Lição 10 – Uma Liderança chamada para restaurar
Prezado(a) professor(a), para ajudá-lo(a) na sua reflexão, e na preparação do seu plano de aula, leia o subsídio da semana. O conteúdo é de autoria do pastor Elias Torralbo, comentarista do trimestre.
INTRODUÇÃO
A palavra “restauração” pode ser encontrada em toda a Bíblia Sagrada e quase sempre aponta para a “restauração de propriedades, restauração de pessoas e a restauração de uma economia totalmente teocêntrica”.1 A necessidade de restauração começa em Gênesis 3.9, pois, em decorrência da desobediência do primeiro casal, o homem foi afastado do seu Criador. Diante desse triste quadro, Deus começa a executar o seu plano restaurador, que inclui a restauração de Israel, povo escolhido pelo qual viria a salvação.
Ao longo do tempo, Deus enviou profetas, apresentou reis e sacerdotes, até que Israel foi para o cativeiro. Aqui é importante dar enfoque fundamental de que somente em Cristo a verdadeira restauração pode acontecer eficazmente.
Este capítulo tem um caráter de advertência, já que ele discorre sobre a restauração que somente Deus pode realizar, e isso a partir da experiência de Ezequiel no vale de ossos secos. A análise aqui proposta é feita, em primeiro lugar, sobre a visão em si, a mensagem da visão e as lições que ela deixa.
A VISÃO DO VALE DE OSSOS SECOS
F. F. Bruce oferece uma excelente explicação da visão do vale de ossos secos que Ezequiel teve, conforme se lê:
A visão do vale dos ossos secos talvez seja a cena mais conhecida de todo o livro de Ezequiel […] a presente visão é puramente simbólica. Como a declaração a seguir deixa claro, a restauração da vida sobre os ossos é uma parábola da ressurreição nacional de Israel (v. 11-14); mas no decorrer do tempo naturalmente veio a ser tratada como uma parábola de ressurreição pessoal […].2
Com base na explicação acima, principalmente no que se refere ao significado dessa visão e à sua mensagem central, este tópico concentra-se em fazer uma análise a respeito dela, com vistas a aprender e extrair lições sobre a restauração dentro de um contexto de liderança. A divisão deste capítulo é resumida em três partes, a saber: I) Compreendendo a visão; II) A mensagem da visão; e III) Lições deixadas à liderança.
Compreendendo a Visão
Antes de buscar extrair lições práticas e atuais da visão que Ezequiel teve em um vale de ossos sequíssimos, impõe-se a necessidade de uma compreensão a respeito da visão em si. Conforme já dito no início, as visões de Ezequiel geralmente foram factuais (Ez 8.1-3), e essa em especial teve um caráter simbólico, e a sua interpretação deve levar isso em consideração.
O profeta Ezequiel, de linhagem sacerdotal e contemporâneo de Jeremias e Daniel, fora levado cativo para a Babilônia durante o reinado de Joaquim. Eugene H. Merril data o período do exercício profético de Ezequiel entre: “592 a.C. e 570 a.C., de acordo com a informação cronológica oferecida por ele”.3 Ezequiel viveu em uma colônia de judeus próximo ao rio Quebar e ali desenvolveu o seu ministério de profeta, sacerdote e pastor da comunidade exilada.
Ele começou a proclamar a mensagem de Deus logo que teve a experiência nas proximidades de um rio (Ez 1.1). Além disso, empenhou-se em animar o povo por meio das palavras sobre restauração. Conforme R. K. Harrison, ele “também ensinava que a renovação nacional só começaria quando a integridade de caráter e de intenção se tornasse a preocupação suprema de toda a atividade religiosa”.4
Uma das principais intenções da visão dada a Ezequiel foi a de convocar o povo ao arrependimento, além de confortar o povo exilado com a Palavra de Deus. O próprio Deus oferece explicação sobre a visão, que, em certa medida, serviu como uma espécie de parábola (Ez 37.11-14). Mas, afinal, qual é o conteúdo da mensagem transmitida?
