Lição 1 – Ezequiel, o atalaia de Deus
INTRODUÇÃO
I – SOBRE O LIVRO DE EZEQUIEL
II – SOBRE O PROFETA
III – SOBRE O ATALAIA
IV – SOBRE A RESPONSABILIDADE
CONCLUSÃO
Esta primeira lição tem quatro objetivos que os professores devem buscar atingi-los:
1. Apresentar a estrutura do livro de Ezequiel;
2. Identificar o profeta Ezequiel;
3. Explicar expressão “atalaia”;
4. Conscientizar a respeito da responsabilidade individual.
Por que estudar um livro como o de Ezequiel? Quais os objetivos de nos debruçarmos sobre ele durante 13 domingos? Como esse livro está estruturado? Que estilo literário a obra apresenta? Qual a função dos símbolos e imagens presentes nesse livro profético?
Para responder essas perguntas e, ao mesmo tempo, auxiliar a elaboração de sua primeira aula, que compartilhamos o seguinte trecho da obra do trimestre escrita pelo pastor Esequias Soares:
O livro de Ezequiel é uma demonstração da soberania e do poder de Deus sobre todas as nações da terra e sobre a história. É um livro para o judeu, pois trata do retorno dos filhos de Israel à terra dos seus antepassados. É o livro para o cristão de hoje, pois a nação de Israel agora existe oficialmente e isso é o sinal importante da proximidade da vinda de Cristo.[1]
A obra A Justiça Divina que o leitor tem em mãos é um livro que foi produzido a quatro mãos, pai e filha juntos, e cujo objetivo é ajudar na compreensão de um dos livros mais difíceis da Bíblia. Ezequiel é uma coleção de oráculos divinos que foram entregues ao profeta durante vinte e dois anos, pelo menos, isso se considerarmos a data da sua primeira visão, que o consagrou como profeta, e o último oráculo que lhe foi entregue. Estamos falando do ano 593 a.C. quando Ezequiel foi constituído profeta (Ez 1.1-3), e o último registro que mostra a data em que ele recebeu a palavra de Deus em 571 a.C.
Qual o sentido do estudo desse Profeta para nossos dias? Podemos apresentar pelos menos quatro razões: a) leva-nos a refletir a respeito da soberania de Deus sobre a história de Israel e das nações no geral; b) permite-nos fazer uma avaliação contínua sobre a presença de Deus em nossa vida pessoal; c) fornece-nos algumas informações sobre a vida futura; d) aproxima-nos de um livro muito difícil com poucos estudos específicos disponíveis sobre ele.
Os temas selecionados estão organizados em 13 estudos, abrangendo 16 capítulos – parciais ou completos. O objetivo é duplo: ter Ezequiel como base do comentário temático e apresentar um estudo expositivo dos textos bíblicos da profecia ezequielense. Dessa forma, as passagens selecionadas têm uma análise exegética, literária, histórica e teológica.
O objetivo da mensagem de Ezequiel é apontar a profanação de Israel contra seu Deus Javé, o que justificava o exílio e a destruição do templo e de Jerusalém. Samaria ou Jerusalém? Israel ou Judá? O Reino do Norte já havia terminado, conforme anunciou o profeta Oseias (1.1.4). O Reino do Sul estava em decadência e aproximando-se do fim. O problema de ambos era a idolatria, a base de todas as abominações.
Ezequiel usa a expressão “casa de Israel” para designar os judeus que estavam em Jerusalém (4.3), para os judeus do exílio (4.13) e para os sobreviventes da destruição de cidade (5.4). O nome Israel aparece 180 vezes no livro de Ezequiel, e Judá aparece 15 vezes; “ancião de Judá” e “anciãos de Israel” aparecem como termos alternativos (8.1; 14.1; 20.1), e “casa de Israel” (em 8.6, 10-12) é substituída por “casa de Judá” (8.17). A essa altura as dez tribos do norte, comumente identificadas como Israel ou Efraim, já estavam na diáspora, mas ambas as casas estão associadas pelos mesmos pecados, o que está claro em 9.9; 25.3; 27.17. Mas, às vezes, o profeta separa as duas casas, Oolá, Samaria, capital do Reino do Norte, e Oolibá, Jerusalém, Reino do Sul (23.4). O profeta contempla a reunificação desses reinos (37.16, 19).
