Lição 4 – A Santificação e a Palavra de Deus
Prezado(a) professor(a), para ajudá-lo(a) na sua reflexão, e na preparação do seu plano de aula, leia o subsídio da semana. O conteúdo é de autoria do pastor Natalino das Neves, comentarista do trimestre.
INTRODUÇÃO
A santidade não tem como ser estudada sem considerar as Escrituras, pois é por elas que conhecemos a revelação progressiva de Deus, a sua vontade e plano de salvação para a humanidade. Jesus afirma que o cristão é limpo por meio da Palavra (Jo 17.5). Para demonstrar a importância e o impacto da Palavra de Deus na vida do crente quando este lhe dá o devido valor e reverência, serão analisados dois grandes reavivamentos do povo de Israel, registrados no Antigo Testamento, em especial o reavivamento liderado pelo rei Josias, de Judá.
Todo Reavivamento Espiritual É Precedido pelo Ensino da Palavra
Os dois Reavivamentos mais Significativos do Israel Pré-Exílico Foram Precedidos pelo Ensino da Palavra
Os dois reavivamentos mais significativos do Israel pré-exílico foram protagonizados por Ezequias e Josias e foram precedidos pelo retorno à Palavra de Deus. O primeiro com o rei Ezequias (716–687 a.C.), que começou a reinar no período de maior influência do Império Assírio sobre a região da Palestina e logo após o exílio/deportação dos samaritanos, ocorrido aproximadamente em 722 a.C. Ele buscou manter um reino independente para Judá. Para isso, ampliou o fornecimento de água para a cidade com a construção do chamado “túnel de Ezequias” (2 Rs 20.20) e aumentou a área da cidade para acolher os fugitivos do reino de Israel, bem como os nobres das 46 cidades dos arredores de Jerusalém tomadas pelo rei assírio Senaqueribe em 701 a.C. (2 Rs 18,13; 2 Cr 32,1), além de reforçar a espessura das muralhas da cidade. Segundo Liverani (2008, p. 195), com as grandes intervenções urbanísticas de Ezequias e os acolhimentos dos refugiados de Samaria, “a cidade passou de cinco hectares (em grande parte ocupados por templo e palácio) a sessenta, e a população provavelmente passou de mil para 15 mil pessoas no espaço de uma geração”. É nesse contexto que Ezequias inicia a reforma, proibindo a utilização de todos os santuários fora de Jerusalém e centralizando toda adoração e oferendas lá. Ele promove, por meio do retorno às Escrituras, uma aliança exclusiva com Javé, que voltou a ser o Deus nacional de Judá, visando a vitória sobre os assírios (2 Rs 18.3-6; 2 Cr 29.1-31).
O segundo maior reavivamento de Judá foi protagonizado pelo rei Josias. Segundo Liverani (2008, p. 211), o Império Assírio atingiu o seu apogeu com o longo reinado de Assurbanípal (668–631); mas, nos últimos anos desse rei, o império perdeu o controle das províncias mais distantes, e teve início uma guerra de sucessão que durou vinte anos e desgastou a classe dirigente, as finanças e o exército, gerando a decadência progressiva do império opressor dos israelitas. Dessa forma, Josias vê uma grande oportunidade de retomar o poder e projetar o ideal das 12 tribos unidas, como era antes do reino dividido.
Josias promove uma reforma teológica com base na releitura dos textos sagrados existentes na época. Tudo começa com a descoberta de um manuscrito antigo no Templo de Jerusalém, provavelmente o atual texto de Deuteronômio 4–28. Uma situação providencial para os propósitos do rei, pois o povo converte-se novamente à prática do monoteísmo com o retorno do estudo das Escrituras. A reforma proporcionou a adoração exclusiva à Yahweh, a centralização e lugar do culto (valorização do Templo de Jerusalém) e a celebração da Páscoa de forma inovadora por Josias (2 Rs 23,21–22), que promovia uma festa de peregrinação que convergia todos os fiéis do país, das 12 tribos, ao santuário central em Jerusalém.
Os dois reavivamentos e a volta ao caminho da santidade do povo de Israel foram bem-sucedidos porque os dois reis (Ezequias e Josias), em primeiro lugar, levaram o povo ao retorno do estudo das Escrituras. Como resultado, o povo retomou a adoração exclusiva do Deus nacional, e as festas religiosas que serviam como meio didático para demonstrar os feitos de Deus, que haviam sido suspensas, foram retomadas. Acima de tudo, a comunhão com o Senhor foi restabelecida. Os detalhes veremos a seguir.
