em relação a ação de Adão e Eva:
1) Determinismo. Foi causada por outra parte, e, nesse caso, temos um problema maior, pois Deus não fez com que Adão pecasse, visto que Deus não pode pecar, nem tentar ninguém nessa direção. Nem mesmo Satanás fez com que o primeiro casal pecasse, pois o tentador faz somente aquilo que o seu nome sugere. Nesse caso, ele não os forçou, nem fez nada no lugar deles.
2) Indeterminismo. Não foi causada. Temos, portanto, mais um problema. Segundo o texto bíblico, não havia nenhum traço de qualquer tipo de malícia ou falta de integridade na natureza de Adão e Eva, cuja criação Deus fez com perfeição. Além do mais, não existem ações não causadas, pois isso violaria o princípio de causalidade.
3) Autoderminismo. Foi causada por ele mesmo. Nesse caso, como não existe evento sem causa, e não havia nada no céu e nem na terra fora do próprio casal que os fizesse pecar, eles devem ter causado a sua própria escolha. Assim, a escolha foi autodeterminada, sendo essa possibilidade o coração da liberdade humana, ou seja, a capacidade de sermos a causa eficiente de nossas próprias ações morais. Atos dos quais não somos a causa eficiente, mas que, em vez disso, sejam impostas, não seriam atos morais livres.
Adão tinha a possibilidade da escolha, e o próprio Deus chama Adão à responsabilidade pela escolha que havia feito. “Não existe responsabilidade que não surja da capacidade que temos de respondermos por algo, e as escolhas que se seguiram à escolha do mal indicam que tudo poderia ter sido evitado.”5
É importante para essa discussão compreender (mesmo que introdutoriamente), a questão da Teodiceia. Trata-se de uma argumentação cristã que apresenta a justificação do poder e do amor de Deus numa realidade em que o mal existe. É uma junção de duas palavras gregas: Theos (Deus) + dikes (retidão, justiça). Agostinho foi um dos primeiros cristãos a considerar a questão do problema do mal. Ele concebe e analisa o mal em três níveis: o nível metafísico-ontológico, moral e físico. O mal metafísico-ontológico refere-se à finitude e à contingência humana, assim como à imperfeição e à falta de ordenação em tudo o que existe. O mal físico apresenta-se como dor e sofrimento, tanto dos animais como — e principalmente — do ser humano. Assim, o sofrimento inerente à vida humana é aqui o problema radical, objeto da reflexão filosófica, mas, sobretudo, vivência existencial onipresente. O mal moral, que se coloca em conexão com a liberdade e com a responsabilidade do homem. Este se caracteriza como produto das ações humanas, e a injustiça e a opressão convertem-se nos seus expoentes radicais. É através deste que surge o problema da “maldade” como atributo humano e, às vezes, também divino e, com ele, a consciência do pecado e da culpa e o anseio de justiça e perdão como a sua contrapartida. O mal moral tem relação direta com o problema do sentido da vida e enseja consequências imediatas para a ética, a religião e a filosofia da história. Parece que não podemos nos reconciliar com o mal moral, a começar por aquele que observamos em nós mesmos e constantemente procuramos nos eximir, justificar nossas atitudes, negar nossa capacidade de praticá-lo e fugir de nossa responsabilidade para com ele.6
O Cristão e o Mal que Existe
Deus é um ser mal? Poderíamos formalizar a questão da seguinte forma: Há maldade em Deus? O texto de Isaías 45.7, Deus diz: “Eu formo a luz e crio as trevas; eu faço a paz e crio o mal; eu, o Senhor, faço todas essas coisas”. Como devemos entender esse texto bíblico? Muitos têm-se utilizado desse texto de Isaías para referir-se ao caráter de Deus como um ser mal, até sugerindo que o Deus do Antigo Testamento seja malevolente e vingativo, buscando fazer um contraste com Jesus, o bom e benevolente Deus do Novo Testamento. Obviamente, tais conclusões contradizem as Escrituras na sua totalidade, no caso, o mesmo Antigo Testamento nos diz que: “Bom e reto é o Senhor, por isso, aponta o caminho aos pecadores” (Sl 25.8, ARA), assim como o Novo Testamento afirma: “Não crês que eu estou no Pai e que o Pai está em mim? As palavras que eu vos digo não as digo por mim mesmo; mas o Pai, que permanece em mim, faz as suas obras. Crede-me que estou no Pai, e o Pai, em mim” (Jo 14.10-11, ARA). Deus é um ser em equilíbrio entre o bem e o mal? Ainda há os que se utilizam do mesmo texto de Isaías para afirmarem que Deus é um ser em “equilíbrio”, que é tanto bom como mal, uma espécie de “yin-yang”, não sendo totalmente bom e nem totalmente mal, havendo um equilíbrio. No entanto, sabemos pela Bíblia sagrada que o Deus verdadeiro não é um conjunto de forças opostas. Ele é perfeitamente bom e não contém nada de maldade, conforme nos diz o apóstolo João: “Deus é luz, e não há nele treva nenhuma” (1 Jo 1.5). Ainda há os que têm exagerado o conceito da soberania de Deus até o ponto de negar o livre-arbítrio do homem. Segundo alguns sistemas de teologia, Deus decreta tudo, e o homem é impotente para resistir à vontade do Senhor. Pessoas com essas ideias afirmam que Deus predestinou cada pessoa para a salvação ou condenação e que Jesus morreu somente para salvar as pessoas eleitas pelo capricho de Deus. No entanto, podemos declarar, pelas Escrituras, que Deus chama todos ao arrependimento (At 17.30) porque não quer que ninguém pereça (2 Pe 3.9). Cristo ordenou que os apóstolos pregassem a toda criatura e prometeu a salvação aos que cressem e fossem batizados (Mc 16.15-16).
