Lição 2 – A deturpação da doutrina bíblica do pecado
ESBOÇO DA LIÇÃO
INTRODUÇÃO
I – O ENSINO BÍBLICO DA NATUREZA PECAMINOSA
II – AS TEOLOGIAS MODERNAS
III – A NORMALIZAÇÃO DO PECADO
CONCLUSÃO
Esta lição tem três objetivos que os professores devem buscar atingi-los:
1. Expor o ensino bíblico da natureza pecaminosa;
2. Pontuar teologias modernas que derivam da deturpação da doutrina bíblica do pecado;
3. Mostrar as consequências da normalização do pecado.
II. AS TEOLOGIAS MODERNAS
1. Teologia do Pecado Social
Com o advento do Renascentismo e do Iluminismo (Séc. XIV a XVII), o antropocentrismo teológico desenvolveu doutrinas em desacordo com a Bíblia. Nessa premissa da centralidade do homem, a teologia católica passou a discutir a Doutrina Social da Igreja (DSI). Leão XIII promulgou a Rerum novarum (1891–1931), cujo intento era manter o primado dos valores morais e mediar o conflito entre socialismo e liberalismo.8
Em seguida, Pio XI e Pio XII propuseram uma “nova Cristandade” (1931–1958), uma “terceira via” entre o capitalismo e o comunismo. Na sequência, no Concílio Vaticano II (1962–1965), a Doutrina Social da Igreja, que é outro termo para pecado social, foi institucionalizada pelo catolicismo.9 Desde então, a hermenêutica moveu-se da revelação bíblica para o antropocentrismo teológico.
Bartolomeo Sorge (2017, p. 15) registra que:
Não se parte mais dos altíssimos princípios da revelação […] para daí deduzir um modelo de sociedade cristã […] mas se parte da leitura […] confiada às diversas comunidades cristãs, para interpretá-los depois a luz do Evangelho e o ensinamento da Igreja e deduzir, enfim, as escolhas a realizar junto com todos os homens de boa vontade.
Nessa perspectiva, os concílios católicos de Medellín (1968, Colômbia) e Puebla (1979, México) arrazoaram que o pecado é algo que se constrói por meio de estruturas opressoras, tais como a pobreza, a injustiça e a desigualdade. Dessa forma, a redenção do pecado não se restringe ao aspecto espiritual, sendo forçoso resolver as questões sociais.
Na prática, esse conceito prioriza a “questão social” em detrimento da moral. Entretanto, essa ordem de valores mostra-se equivocada. As injustiças sociais são apenas sintomas; as causas do sofrimento são as ações de ordem moral. A corrupção, a fraude, o suborno, a ganância, dentre outros males morais, são a origem das mazelas sociais.
Essa mudança de ênfase no pecado original (natureza humana) para o pecado social (estrutural) enfraquece a responsabilidade moral do pecador. Os temas morais passam a ser tolerados ou ignorados e deixam de ser primazia no trato com o pecado. Deixa-se de abordar a causa do pecado para tratar-se os sintomas (Mt 23.27,28). A partir daí, a solução da “questão social” é vista como a solução do mal. Um erro gritante, uma vez que o mal a ser combatido é o pecado (1 Co 6.10-12).
2. Teologia da Libertação
Nessa mudança de paradigmas, abre-se o espaço para o surgimento da Teologia da Libertação (TdL). Essa teologia tem afinidade com as ideias socialistas/comunistas de Karl Marx (1818–1883), que apregoa uma luta entre classes, uma revolução social, prometendo libertação das supostas estruturas opressoras da sociedade.
Mercê dessas premissas, surge na década de 70 com Gustavo Gutiérrez (Peru) e com Clodovis e Leonardo Boff (Brasil) a teologia da libertação (TdL). Assim, o encontro da DSI com a TdL resultou em um fazer teológico não centrado em doutrinas bíblicas para libertar o homem do pecado moral, mas na indignação para libertar o homem da injustiça social, econômica e cultural. A premissa da TdL é “inculturar uma fé libertadora nas camadas populares que favoreça a formação da consciência crítica”.10
Desse impulso, surgem teologias de cunho emancipatório de gênero, sexualidade e de raças. Uma das suas vertentes é a Teologia da Missão Integral (TMI). Apesar de os seus autores negarem, a TMI é a vertente protestante da teologia da libertação católica. A ideologia e o fundamento da TMI são inegavelmente de influência marxista. 11
Essas teologias reduzem a fé cristã em militância ideológica, política, socialista e marxista. As pautas sociais e progressistas são postas acima dos valores morais do Reino de Deus. Transforma-se o evangelho em inconformismo, luta de classes e assistencialismo (1 Co 15.19; Fp 3.18- 20). O arrependimento, a libertação do pecado, a transformação de caráter e uma nova vida em Cristo são negligenciados (Gl 6.14,15).