A Transformação Realizada por meio do Confronto com a Palavra
O rei Josias reinou sobre Judá por 31 anos (2 Rs 22.1), de 639–609 a.C. Ele começou a “reinar” com 8 anos de idade, após a morte do seu pai, o rei Amom, alvo de uma conspiração. Os conspiradores foram dominados pelo chamado “povo da terra”, que entronizou Josias ao trono (2 Rs 21.24; 22.1; 2 Cr 33.25). Josias não tinha condições de reinar sobre Judá com apenas 8 anos, e a nação era certamente governada por regentes. A Bíblia não menciona, mas Josias pode ter sido orientado no seu início de reinado por um tutor direto, dentre o “povo da terra”, ou atuado em corregência com a sua mãe, Jedida.
Na época de Josias, como por longos anos antes dele, Judá estava em estado de suserania à Assíria, ou seja, era dominado por aquele império, sendo obrigado a pagar tributos e obedecer a certas leis impostas pelos assírios. Observe que o texto bíblico afirma que o livro (parte das Escrituras) foi encontrado no décimo oitavo ano de Josias. Muito tempo já havia passado desde a sua ascensão ao trono. Merril (2001, p. 470, nota 35) afirma que o autor do livro dos Reis não faz referência a qualquer movimento de Josias em prol de uma reforma antes do décimo oitavo ano do reinado de Ezequias (622), o ano da descoberta do Livro Sagrado. Ele defende que o relato parece comprimir em um ano o que, de fato, aconteceu em vários anos, começando no oitavo ano de Josias. Este, enquanto sob o controle da Assíria, teve dificuldade para fazer qualquer reforma religiosa. A Assíria impunha sobre ele e demais dominados a obrigação de adorar os deuses pagãos, principalmente os relacionados àquela nação.
Jeremias, conhecido como o profeta chorão, foi contemporâneo de Josias e, nas suas palavras, teceu elogios ao rei Josias. O profeta considerava Josias um rei justo e que se voltava ao aflito e necessitado, procurando suprir as suas necessidades (Jr 22.15,16). Jeremias foi um profeta que denunciou veementemente a prática de idolatria que estava entranhada no coração do povo (Jr 2–6). Outro profeta contemporâneo de Josias e Jeremias foi Sofonias. Este vai confirmar as dificuldades encontradas por Josias para exterminar de uma vez por todas a idolatria do povo.
Após a morte de Assurbanípal, rei da Assíria, ocorrida aproximadamente em 632 a.C., Josias aproveitou o momento para implantar mudanças no seu reino. Na realidade, houve uma mudança na situação geopolítica que favoreceu certa independência de Judá (MERRILL, 2001, p. 468). Josias iniciou as mudanças com a reforma nas estruturas do Templo, que naquela época não estava dedicado exclusivamente — ou seja, santificado — para adoração a Yahweh. Desde os dias de Ezequias, há aproximadamente 60 anos não se faziam quaisquer reparos. No Templo, havia pontos de adoração a outros deuses como Baal, Aserá, e bem nos seus arredores havia postes-ídolos para adoração a outros deuses. Naquele momento, o que a Bíblia registra é que ele estava promovendo uma reforma física no Templo, utilizando as doações feitas dentro dele, somente isso.
Contudo, quando o rei envia o seu escrivão para falar com o sumo sacerdote Hilquias, ele recebe uma notícia que muda tudo. Um livro foi encontrado no Templo. Como é possível perder um pergaminho que era parte das Escrituras em um Templo? Lembrando que não era algo pequeno que nem os livros de hoje. Existem várias conjecturas sobre o aparecimento desse livro, mas o importante é que tiveram acesso a um texto que não conheciam. O escrivão primeiro lê o livro e depois o leva ao rei e faz a leitura para Josias.
A leitura das Escrituras passa a ser um marco na vida de Josias. Ele percebeu o quanto ele e o povo estavam distantes da vontade de Deus. O rei passa a ser outra pessoa a partir do confronto com a Palavra. Pommerening (2021, p. 133) afirma que “a Palavra de Deus serve-nos primordialmente de duas maneiras: (1) através do confronto, com sua voz moral e ética, e (2) através do conforto, como a sua voz amorosa e consoladora”. O primeiro contato de Josias com a Palavra foi de confronto, pois isso o levou a consultar a vontade de Deus, com o intuito de fazer o que era reto ao Senhor. Josias primeiro precisava ser renovado pela Palavra, para depois, sendo exemplo, poder conduzir o povo, que estava desgarrado do caminho da santidade, ao retorno à Palavra e à adoração ao verdadeiro Deus.