Essa visão deve ser compreendida como uma extensão, ou mesmo uma ilustração do que foi prometido no capítulo anterior, que pode ser resumida em: I) Deus voltando-se para o povo (Ez 36.9); II) A descendência do povo sendo multiplicada e abençoada (Ez 36.11); III) Por meio do cativeiro, Deus santificaria o seu nome (Ez 36.23); IV) A restauração da terra (Ez 36.24); V) A purificação do seu povo por meio da obra do Espírito (36.25) VI) Multiplicação e prosperidade de alimentos (Ez 36.29); VI) Vida renovada à semelhança da que Adão e Eva tiveram no Éden (Ez 36.35); e VIII) Tornar-se rebanho santificados pelo Sumo Pastor (Ez 36.38).
Ressalta-se também que, além da visão do vale de ossos secos, o capítulo 37 de Ezequiel registra a visão de dois paus (vv. 15-28), e elas juntas têm o objetivo de apontar: I) Historicamente para a volta dos exilados do cativeiro babilônico; e II) Espiritualmente para a restauração do Novo Israel, como fruto da obra do Messias.
A Mensagem da Visão
Depois de uma análise preliminar da visão, a intenção aqui é ampliar a compreensão sobre a mensagem central que o Senhor desejou enviar ao seu povo por meio da visão do vale de ossos secos. Em primeiro lugar, observe que, além de secos, os ossos estavam separados, e isso indica: I) A condição de separação em que se encontrava Israel em relação a Deus; II) A divisão interna em que se encontrava Israel; e III) A separação dos ossos resultou em falta de vida.
Em segundo lugar, mesmo distante de Deus, Israel pôde ser advertido por Ele, mas também receber uma promessa de restauração, como clara demonstração da graça divina (Ez 37.11-14). “A conexão dos nervos ou tendões, o aparecimento da carne (v. 6) e a colocação do espírito (sopro) por Deus, é uma forma poética de dizer que os israelitas retornarão para a sua terra amada” (vv. 12,14).5
A mensagem central da visão, portanto, pode ser resumida em: I) Deus confrontou a Israel ao mostrar o seu verdadeiro estado espiritual; e II) Ele anuncia o seu interesse em restaurar o seu povo, dando-lhes uma nova oportunidade (v. 14).
Lições Deixadas à Liderança Cristã
Esta seção propõe-se a apresentar algumas das muitas e variadas lições que a visão que Ezequiel teve do vale de ossos secos oferece e que muito pode contribuir no enfrentamento aos desafios da atualidade, inclusive aos que cumprem funções de liderança. Sob uma perspectiva humana, o quadro colocado diante do profeta representava uma situação irreversível, contrastando, assim, com a capacidade divina em reverter tal situação (Ez 37.1,10).
Dessa forma, algumas lições podem ser destacadas aqui, tais como: I) Viver distante de Deus resulta inevitavelmente em morte espiritual (vv. 1,2); II) Somente a palavra de Deus é capaz de alterar o estado de morte espiritual de um povo (v. 4); III) Para que a vida espiritual de um povo seja restaurada, é preciso que a voz de Deus seja ouvida. Em cada uma dessas constatações, é possível notar que a figura do líder espiritual é indispensável no processo de restauração espiritual de um povo, ou mesmo dos seus liderados.
Diante disso, o líder cristão da atualidade deve atentar para a necessidade de: I) Manter a confiança em Deus em tempos de caos, pois Ele é poderoso para mudar qualquer cenário por mais terrível que seja ou possa parecer; e II) Reconhecer a importância da unidade para a manutenção da vida espiritual dos seus liderados e trabalhar para que esta seja uma realidade permanente entre eles. O símbolo usado em Ezequiel 37.16,17, no qual os dois pedaços de madeira são unidos, representando Judá e Israel, passa-nos uma lição deixada pelo apóstolo Paulo, em que nossa missão é procurar cuidadosamente manter a união por meio do Espírito, que é o vínculo da paz (Ef 4.3).