Nesse contexto, convém esclarecer que o autêntico cristão não é insensível ou alienado das causas sociais. Pelo contrário, destaca-se que a justiça social sempre foi uma bandeira defendida pelo cristianismo. O que não se admite é que a ideologia marxista sequestre o evangelho de Cristo e reivindique para si a paternidade das pautas sociais, em desfavor dos valores morais do Reino de Deus.
3. Liberalismo Teológico
O liberalismo teológico, no qual a razão sobrepõe-se à revelação divina, floresceu após a Reforma Protestante (1517). Friedrich Schleiermacher (1768–1834) é considerado o pai do liberalismo teológico. Influenciado pelos racionalistas e por Immanuel Kant (1724–1804), o teólogo alemão colocava em dúvida a historicidade da Bíblia, “sua concentração era na consciência humana [racionalismo], em vez da revelação”.12
Nesse aspecto, a teologia liberal teve o seu ponto de partida em Schleiermacher. Por conseguinte, o ideário da teologia liberal é de oposição ao conservadorismo teológico, que se fundamenta na revelação bíblica (2 Tm 4.3). Assim, a inspiração, a inerrância e a infalibilidade das Escrituras são constantemente questionadas, e as doutrinas da fé são reinterpretadas e ressignificadas.
Entre outros males, o liberalismo substitui a mensagem da salvação de arrependimento, da confissão de pecados e da mudança de caráter por uma visão progressista que enfatiza a transformação social pelo paradigma marxista. O pecado é relativizado, prega-se o ecumenismo religioso e toda a experiência espiritual é considerada válida. Nesse cenário, os milagres e o sobrenatural são considerados mitológicos.
Rudolf Bultmann ((1884–1976)) questionou a veracidade das Escrituras e propôs um processo de desmitologização do Novo Testamento. Segundo Bultmann, a Bíblia só é crível se dela extirparmos os mitos — milagres, sinais, teofanias e outras revelações sobrenaturais.13 O teólogo de Marburg escreveu que “a visão bíblica do mundo é mitológica e, portanto, é inaceitável para o homem moderno, cujo pensamento tem sido modelado pela ciência e já não tem mais nada de mitológico”.14 Somado a isso, o método hermenêutico proposto por Bultmann busca redescobrir o significado oculto atrás das concepções mitológicas.
Nesse diapasão, a teologia pentecostal afirma que defensores de teorias como as de Bultmann causam inevitáveis consequências ao evangelho, tais como “incredulidade; leniência para com o pecado; relativismo moral e ético; relaxo para com a evangelização, etc”.15 Desse modo, contrapondo a posição que questiona a autoridade bíblica, o pentecostalismo reconhece as Escrituras como suprema e inquestionável árbitra em matéria de fé e prática.16
NOTAS
8 SORGE, Bartolomeo. Breve Curso de Doutrina Social. São Paulo: Paulinas, 2017, p. 13-16.
9 COMPAGNONI, Francisco; PIANA, Gianino, PRIVITERA, Salvatore. (Coord.) Dicionário de Teologia Moral. Tradução de Lourenço Costa, Isabel Fontes L. Ferreira e Honório Dalbosco. São Paulo: Paulus, 1997, p. 260.
10 SORGE, Bartolomeo. Breve Curso de Doutrina Social. São Paulo: Paulinas, 2017, p. 175.
11 Missão integral: proclamar o reino de Deus, vivendo o evangelho de Cristo. / 2. Congresso Brasileiro de Evangelização, Belo Horizonte, 27 de outubro a 1 de novembro de 2003. — Viçosa, MG: Ultimato; Belo Horizonte: Visão Mundial, 2004, p. 304.
13 GILBERTO, Antonio (Ed.). Teologia Sistemática Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2013, p. 23.
14 BULTMANN, Rudolf. Jesus Cristo e Mitologia. São Paulo: Editora Novo Século, 2000, p. 29. 15 GILBERTO, 2013, p.24.
16 GILBERTO, 2013, p.24.
Texto extraído da obra, “A Igreja de Cristo e o Império do Mal”, livro de apoio ao 3º trimestre, publicado pela CPAD.