A Leitura Compromissada da Palavra Produz Arrependimento
A leitura da Escritura deixou o rei pasmado diante da sua própria realidade. Ele percebeu que estava longe de cumprir os mandamentos de Deus, o Senhor. A Bíblia é como um espelho (Tg 1.23); ela mostra a realidade de cada pessoa diante de Deus. Aqui quero contar uma experiência pessoal. Há um pouco mais de 10 anos, participei de um treinamento gerencial, em que assisti um vídeo que nunca mais esqueci. No vídeo, um senhor entra numa casa de espelho. Ele fica na frente do primeiro espelho, e a sua imagem ficou toda distorcida devido ao efeito, e ele caiu na gargalhada. Assim ele continua quando para na frente de vários espelhos, e a gargalhada aumentava cada vez mais. Aí no fim tinha o último espelho. Ele para na frente, a câmera é fixada no rosto, e o semblante daquele senhor muda totalmente, mostrando uma aparência triste e negativa. Sem dar gargalhadas, dá meia volta e vai embora com um semblante triste. O último espelho era normal e mostrou a imagem daquele senhor como ele realmente era, e, por algum motivo pessoal, ele não gostou do que viu. Ele preferia as demais imagens deturpadas, pois ria da sua própria imagem distorcida, que não era a sua realidade. Por isso, muitas pessoas não gostam de ser confrontadas pela Palavra, porque ela vai mostrá-las como verdadeiramente são diante de Deus. Quando você olha em um espelho normal e vê algo que não está a contento na sua imagem, procura ajeitar antes de sair para os seus compromissos. Todavia, quando alguém busca a Palavra com compromisso e reverência, independentemente se for confrontado ou confortado, algo muda dentro dela e provoca uma mudança para melhor.
O rei, ao ouvir a Palavra que foi lida por Safã, o seu escrivão, imediatamente rasgou as suas vestes (2 Rs 22.10,11). Rasgar as vestes era um costume antigo para demonstrar profunda tristeza e consternação, um sinal de arrependimento. O rei estava triste por conta da sua situação e da do povo diante de Deus. Após a leitura da Palavra, o rei pede ao sumo sacerdote para consultar ao Senhor. Assim, ele fica sabendo que Jerusalém seria destruída. Deus, no entanto, reconhece a atitude sincera do rei (2 Rs 22.19).
Deus não tira as consequências que cairiam sobre Judá, porém adia o acontecimento (2 Rs 22.12-14; 2 Rs 22.18-20; 2 Cr 34.22; Jr 11.9-17; 13.27).
O primeiro passo estava dado, que era o reconhecimento da situação real diante de Deus, a humilhação e o arrependimento pessoal. Os próximos passos veremos a seguir.
Os Resultados do Retorno à Palavra de Deus (2 Rs 23.1-25)
Purificação do Templo
O autor do Salmo 119 faz um questionamento interessante e, imediatamente, traz a resposta: “Como purificará o jovem o seu caminho? Observando-o conforme a tua Palavra” (v. 9). O rei já havia experimentado o poder purificador da Palavra, agora ele queria que a Palavra tivesse o mesmo efeito sobre o povo. Para isso, primeiro ele ordenou que todos os anciãos de Judá e de Jerusalém juntassem-se com ele no Templo. Ele convocou “todos os homens de Judá, e todos os moradores de Jerusalém, e os sacerdotes, e os profetas, e todo o povo, desde o menor até ao maior; e leu aos ouvidos deles todas as palavras do livro do concerto, que se achou na Casa do Senhor” (2 Rs 23.2). O livro encontrado no Templo foi um instrumento para a mobilização nacional em prol de uma reforma abrangente nas questões religiosas e políticas. Josias não conseguiria fazer a reforma pretendida caso o povo não estivesse envolvido e sensibilizado.