Afirmamos categoricamente que Deus não criou o mal moral. Outros textos bíblicos auxiliam-nos nessa compreensão. O fato é que Deus não criou o mal no sentido moral. Podemos ver essa verdade de forma clara nos Salmos e no texto do apóstolo Tiago, apenas para fazer uma citação do Antigo e outra do Novo Testamento: “Pois tu não és Deus que se agrade com a iniquidade, e contigo não subsiste o mal” (Sl 5.4, ARA). Deus não tenta ninguém, pois Ele é a fonte de “toda boa dádiva e todo dom perfeito” (Tg 1.13-17). A palavra “mal” em Isaías 45.7 origina-se de uma palavra que pode ter vários sentidos. Nesse contexto e em outros em que Deus faz ou traz o mal, a palavra significa “calamidade” ou “punição”, sendo o oposto de paz. Deus usaria Ciro para “abater as nações” (Is 45.1). Já no capítulo 45.8, Deus promete salvação (paz) e justiça (punição ou mal). Outros trechos usam a mesma linguagem. Os males que Deus ameaçou trazer, por exemplo, em 2 Reis 22.16, foram punições e calamidades. Em Josué 23.15, por exemplo, aparece a mesma palavra no original.
Conforme nos diz Stanley Horton,7 “o contraste aqui é entre ‘luz’ e ‘trevas’, por um lado e ‘paz’ (Heb. Shalom, incluindo bem-estar, saúde, integridade, harmonia, bênção, realização e prosperidade, especialmente prosperidade espiritual) e ‘mal’ (Heb. ra’) por outro”. A palavra hebraica ra’ é uma palavra geral incluindo calamidade, qualquer coisa desagradável ou indesejável. Ela é usada algumas vezes a respeito do mal moral, mas Deus nunca é o criador do mal moral. Como um Deus santo, no entanto, Ele traz juízo, e o juízo que Deus envia pode ser severo, até mesmo calamitoso, aos olhos humanos.
CONCLUSÃO
O aparecimento do mal em todas as suas formas é um constante desafio para a teologia cristã. Não se deve ter medo de admitir que a existência do mal e o consequente sofrimento presente na criação trazem mais desafios à teologia do que para outros pontos de vista intelectuais. Os fatos da ciência e as aparições do mal não podem ser ignorados ou negados por teólogos cristãos. Embora seja desafiador, a doutrina da criação pode ser compreendida e interpretada à luz dessas realidades. Para concluir, afirmamos que Deus não pode ser a origem do mal porque seria contrário à sua natureza, que é santa. Por isso, Deus é amor por natureza, e o seu amor caminha juntamente com a sua justiça e santidade. Não há intenções ruins ou más em Deus. Ele permite que o mal exista por um breve momento, pois até do mal Deus pode fazer coisas boas (Gn 50.20). Os cristãos buscam compreender os males e sofrimentos existentes neste mundo caído e sem Deus, só que os cristãos não buscam o sofrimento pelo sofrimento, mas sabem que é possível suportá-lo por um bem maior. Procuram não ser causas de sofrimento a outros e nem instrumentos da maldade, mas, sim, instrumentos da glória de Deus num mundo caído e que precisa da redenção conquistada por Cristo na cruz.
Professor(a), para conhecer mais a respeito dos temas das lições, adquira o livro do trimestre: ALVES, Eduardo Leandro. A Prova da Vossa Fé: Vencendo a Incredulidade para Uma vida Bem-Sucedida. Rio de Janeiro: CPAD, 2023.