Lição 11 – Santidade Integral
Prezado(a) professor(a), para ajudá-lo(a) na sua reflexão, e na preparação do seu plano de aula, leia o subsídio da semana. O conteúdo é de autoria do pastor Natalino das Neves, comentarista do trimestre.
INTRODUÇÃO
Para entender o conceito do ser humano integral e a influência na construção teológica no primeiro século, é necessário conhecer um pouco da visão da civilização hegemônica helênica para contrastá-la com a mentalidade judaica. Os gregos desenvolveram uma antropologia especialmente platônica, que era dicotomista (ser humano em duas partes: corpo e alma). Nessa visão, a alma era supervalorizada, a parte do bem, sendo o corpo a parte do mal, consequentemente desvalorizado e considerado o cárcere da alma.
Por outro lado, a concepção hebraica considerava o ser humano na sua totalidade, ou seja, não se via a alma sem corpo e nem o corpo sem a parte espiritual. Por isso, na narrativa judaica da criação, não se menciona a criação do corpo, mas do ser humano sem distinção de partes, de forma integral: “E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra e soprou em seus narizes o fôlego da vida; e o homem foi feito alma vivente” (Gn 2.7). Somente aparecia a visão dicotômica em literaturas judaicas influenciadas pelo helenismo, como nas literaturas pseudoepígrafas. No Novo Testamento, por influência paulina, prevaleceu o ponto de vista judaico. O apóstolo Paulo, apesar de inserido profundamente na cultura grega, preservou a força da antropologia semítica que via o ser humano como um todo.
O ser humano como espírito, ruah em hebraico e pneuma em grego, extrapola os limites da sua existência como carne-corpo-alma para comunicar-se com a esfera divina. A maior referência dessa esfera transcendental por meio do espírito é a experiência da ressurreição de Jesus, que apresenta uma nova possibilidade de existência humana. Essa possibilidade é apresentada por Paulo como argumento favorável em defesa de uma vida que preserva o corpo, mais precisamente em 1 Coríntios 6.14,17: “Ora, Deus, que também ressuscitou o Senhor, nos ressuscitará a nós pelo seu poder. […] Mas o que se ajunta com o Senhor é um mesmo espírito”.
Ferreira (2013, p. 41) afirma que, quando Paulo falava dos dotes humanos da inteligência natural, “ele usava como em 1 Coríntios 14.14,15 a palavra noos (mente para distingui-la do significado de ‘pneuma’ espírito). Esta significa o próprio ser do homem, no que tem de natural-espiritual”. Para Paulo, no sentido teológico, o termo pneuma significava o próprio ser de Deus atuando sob o mundo criado. Para ele, o campo de atuação entre Deus e o ser humano está sob o domínio do Espírito Santo (1 Co 2.10). Assim, na visão paulina, o ser humano obtém o Espírito divino somente por meio da fé (Gl 3.2,5,14,26,28; 1 Co 6.11). Por isso, a oposição ferrenha em carne e espírito, descrita por Paulo em 1 Coríntios 2.10.
Existe uma discussão se o ser humano é dicotômico (parte material e parte espiritual) ou tricotômico (espírito, alma e corpo). Vamos tratar o ser humano de forma tricotômica, como base em 1 Tessalonicenses 5.23: “E o mesmo Deus de paz vos santifique em tudo; e todo o vosso espírito, e alma, e corpo sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo” (grifo meu). A palavra grega utilizada por Paulo para expressar “em tudo” é holoteles, que significa “perfeito, completo em todos os aspectos”, ou seja, a santificação do cristão deve ser completa: espírito, alma e corpo.
Corpo, a Parte Material do Ser Humano
A dicotomia dos gnósticos, por influência do pensamento grego, diferenciava da crença da tradição judaica e dos ensinos de Paulo. Eles acreditavam que a matéria era má e distinguia-se do espírito, considerado bom. Isso provocava dúvidas nas pessoas, inclusive nos cristãos. A doutrina gnóstica, com base nesse pensamento dualista, provocava dois tipos de comportamento: o primeiro levava as pessoas a fazer o que bem entendessem com o corpo, uma vez que a crença era de que não afetava o espírito; o segundo comportamento era o inverso, baseado na mesma crença dicotômica: já que o corpo era matéria má, melhor não fazer nada com ele para não o mortificar. Portanto, dois extremos, em que o primeiro comportamento pecava pelo excesso, e o segundo, por falta.