Então, Josias e o povo, após ouvirem atentamente a Palavra de Deus com a leitura do livro encontrado no Templo, fazem um novo pacto com Yahweh. Na sequência, de imediato já começou a reforma com a limpeza e queima de todo material de idolatria no Templo. Quando o povo de Deus está fora dos caminhos da santidade, geralmente é porque os líderes não estão dando o exemplo que deveriam. Até o Templo estava repleto de objetos e atos idólatras. As casas de prostituição cultuais que atuavam também no Templo e nos seus arredores foram derribadas.
Josias mandou o sumo sacerdote Hilquias e os seus auxiliares (sacerdotes de segunda ordem e os guardas da porta), que se tirassem do Templo todos os utensílios que se tinham feito para Baal, Aserá e para todo o exército dos céus (estrelas que orbitam o espaço) e queimou-os fora de Jerusalém. Os sacerdotes de segunda ordem eram um tipo de superintendentes do Templo (Jr 20.1,2; 29.24-29), e os guardas da porta eram altos funcionários do Templo. A estes cabiam receber as oferendas do povo no Templo (2 Rs 22.4). A primeira referência idolátrica mencionada é Baal, cuja expressão significa “senhor”, no sentido de dono de pessoas e coisas. O culto a Baal começa cedo entre os hebreus, que aparecem adorando a Baal-Peor de Moabe em Números 25.3. Baal era simbolizado por um massebah, termo hebraico que indica uma estela, um tipo de coluna de pedra, tosca ou talhada (2 Rs 3.2; 10.25-27).
Com essas informações, fica fácil entender por que Josias teve que destruir as casas de prostituição cultuais que ficavam perto do Templo e como o povo entregou-se à prostituição. Por isso, a relação comum nos textos bíblicos da prostituição com a idolatria.
O segundo culto à divindade a ser tratado era o que foi cultuado à Aserá, também considerada uma divindade da fertilidade e muitas vezes confundida com Anate e Astarte. O objeto do seu culto era uma estaca, um pedaço de madeira e a árvore. É por isso que no texto bíblico é citado que Josias mandou retirar também o bosque: “[…] utensílios que se tinham feito para Baal, e para o bosque, e para todo o exército dos céus” (2 Rs 23.4). Nakanose (2000, p. 104) afirma que, na Palestina, “a sombra das árvores era considerada como um lugar sagrado. Realizar o ato sexual à sombra da árvore significava participar da bênção da fecundidade concedida pela terra-mãe”. Aserá é mencionada 40 vezes no Antigo Testamento.
O terceiro culto era dedicado aos exércitos dos céus. Esse termo refere-se a objetos que representavam o Sol, a Lua, as constelações, entre outros. Eram objetos oriundos da Assíria e Babilônia, que, na época do rei Manassés, avô de Josias, voltaram a ser cultuados na Palestina como sinal de aliança com a Assíria (2 Rs 21.3-7).
Eliminação dos Elementos que Promoviam a Idolatria em Todo o Território Nacional
A reforma de Josias, inclusive com ação pessoal dele, estendeu-se por todo o território de Judá, inclusive algumas tribos do Reino do Norte. Ele também restituiu o culto centralizado a Yahweh em Jerusalém, segundo normativas da Lei. Josias “tirou todas as casas dos altos que havia nas cidades de Samaria, e que os reis de Israel tinham feito para provocarem o Senhor à ira” (2 Rs 23.19). Casa dos altos, ou lugares altos, era um lugar onde se cultuavam divindades pagãs no topo das montanhas, colinas ou elevações, próximas das cidades. A crença comum era de que, quanto mais alto fosse o lugar, mais perto ficaria das regiões celestes, como morada das divindades, e facilitaria a comunicação. Geralmente, nesses lugares havia uma espécie de altar sobre uma plataforma de pedra, artificialmente construída em alguma rocha do local. Ali se praticava sacrifícios sangrentos, rituais do culto à fertilidade diante de estacas e árvores, símbolos da deusa da fertilidade, e queima de incensos. A grande maioria dos lugares altos ficava à sombra de alguma árvore para configurar como local sagrado (Dt 12.2; 1 Rs 14.23; 2 Rs 16.4; 17.10; Jr 2.20; 3.6; 17.2; Ez 6.13; 20.28). Em alguns lugares altos, existiam pequenas construções de casas consideradas santuários que serviam como locais de culto, de recolher tributos religiosos, guardar sementes e atendimento aos mais necessitados (Dt 26.12-15; 1 Rs 12.31; 2 Rs 23.5-20).