Em vez de ficar desesperado diante de situações adversas, o líder cristão deve descansar na ação poderosa e restauradora de Deus, atuando diária e insistentemente em favor da unidade dos seus liderados.
O CAMINHO DA RESTAURAÇÃO
Já deve estar claro que o tema da restauração é o elemento principal na profecia de Ezequiel. Inevitavelmente, esse tema remete à graça divina, pois Israel pôde experimentá-la e colher os seus bons frutos mesmo em condições espirituais precárias. Deus não deixou de julgar o seu povo e nem de puni-lo; no entanto, a sua misericórdia e a sua graça foram prometidas de maneira admirável e surpreendente.
A restauração faz-se necessária sempre que a infidelidade a Deus for a tônica desse povo. Nesse caso, qual seria o caminho a ser trilhado para que a restauração passe a ser uma realidade em meio a uma geração distante de Deus? Em síntese, o caminho a ser trilhado resume-se em duas atitudes, que são o reconhecimento da real condição e a busca por restauração.
Assim como a busca por uma cura só pode ocorrer após o diagnóstico da doença, a restauração espiritual só poderá ser buscada mediante a identificação do verdadeiro estado espiritual em que se encontra a pessoa (Sl 85.4). Nesse ponto, o papel do líder cristão é imprescindível tanto no processo de identificação do problema quanto na busca por restauração.
Reconhecer a Necessidade da Restauração
Qual é o caminho para a restauração?
A forma mais segura e correta de responder a essa questão é com um olhar atento para as informações que o texto em análise oferece. Por exemplo, a primeira informação que se tem é de que o profeta Ezequiel foi conduzido pelo Senhor a um vale de ossos secos. Deus tinha a intenção de mostrar ao profeta qual era a verdadeira condição espiritual de Israel (Ez 37.1,11). Diante daquele quadro, Ezequiel pôde notar a gravidade do problema, a sua incapacidade de resolver e o quão dependente de Deus um líder espiritual deve ser.
Em seguida, Ezequiel teve de andar em volta daqueles ossos e, ao olhar mais de perto, percebeu que a situação era ainda pior, pois os ossos estavam sequíssimos (v. 2). A aproximação de Ezequiel favoreceu-o no sentido de enxergar com mais detalhes a realidade em que o povo de Deus estava, o que implica em dizer que o líder cristão deve ser alguém disposto a estar próximo da realidade em que desenvolve a sua liderança.
Por ocasião do pecado do primeiro casal, Deus apresentou-se no jardim e formulou uma série de perguntas (Gn 3.9,11,13). Tais indagações não foram feitas porque Deus não tinha conhecimento do que estava acontecendo — afinal de contas, Ele sabe de todas as coisas (Sl 139) —, mas serviram ao propósito divino em confrontar a consciência de Adão e Eva para que percebessem: I) A gravidade do pecado que cometeram; II) O que perderam por terem pecado. O confronto da consciência não foi para a destruição, mas para a restauração (3.15), mesmo porque a correção divina é sinal de amor, e não de ódio, assim como a disciplina visa a restauração, e não a destruição (Hb 12.6,11).
A expectativa de Deus é que o seu povo seja capaz de reconhecer a sua condição espiritual e, em percebendo a necessidade de restauração, que a busque na única fonte capaz de providenciá-la, isto é, no Senhor. Evidentemente que o papel do líder nesse processo é indispensável, sobretudo na atualidade.
Depender de Deus
Depois de andar em volta dos ossos que estavam sequíssimos, o profeta ouviu a voz de Deus, que lhe perguntou: “Filho do homem, poderão viver estes ossos?” (Ez 37.3). Diante dessa pergunta, o profeta respondeu, dizendo: “[…] Senhor Jeová, tu o sabes” (v. 3). A resposta de Ezequiel reflete muito da sua visão a respeito de Deus, de si mesmo e a respeito de estrutura da fé, pois ele devolveu a situação ao Senhor em vez de emitir opinião de qualquer natureza.