Ezequiel era sacerdote (Ez 1.3), mas foi chamado também para ser atalaia ou profeta de Israel. A visão inaugural de Ezequiel que o consagrou como profeta aconteceu “no quinto ano de cativeiro do rei Joaquim” (Ez 1.2). Ele afirma que se encontrava junto ao rio Quebar, um canal numa vila da Babilônia, chamada Tel-Abibe (3.15), onde vivia uma comunidade de exilados judeus.[2] O quinto ano do cativeiro de Jeoaquim é perfeitamente compreensivo, com base nos relatos dos livros bíblicos históricos que apontam para 593 a.C., uma vez que Nabucodonosor, rei de Babilônia, capturou Jerusalém nesse ano (2Rs 24.1-5; 2Cr 35.5, 6; Dn 1.1, 2). Segundo o relato em prosa de Jeremias 52, o cativeiro babilônico é a sequência de uma série de três deportações, em 598 a.C., 587 a.C., 582 a.C. (Jr 52.27-29). É uma retrospectiva histórica baseada em 2Reis 24.18–25.30. Combinado com o livro de Ezequiel, o cumprimento da profecia de Jeremias é confirmado.
O contexto do livro parece indicar que Ezequiel não pensava em exercer o ministério profético, embora tivesse qualificação espiritual para o ofício; do contrário, não teria sido escolhido para o cargo. Ele se surpreendeu com o chamado divino e sete vezes foi transportado pelo Espírito Santo (3.12, 14; 8.3; 11.1, 24; 37.1; 43.5). A atuação do Espírito se destaca no ministério do Profeta (11.12, 20, 21; 10.17; 36.26, 27; 37.14; 39.29). Além da evidente demonstração do processo de inspiração das Escrituras Sagradas, vemos o Espírito Santo entrando no Profeta, uma experiência típica do pentecostes (2.2; 3.24; At 10.44).
As influências e preocupações sacerdotais são visíveis no livro. Quando profetiza contra os falsos profetas no capítulo 13, Ezequiel discursa também contra os príncipes e sacerdotes que violavam a lei, profanando as coisas sagradas (22.25-30). Ele tinha familiaridade com o sistema de sacrifício do templo, por isso descreve com abundância de detalhes os sacrifícios e as ofertas quando caracteriza o novo templo e o novo sistema de adoração (42.13; 43.27; 44.29-31; 45.17; 46.20).
Era, ainda, um homem que conhecia o mundo político, militar e social a sua volta, além do mundo religioso, e entendia como ele funcionava. Isso se evidencia pelo conteúdo da segunda parte do livro, quando Ezequiel profetiza contra as nações vizinhas, Amon, Moabe, Edom, Filístia, Tiro, Sidom e Egito, na segunda parte do livro nos capítulos 25–32. O Profeta devia conhecer bem a Babilônia.
[…]
PRIMEIRA PARTE
Os primeiros 24 capítulos são os oráculos entregues ao profeta antes da destruição da cidade de Jerusalém e do templo. Nessa primeira parte, está a visão inaugural do ministério profético de Ezequiel (1.1-3), quando ele recebeu a visão da glória de Deus (1.26-28). Os discursos são predominantemente de ameaças e juízos de forma simbólica, como, por exemplo, a representação do cerco de Jerusalém com modelos de argila e uma panela de ferro (4.1-3) e os quarenta dias (4.4-6). As visões dos capítulos 8–11 revelam as práticas abomináveis, o livramento dos justos e a morte dos profanos. A mensagem traz também uma série de advertências aos falsos profetas, aos reis de Judá e aos sacerdotes (13.2-4). Além disso, o Profeta relata a história de Israel no capítulo 20 e, de forma metafórica bem elaborada com elementos alegóricos, nos capítulos 16 e 23. Os oráculos dessa seção se encerram com o anúncio do cerco de Jerusalém já iniciado, pois foram entregues ao Profeta no “no nono ano, no décimo mês, aos dez dias do mês” (24.1). Foi no nono ano do reinado de Zedequias que os caldeus iniciaram o cerco de Jerusalém (1Rs 25.10). O Profeta ficará mudo até o dia em que recebe a notícia da queda da cidade (24.25-27).