Josias mandou queimar a estátua da deusa Aserá e jogá-la num cemitério chamado de Vale de Cedrom (2 Rs 23.6) e destruir as casas de prostituição sagrada (2 Rs 23.7). A prostituição sagrada era um ritual da cultura mesopotâmica das cidades-estados cananeias. Casas de prostituição sagradas eram construídas junto aos templos dedicados aos deuses e às deusas da fertilidade. Alguns profetas criticaram esse abuso das cidades-estados, como Amós e Oseias (Os 4.14; Am 2.7). A reforma de Josias ia além da luta contra a prostituição sagrada, a preocupação “era o fortalecimento do javismo oficial, colocando Javé como única fonte da fertilidade”.
Por fim, Josias destituiu os sacerdotes que os reis de Judá estabeleceram para incensarem sobre os altos nas cidades de Judá e ao redor de Jerusalém, “como também os que incensavam a Baal, ao sol, e à lua, e aos mais planetas, e a todo o exército dos céus” (2 Rs 23.5). Josias destruiu o altar que estava em Betel, cuja fundação está ligada ao evento da teofania de Deus para Jacó e a construção de uma estela de pedra no local (Gn 28.10-22). Ele também “sacrificou todos os sacerdotes dos altos, que havia ali, sobre os altares, e queimou ossos de homens sobre eles; depois, voltou a Jerusalém” (2 Rs 23.20).
A leitura do Livro Sagrado e o efeito que teve na vida do rei Josias trouxe, em primeiro lugar, uma mudança na sua vida, o que, por sua vez, proporcionou a todo o povo o conhecimento da mesma verdade. Assim, foi possível uma mudança radical em relação à idolatria, que estava relacionada também às questões morais e éticas, que eram propagadas e incentivadas pelas práticas das religiões pagãs.
O cristão pode até dizer hoje que não se preocupa com esse tema, pois não adora esculturas e nem imagens sagradas, como se essa fosse a única forma de idolatria. Acontece que idolatria é colocar pessoas ou coisas antes de Deus, o Senhor. O que se coloca em prioridade antes dEle é idolatria. Dessa forma, o cristão pode até não se prostrar diante de uma escultura, mas pode estar idolatrando pessoas, objetos que têm por muito importante ou mesmo a sua própria posição de destaque.
O Restabelecimento do Culto a Yahweh
A remoção de tudo o que estivesse ligado à idolatria era apenas um dos aspectos da reforma que precisava ser realizada. Não havia mais um padrão de adoração a Deus em Judá, pois o politeísmo tomou conta do país, e várias práticas cultuais foram introduzidas. Agora que Josias havia feito a reforma estrutural e a limpeza de tudo relacionado à idolatria, seria necessário o restabelecimento do culto a Yahweh, com base nos preceitos prescritos no Livro encontrado, incluindo toda a estrutura prevista para a adoração no Templo. Josias restituiu o ofício dos sacerdotes, dos levitas, dos cantores e dos guardas do Templo, conforme previsto no manuscrito encontrado.
Outro aspecto importante do culto foi a recolocação da Arca da Aliança no seu lugar específico do Templo, no lugar “Santo dos Santos”. Algum rei anterior a Josias havia tirado a Arca do seu lugar. Com a limpeza efetuada por Josias, a restituição dos oficiais do Templo e a recolocação da Arca da Aliança no lugar “Santo dos Santos”, tudo estava preparado para o rei, para que a liderança e todo o povo pudessem oferecer um culto exclusivo (santo) para Deus, o Senhor. O que poderia impedir um culto verdadeiro seria somente a situação individual de cada pessoa que iria prestá-lo.
Evidentemente que em toda mudança e os chamados reavivamentos, nem todas as pessoas realmente têm uma mudança sincera e verdadeira. Porém, o que se pode perceber é que um grande número de judeus aproveitou o momento para mudar de vida e a forma de adoração ao único Deus. Todas as pessoas daquela nação tiveram a oportunidade de mudar. A idolatria e a prostituição cultual não eram mais algo “imposto”. Eles tinham liberdade para adorar a Yahweh de todo o coração, de toda a alma e de todo o sentimento, como recomendava o Livro encontrado no Templo. No entanto, a forma como muitos voltaram às práticas idolátricas após a morte de Josias demonstra que essas pessoas não haviam tido uma verdadeira conversão ao Deus Criador. Não se consegue o envolvimento de 100% das pessoas.