Essa atitude demonstra que Ezequiel: I) Reconheceu a sua incapacidade não só de solucionar, mas também de emitir qualquer opinião sobre um problema tão difícil; II) Compreendeu que somente Deus era capaz de resolver ou, pelo menos, de apontar uma possível solução para o problema; e III) Devolveu o problema para Deus, o que atesta a inteira dependência que tinha dEle. Mesmo na condição de profeta, Ezequiel não ousou sequer falar sobre a solução para o problema que estava diante dele, restando-lhe apenas a opção de render-se e entregar para que Deus conduzisse todo o processo de restauração.
Depois da resposta do profeta, o que se vê no registro bíblico é a ação direta, autônoma e voluntária de Deus falando e do Espírito de Deus agindo, confirmando que a restauração espiritual de um povo ou mesmo de uma geração inteira é obra exclusiva do Senhor.
A Participação do Líder
Na conclusão desse tópico, destaca-se a participação que Ezequiel teve na restauração de Israel. Observe que, após o profeta ter reconhecido a sua incapacidade de apontar uma solução para o problema e devolver o problema para Deus, o texto informa o seguinte: “Então, me disse: Profetiza sobre estes ossos e dize-lhes: Ossos secos, ouvi a palavra do Senhor” (Ez 37.4); e ainda: “[…] Profetiza ao espírito […] Vem dos quatro ventos, ó espírito, e assopra sobre estes mortos, para que vivam” (v. 9).
O Senhor ordenou a Ezequiel que profetizasse ao “espírito”, do hebraico ruach e do grego pneuma, cujo significado é “vento, sopro e espírito”. Nesse caso, Ezequiel teve de profetizar aos ossos e ao vento, e grande foi o seu desafio. Dentro de uma perspectiva humana, a tarefa de Ezequiel contrariava toda a lógica, mas o líder espiritual sempre terá de enfrentar situações em que será desafiado a “profetizar a ossos e ao vento”. Nesses momentos, o líder cristão deve confiar em Deus e utilizar-se da autoridade que lhe foi outorgada e declarar “ouvi a palavra do Senhor”, isto é, ouçam o que Deus está falando.
Graciosamente, Deus envolveu Ezequiel no seu trabalho de restaurar o seu povo não porque o profeta era capaz em si mesmo e nem tampouco porque o Senhor dependia dele, mas simplesmente por escolha voluntária de Deus e com vistas à revelação da sua graça. O que se conclui é que, ao devolver o problema para Deus, como demonstração de humildade e dependência dEle, o profeta foi envolvido no processo de restauração, na qualidade de profeta. Toda liderança precisa estar firmada na verdade de que é o Senhor quem age em, por e apesar de nós. Ezequiel era um profeta, um pastor e um sacerdote e, mesmo assim, não ousou dar respostas a partir das suas experiências próprias. Ele firmou-se nas palavras de Deus. A liderança para ser eficaz deve fundamentar-se no poder da Palavra de Deus. Segundo a Declaração de Fé das Assembleias de Deus, somente o poder da palavra “[…] é capaz de destruir fortalezas de Satanás, como também pode penetrar no mais íntimo do ser humano”.6
É bom que o líder cristão saiba que o reconhecimento da necessidade e a dependência de Deus e da sua Palavra são os principais passos para que a restauração espiritual seja uma realidade atualmente.
Que Deus abençoe a sua aula e os seus alunos!
Para conhecer mais a respeito dos temas das lições, adquira o livro do trimestre: TORRALBO, Elias. Liderança na Igreja de Cristo: Escolhidos por Deus para servir. Rio de Janeiro: CPAD, 2022.