Desta primeira parte, então, os estudos do livro analisam a função de Ezequiel como atalaia (3.16-27); os oráculos sobre o juízo (7.1-13) e contra os falsos profetas (13.1-23); a saída da glória de Deus do templo (8.1–11.25); a justiça divina (14.12-23) e a responsabilidade individual (18.1-4, 19-32).
SEGUNDA PARTE
Das treze datas, ano, mês e dia, em que os oráculos divinos foram entregues ao Profeta, sete estão na segunda parte do livro, conforme mostra a tabela anterior. Essa informação revela que os oráculos não foram entregues ao Profeta na ordem em que está o registro do livro, mas que o critério editorial de organização talvez tenha sido o da data de entrega da mensagem ao povo. Esse não é o único caso nos profetas do Antigo Testamento em que o livro não está na ordem cronológica; Jeremias também o faz. O oráculo entregue ao profeta durante o reinado de Zedequias vem organizado antes dos oráculos divinos entregues a Jeremias no período do reinado de Jeoaquim (Jr 21.1; 26.1), que reinou antes de Zedequias (2Rs 24.8-17; 2Cr 36.5-10).
Essa estrutura literária enfatiza o fato, o que aconteceu, e não necessariamente quando ele ocorreu. Isso não deve surpreender ninguém, pois os editores do livro nem sempre organizavam o texto com base no critério cronológico ou linear dos fatos. Isso não se constitui em problema porque o pensamento semita é circular. É característico da cultura oriental pensar em círculos dando ênfase ao fato ocorrido, e não à data, diferentemente da forma linear adotada no modelo ocidental.
Depois dos pronunciamentos de juízo contra Judá e Israel, os oráculos divinos são direcionados contra às nações vizinhas: Amon, Moabe, Edom, Filístia, Tiro, Sidom e Egito (25–32). Isso revela que Javé não é somente o Deus de Israel, mas também de todas as nações; é soberano em todo o universo (Êx 19.5; Sl 24.1; Ap 4.11). Assim, a ordem dos oráculos contra as nações vizinhas de Israel como aparece hoje no livro de Ezequiel em nossas Bíblias (capítulos 25–32) é obra dos editores originais que organizaram o livro, ou talvez, isso tenha sido feito pelo próprio Ezequiel.
Neste livro, não há estudos dedicados à análise dos oráculos contra as nações.
TERCEIRA PARTE
A terceira e última parte começa no capítulo 33 com a parábola do atalaia, seguida da notícia da queda de Jerusalém: “No décimo segundo ano do nosso exílio, aos cinco dias do décimo mês, veio a mim um sobrevivente de Jerusalém, dizendo: ‘A cidade caiu’” (33.21). Segundo os dados fornecidos nessa passagem, parece indicar 8 de janeiro de 585 a.C.[4] Alguns acreditam que essa seção era um livro separado que posteriormente foi acrescentado às outras duas, formando o livro de Ezequiel. Assim como em Jeremias, capítulos 30 a 33, conhecidos como o Livro das Consolações, há quem acredite que originalmente era um livro à parte, como Lamentações, que os editores inseriram no livro de Jeremias.