O Retorno à Adoração Exclusiva (Santa) por Meio da Páscoa
Páscoa Centralizada em Jerusalém Promove a Adoração Exclusiva (2 Rs 23.21-25)
Nos tempos de Josias, antes da reforma, a Páscoa não era mais celebrada. Ele vai participar da sua primeira Páscoa somente no décimo oitavo ano do seu reinado. A Páscoa é a mais importante festa para os judeus. O ambiente judaico da Páscoa é de celebração da ação libertadora de Deus na saída do Egito. Tem um significado simbólico muito importante para a nação de Israel e o seu relacionamento com Yahweh como Deus único e Senhor Soberano sobre todas as coisas. O restabelecimento da Páscoa com a participação de todo o povo representa o estabelecimento de Yahweh como Deus nacional e único para a nação de Israel. Esse foi um grande marco para a mudança e para um caminho de santidade, com um povo exclusivo como representante de Yahweh diante das nações, conforme promessa divina aos patriarcas.
A primeira Páscoa foi instituída quando no evento da décima praga do Egito ocorreu a morte dos primogênitos. Naquele episódio, os primogênitos dos judeus foram salvos devido ao ritual que foi estabelecido de aspergir os umbrais das portas com o sangue de um cordeiro selecionado. Assim, o sangue do cordeiro foi a marca da salvação das famílias hebreias e o marco inicial para a libertação do povo hebreu do cativeiro egípcio que durava quatro séculos. Depois, a Páscoa passou a ser celebrada anualmente, todo mês de abibe (março/abril em nosso calendário), para relembrar o ato salvífico de Deus para libertar o seu povo da escravidão do Egito.
Os elementos para a realização da Páscoa tinham, cada um, um cerimonial especial e um significado especial. O pão deveria ser assado sem fermento, pois não havia tempo para que o pão pudesse crescer (Êx 12.8,11,34-36), pois a saída do Egito deveria ser rápida. Com o tempo, a falta de fermento passou a representar a purificação. As ervas amargas (Êx 12.8) simbolizavam toda a amargura e aflição enfrentadas no cativeiro; afinal de contas, foram aproximadamente 430 anos de opressão, dor e angústia sob o jugo egípcio. O cordeiro (Êx 12.3-7), o elemento principal, deveria ser separado para o sacrifício até ao décimo quarto dia (Êx 12.3-6), pois não poderia ter mancha e nem qualquer outro tipo de defeito (Êx 12.5). Nenhum dos seus ossos poderia ser quebrado (Êx 12.46). Por fim, o sangue do cordeiro deveria ser aspergido nos umbrais das portas. O sangue era uma proteção e um símbolo da obediência. A desobediência seria paga com a morte, pois o “anjo da morte” passaria pelo Egito e pularia e não mataria o primogênito cuja casa tivesse o sangue aspergido. Daí o significado da Páscoa, que vem do termo hebraico Pesah, que significa “passar de largo”. O primogênito não seria poupado se não tivesse o sangue nos umbrais da porta. Imagine como foi retornar a todos esses rituais e comemorar a Páscoa depois de muitos anos. Tudo conduzia à santidade de Deus e à sua misericórdia.
A celebração da Páscoa após os atos da reforma (2 Rs 23.4-20) transformou esta que era a principal festa dos judeus numa cerimônia conclusiva do estabelecimento do culto de adoração exclusiva a Yahweh. Portanto, um ponto culminante da reforma no cumprimento do Livro da Lei. A centralização da Páscoa em Jerusalém (2 Rs 23.21-23) foi um dos pontos centrais da reforma de Josias, pois foi transportada do ambiente familiar para o Templo de Yahweh, transformando a Páscoa em um evento nacional, com necessidade de peregrinação a cada ano. A centralização exigiu a formação de toda uma estrutura, como, por exemplo, uma data específica (14 do mês de abibe, conforme Dt 16.1), um local escolhido por Yahweh (Dt 16.2), o sacrifício de ovelhas e bois (Dt 16.2) e oficiais para fazerem o sacrifício (Dt 16.5-7).
O Retorno à Palavra Foi a Base para a Realização da Maior Páscoa de Todos os Tempos
O próprio texto bíblico afirma que a “Páscoa de Josias” foi a maior de todos os tempos: “Porque nunca se celebrou tal Páscoa como está desde os dias dos juízes que julgaram a Israel, nem em todos os dias dos reis de Israel, nem tampouco dos reis de Judá” (2 Rs 23.22).