O Novo Testamento demonstra que tanto os judeus como os judeus-cristãos e os cristãos defendiam a preservação do corpo em santidade, evitando os pecados contra o corpo. Quando Paulo escreve aos coríntios, ele reforça essa ideia e compara o corpo com o Templo: “Fugi da prostituição. Todo pecado que o homem comete é fora do corpo; mas o que se prostitui peca contra o seu próprio corpo. Ou não sabeis que o nosso
corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós mesmos?” (1 Co 6.18,19). Ele usa o termo “templo” para melhorar o entendimento do seu ensinamento, pois eles tinham experiência do tratamento que era dado ao Templo de Jerusalém, respeitado como algo separado para Deus e que não poderia ser violado. Assim, quando os ouvintes entendessem que o corpo é algo consagrado, como o Templo, teriam respeito também pelo seu próprio corpo, como algo dedicado ao Senhor e que não poderia ser profanado por meio do pecado, principalmente a prostituição.
O cristão, no entanto, deve ter cuidado para não ser radical também como os gnósticos, que levaram muitos a ter medo do próprio corpo, considerado instrumento de pecado e terrível inimigo da alma. Esse não pode ser o modo de ver e de considerar o corpo humano do cristão, pois Deus não o fez mal, e nem o corpo é ou se tornou mal. No relato da criação, fica bem claro que tudo o que o Senhor fez era muito bom. O corpo vai ser o instrumento que o seu dono quiser fazer dele, pode ser para a honra e glória do Senhor Deus ou para a desonra e condenação do próprio ser humano. Por isso, o cristão deve conservar o seu corpo em santidade para que tenha prazer por meio dele, porém de forma que glorifique a Deus.
O corpo humano é a casa ou tabernáculo, lugar de habitação do espírito (2 Co 5.1; 2 Pe 1.13,14). O corpo sem o espírito e a alma é morto (Tg 2.26; Mt 27.50; Lc 8.51-55; At 7.59), enquanto a alma e o espírito não fazem nada na terra sem o corpo, pois, para o ser humano ter vida, ele precisa estar completo, ter a sua composição plena: espírito, alma e corpo (ser humano integral).
Alma e Espírito, a Parte Espiritual do Ser Humano
Tanto no Antigo como no Novo Testamento, temos textos que distinguem bem a parte imaterial do ser humano (alma e espírito). Dentre outros textos do Antigo Testamento, o profeta Isaías faz uma afirmação que destaca a alma e o espírito: “Com minha alma te desejei de noite e, com o meu espírito, que está dentro de mim, madrugarei a buscar-te; porque, havendo os teus juízos na terra, os moradores do mundo aprendem justiça” (Is 26.9).
O texto de Hebreus traz uma iluminação mais profunda em relação à diferença e relação de proximidade entre a alma e o espírito. O autor afirma que a Palavra alcança tanto a alma como o espírito, demonstrando que o efeito da Palavra atua de forma completa na parte interior do ser humano. Na sequência, o autor cita as juntas e medulas, que são tão próximas, porém distintas, cada uma com a sua função, assim como a alma e o espírito estão juntos, mas também são distintos um do outro e atuam de forma diferente no ser humano, complementando-se entre si como parte imaterial do ser humano. O espírito humano foi gerado a partir do Criador (Gn 2.7). Nele o ser humano tem consciência de Deus e das coisas espirituais e tem conexão com as realidades divina e espiritual (1 Co 6.17; Jo 4.24; 1 Co 2.14), enquanto a alma é a sede da personalidade, lugar dos sentimentos, pensamentos e também das decisões.
Os gregos acreditavam que a alma era imortal e, devido à visão dualista, ela vivia aprisionada no corpo mortal. O corpo era visto como impedimento para a alma realizar-se plenamente. No entanto, como visto, o judaísmo e o cristianismo consideram o ser de forma integral, ou seja, a parte material (corpo) e imaterial (alma e espírito) são interdependentes. No sentido bíblico e teológico, o ser humano não pode ser visto de forma isolada nas suas partes, pois o que acontece entre as suas partes impactará no todo, no ser de forma integral (espírito, alma e corpo). O cristão deve cuidar das partes do ser como um todo, como partes integrantes e inter-relacionadas.