Os oráculos reunidos nos capítulos 30–33 são conhecidos como o “Livro da Consolação”. Nele se anunciam profecias sobre a restauração de Israel e de Judá e se contempla o futuro glorioso de uma nação unificada. Até o capítulo 29, predominam as ameaças de castigo, as advertências, as denúncias de apostasia, idolatria, imoralidade, violência, abuso de autoridade, falsos profetas, injustiça social e apelos ao arrependimento. A ênfase dos capítulos anteriores a esta nova seção recai sobre o castigo, embora haja também alguns lampejos de esperança (3:14-18; 23:1-8; 24:4-7). Era o tempo de arrancar e derrubar, destruir e arrasar. No entanto, depois de receber o castigo pelos seus pecados e viver um longo período no exílio, viria o tempo de edificar e de plantar (1:10).[5]
Nessa terceira parte, os discursos são de esperança similar ao Livro da Consolação em Jeremias. A partir dessa notícia da queda de Jerusalém, o ofício profético de Ezequiel é de um pastor entre os exilados, ajudando e confortando os sobreviventes. Os oráculos dos capítulos 33 a 39 tratam do retorno dos judeus de todas as partes do mundo à terra de seus antepassados, incluindo a visão do vale de ossos secos. São profecias sobre a restauração nacional, que se cumprem em Israel na atualidade, e sobre a regeneração espiritual de toda a casa de Israel (36.25-27; 37.14; Zc 12.10).
As profecias dos capítulos 38 e 39 falam sobre a invasão e derrota de Gogue e seu bando à Terra Santa. O livro de Ezequiel termina com a visão do novo templo e da redenção para Israel e toda humanidade como resposta à primeira visão (40–48).
Desta terceira parte, então, os estudos deste livro analisam a mensagem sobre Gogue e Magogue (38.1-6; 39.1-10), os oráculos de esperança da alegoria do bom pastor (34.1-31) e do vale dos ossos secos (37); o retorno da glória de Deus ao novo templo (43.1-12) e, finalmente, o mundo da restauração (47.1-12; 48.30-35).
Ezequiel inaugurou o estilo literário apocalíptico no Antigo Testamento; o profeta começa e termina o seu livro com oráculos divinos apocalípticos (capítulos 1 e 40–48, além de 8–11). Esse gênero caracteriza-se pela presença de símbolos, sonhos e visões, e o livro de Apocalipse é um exemplo clássico desse modelo literário. Para uma linha de interpretação escatológica da teologia cristã, não é possível compreender o livro de Apocalipse sem Ezequiel. A restauração de Israel é um dos sinais que indicam a volta de Cristo para buscar sua igreja. Além disso, a descrição do milênio depende basicamente da visão descrita pelo Profeta.
Dito isto, concluímos dizendo que o livro que o leitor tem em mãos será de grande ajuda para a compreensão de um dos livros mais estranhos da Bíblia, mas repleto de revelações que edificam. É uma leitura que leva os cristãos a uma reflexão sobre como a justiça de Deus se relaciona com a santidade e a glória de Deus. O estilo do texto se caracteriza pela beleza e singularidade das parábolas e metáforas. Entender a mensagem do livro de Ezequiel, então, torna-a atual, edificando e aumentando a esperança do leitor, porque nela estão as promessas de Deus para a restauração de Israel e do mundo.
Esperamos que o leitor seja edificado e tenha a sua fé fortalecida na esperança da vinda de Cristo que se aproxima. Boa leitura!
NOTAS
1 SOARES, Esequias & SOARES, Daniele. 29 Minutos para entender a Bíblia e a essência da Palavra de Deus. Rio de Janeiro: Sextante, 2019, p. 124.
2 O termo hebraico para “Tel-Abibe”, que significa “colina da primavera”, é o mesmo nome da atual cidade de Tel-Aviv em Israel, fundada em 1909 por uma comunidade judaica. Trata-se de coincidência de nome, pois Ezequiel está falando da Tel-Abibe da Babilônia, onde viviam os judeus exilados.
4 GOTTWALD, Norman K. Introdução socioliterária à Bíblia hebraica. São Paulo: Paulus, 2011, p. 452; BLOCK, Daniel. Ezequiel – Capítulos 25 a 48. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, p. 242.
5 SOARES, Esequias. “Jeremias”. In: PADILHA, René (ed. geral); ACOSTA, Milton; VELLOSO, Rosalee. Comentário bíblico latino-americano. São Paulo: Mundo Cristão, 2022, p. 964.
Texto extraído da obra A Justiça Divina, editada pela CPAD.