Realmente deve ter sido algo inesquecível para os judeus que participaram daquela grandiosa festa. Tudo teve um começo, que se deu com um Livro Sagrado, parte das Escrituras do povo judeu, que foi encontrado no Templo que havia sido profanado pelos judeus, conforme já mencionado anteriormente. Em vez de adorarem exclusivamente a Yahweh, eles prostituíam-se espiritual e literalmente, seguindo as crenças e costumes dos povos pagãos, que adoravam outros deuses. A estrutura do Templo e os seus arredores estavam sendo utilizados para propagarem uma fé ineficaz e que era uma abominação ao Deus Criador, que havia dado a planta daquele Templo a Salomão e que chamou a atenção de todos os povos. E pensar que todos os movimentos e honras que foram dados a Deus na construção daquele Templo poucos séculos atrás estavam sendo tratados como se nada fossem no tempo de Josias.
A leitura do livro encontrado mexeu com a fé de Josias e de parte do povo judeu. Mudanças significativas foram realizadas com o intuito de retornar à fé dos antepassados e retomar a mesma adoração dos patriarcas. Por fim, o encontro e confronto com a Palavra teve como um dos principais resultados a realização da maior Páscoa de todos os tempos até aquela data. Este é um dos impactos da Palavra de Deus: confrontar o ser humano com as suas próprias falhas, com vistas à restauração e produção de bons frutos, no caminho da santidade e comunhão com Deus, o Senhor.
Paulo Usa a Figura da Páscoa para Exortar à Pureza Cristã (1 Co 5.6,7)
Paulo usa a metáfora do fermento, elemento que era proibido na preparação da Páscoa, para exortar os coríntios sobre as impurezas que haviam adentrado na igreja por alguns membros e incentivar a busca da pureza cristã. Essa metáfora também fora utilizada por Jesus (Mc 8.15) e pelo próprio Paulo (Gl 5.9), sempre no sentido negativo. Paulo exorta que, em vez de utilizar o fermento velho da velha natureza, eles deveriam fazer a festa da Páscoa com os pães asmos (sem fermento) da sinceridade e da verdade. O fermento velho e ultrapassado pode estragar toda a massa. Na Bíblia, o fermento é tido como um símbolo do que é mau e prejudicial, com exceção de Mateus 13.33 e Lucas 13.21.
A alusão à preparação e participação da Páscoa judaica fornece uma ilustração para a vida da igreja cristã. Da mesma forma que, durante a celebração da Páscoa (celebração da ação libertadora de Deus na saída do Egito), era lançado fora todo tipo de fermento (Êx 12.15), assim também a Igreja deve ser pura, retirando do seu meio todo tipo de pecado (Ef 4.22-24; Cl 3.10). A Igreja, semelhantemente às práticas do judaísmo, deveria manter a ceia da Páscoa, porém trazendo o novo sentido com vistas à cruz de Cristo. Paulo apresenta Cristo como o verdadeiro cordeiro da Páscoa. O evangelista João, quando descreve a morte de Jesus, compara-a à morte do cordeiro da Páscoa, fazendo relações até nos mínimos detalhes: “Porque isso aconteceu para que se cumprisse a Escritura, que diz: Nenhum dos seus ossos será quebrado” (Jo 19.36). O sangue de Cristo aspergido na cruz é a causa da libertação espiritual dos que aceitam o seu sacrifício como meio de redenção, assim como o sangue do cordeiro da Páscoa era a libertação da maior das dez pragas que ocorreram no Egito: a morte (Êx 12.13).
Paulo, por meio da analogia entre a Páscoa judaica e a Ceia do Senhor, está alertando sobre a alegria que os cristãos devem sentir por estarem limpos do pecado por meio do sangue de Cristo. O cristão deve celebrar a santificação, a salvação e a liberdade em Cristo (Fp 2.12) e praticar a pureza cristã, em consagração na busca de fazer a vontade de Deus (Rm 12.1,2; 1 Pe 2.5).
Para a Igreja ser impactante e transformadora, precisa apresentar-se com um comportamento puro e digno ao comportamento imoral da sociedade, capaz de atrair as pessoas de boa vontade para o evangelho de Cristo. Resumindo: uma vida de santificação que seja referência.
Que Deus abençoe sua aula!
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