A Santidade do Espírito e da Alma
Jesus Morreu na Cruz para Resgatar o Ser Humano de Forma Integral
Cristo morreu na cruz para resgate tanto da parte espiritual como da material, ou seja, a salvação dá-se no ser humano integral. Como já visto, o pensamento dualista grego levava as pessoas a acreditar que a alma era imortal e vivia aprisionada no corpo mortal. Assim, segundo esse pensamento, com a morte o corpo não teria mais vida por ser matéria, enquanto a parte imaterial libertava-se e continuava vivo, por ser imortal. Por isso, os coríntios tiveram dúvidas em relação à ressurreição pregada por Paulo. Então, o apóstolo assevera: “Se esperamos em Cristo só nesta vida, somos os mais miseráveis de todos os homens” (1 Co 15.19). Ele reafirma a fé na ressurreição de Jesus (1 Co 15.20-28), que garante a vitória definitiva sobre o pecado com o ser humano integral sendo transformado e glorificado. Por isso, até o mar terá que devolver
os seus mortos (Ap 20.13) para unir o corpo material com a parte imaterial (alma e espírito), a fim de que, juntos, sejam transformados para a vida eterna com Deus.
A Santificação do Espírito
A santificação do espírito começa com a santificação inicial, que ocorre no momento da justificação e regeneração, e mantém-se contínua e progressiva conforme as experiências essencialmente espirituais com Deus (Tg 1.18; 1 Pe 1.23; Jo 3.1-6). Trata-se de uma mudança de estado do ser humano diante de Deus, de morto (resultado do pecado — Rm 5.12) para vivo no sentido espiritual. Por meio do espírito, essa nova criatura mantém a comunhão e comunicação com o Senhor, tornando-se coparticipante da natureza divina (2 Pe 1.4). Aquele que é nascido de novo não vive na prática do pecado (1 Jo 3.9), pois é com o novo nascimento que o Espírito Santo vem habitar no crente.
Quando o cristão salvo se afasta de Deus, a Bíblia afirma que tal pessoa morre, ou seja, o seu espírito afasta-se do Espírito Santo de Deus. Adão e Eva receberam a recomendação de não tocar no fruto da árvore da vida, pois, se desobedecessem, morreriam (Gn 2.17). Todavia, quando eles tomaram o fruto, não morreram física, mas, sim, espiritualmente. Com a desobediência, veio a separação de Deus.
O cristão adora a Deus por meio do espírito. Jesus revelou a mulher samaritana como se dá a verdadeira adoração: “em espírito e em verdade” (Jo 4.23,24). O apóstolo Paulo ratifica ao afirmar: “Mas o que se ajunta com o Senhor é um mesmo espírito” (1 Co 6.17). Aí acontece a verdadeira adoração. Trata-se de um nível de comunhão exclusivo do espírito, que não é desfrutado por meio da alma ou do corpo, mas essa comunhão que acontece por meio do espírito impactará a ambos, ou seja, o ser humano integral beneficia-se da comunhão que ocorre por meio do espírito. Para isso, alma e corpo também precisam trilhar o caminho da santidade, como veremos a seguir.
Jesus adverte os discípulos Pedro, Tiago e João: “Vigiai e orai, para que não entreis em tentação; na verdade, o espírito está pronto, mas a carne é fraca” (Mt 26.41). Quando Jesus menciona que “a carne é fraca”, deve-se interpretar essa expressão dentro do contexto. Os discípulos não conseguiam vigiar e orar porque se deixaram vencer pelo sono (desejo da carne). Enquanto a carne indispõe-se para buscar a Deus, o espírito possui prontidão para isso. Sendo assim, o cristão deve buscar a santidade do espírito e alimentá-lo para que esteja em contínua e crescente disposição para adorar a Deus.
Santificação do espírito é não dar vazão aos desejos da velha natureza, mas, sim, alimentar o espírito, especialmente por meio da Palavra (Ef 5.25-27; Jo 15.3), que o fruto do Espírito será manifestado: “Mas o fruto do Espírito é: amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão, temperança” (Gl 5.22).
Que Deus abençoe sua aula!
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