Lição 1 – Conhecendo o Evangelho de João
1º Trimestre de 2022
Prezado(a) professor(a), para ajudá-lo(a) na sua reflexão, e na preparação do seu plano de aula, leia o subsídio da semana. O conteúdo é de autoria do pastor Silas Queiroz, comentarista do trimestre.
O ministério de Jesus foi registrado por quatro diferentes autores: Mateus, Marcos, Lucas e João. Mateus escreveu aos judeus, apresentando Jesus como Messias e Rei. Marcos escreveu aos romanos. Em seu Evangelho, Jesus é apresentado como o Filho-Servo. Lucas, por sua vez, escreveu aos gregos. Na sua obra, Jesus é o Salvador Divino-Humano. João escreveu para a igreja. O seu texto tem um caráter universal. Nele Jesus é apresentado como o Filho de Deus. Embora não se conheça com precisão as datas das suas obras, considera-se que os três primeiros Evangelhos foram escritos entre os anos de 55 e 63 d.C.; o quarto, entre 80 e 95 d.C. Dois autores (Mateus e João) foram testemunhas oculares, por terem sido discípulos de Jesus.
João, o evangelista, é o filho de Zebedeu e irmão de Tiago (Mc 1.19), dos primeiros discípulos chamados por Jesus (Mt 4.21). Da leitura de Marcos 15.40 e Mateus 27.55,56, entende-se que era filho de Salomé. Foi o discípulo a quem Jesus encarregou de cuidar de sua mãe e que a recebeu na sua casa (Jo 19.26,27). Isso nos leva a refletir sobre a riqueza de informações que compartilhavam e que contribuíram para as narrativas que o evangelista fez dos atos do ministério de Jesus, agora com uma visão especial bem mais ampliada. Assim como os demais discípulos, João contemplou Jesus operando milagres, ensinando e pregando às multidões, mas à época ainda não tinha entendimento e fé perfeita na revelação de sua divindade (Lc 24.36-49).
Natural da Galileia, quando escreveu o seu Evangelho, já na velhice, vivia em Éfeso, na Ásia Menor, onde era pastor. Há evidências internas e externas da sua autoria. As evidências externas são os testemunhos praticamente unânimes entre os Pais da Igreja, como Irineu, Eusébio, Tertuliano e Clemente de Alexandria. As evidências internas são as diversas referências que faz de si mesmo, como “o discípulo amado” ou “o discípulo a quem Jesus amava”, aquele que “testifica dessas coisas e as escreveu” (Jo 13.23; 19.26,27; 20.2-9; 21.20-24). É também autor das Epístolas de 1, 2 e 3 João e de Apocalipse, tornando-se o segundo escritor mais prolífico do Novo Testamento, sendo Paulo o primeiro.
Apesar de ser o último dos quatro Evangelhos a ser escrito, o texto joanino é singular em diversos aspectos.
Um Descortínio Especial
É absolutamente extraordinário ver que João não começa a sua narrativa com o nascimento do Jesus homem, mas com a existência eterna do Filho de Deus. Enquanto Moisés refere-se ao princípio da criação (“No princípio, criou Deus os céus e a terra” – Gn 1.1), João parece descortinar ainda mais o véu da eternidade passada, registrando, de maneira ainda mais clara, a existência de Deus antes da criação, quando diz: “No princípio, era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus” (Jo 1.1). Uma eloquente exposição da preexistência de Cristo.
Jesus falou desse “antes da criação do mundo” na sua oração sacerdotal (Jo 17.24). É o mesmo “antes da fundação do mundo” de que fala Paulo na sua Epístola de maior profundidade teológica, Efésios: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual […] nos elegeu nele antes da fundação do mundo” (Ef 1.3,4). Ou seja, na eternidade passada, em um tempo do qual não temos como perscrutar, o Deus Eterno, na sua presciência, planejou a redenção da humanidade por meio do Filho, que seria encarnado: o Verbo que se fez carne (Jo 1.14; Rm 8.29; 1 Pe 1.2).
O fato de não ter sido possível a João ou a qualquer outro escritor bíblico adentrar à eternidade é justamente mais uma prova da finitude humana diante da grandeza e infinitude de Deus, razão maior para que possamos adorá-lo.
Deus não seria Deus se nós, seres mortais, pudéssemos compreendê-lo e explicá-lo por inteiro, sem qualquer limitação. Isso não significa, contudo, que Ele não se revele o suficiente para ser conhecido e crido, o que faz não somente pelas coisas criadas, mas, para além delas, por meio da Palavra, pelo Espírito, iluminando nossa mente espiritual e fazendo-nos crer na existência de uma eternidade passada, ainda que não plenamente compreensível e explicável. É nesse sentido que temos a clareza da narrativa joanina, que trata da preexistência de Cristo, o Verbo que se encarnou, como a mais plena revelação de Deus, uma revelação pessoal.
O Verbo Coexistente com o Pai
João apresenta a coexistência do Verbo com o Pai ao afirmar: “[…] e o Verbo estava com Deus”, reforçando as revelações já feitas de Jesus como participante de tudo, inclusive da criação, junto com o Pai. Isso também demonstra que o Filho não foi criado, mas que era detentor da mesma eternidade que o Pai, estando sempre com Ele. Ainda no primeiro versículo, o apóstolo afirma a Deidade de Cristo ao dizer: “o Verbo era Deus”, ou seja, tem a mesma substância ou essência do Pai (no grego, homooúsios to patrí) — e também do Deus Espírito Santo, que aparece logo adiante na narrativa joanina (Jo 1.32-34).
Essa magistral e profunda declaração é refirmada e detalhada nos versículos seguintes: “Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez” (1.2,3). João não está apenas dizendo que Cristo estava com o Pai, como um assistente, mas como Deus Criador, em plena agência. A expressão também releva unidade e coexistência com o Pai, ao dizer que “sem ele nada do que foi feito se fez”.
No versículo 10 do mesmo capítulo, João afirma: “o mundo foi feito por ele”. Não são apenas palavras, mas também declarações oriundas de uma precisa revelação da Divindade de Cristo e a sua natureza, ou seja, do caráter divino específico, pleno e perfeito, sem qualquer confusão com as narrativas feitas por outras literaturas sobre qualquer outro deus, fruto do imaginário humano.
Vida e Luz dos Homens
No versículo 4, João fala em vida e luz, expressões que serão muito utilizadas por ele no seu Evangelho, fazendo referência ao Messias. Mais uma vez destacando a profundidade da revelação espiritual por ele recebida, vemos o evangelista apresentando a Cristo não apenas como uma luz manifesta aos homens nos tempos do Novo Testamento, mas também presente e disponível aos homens desde o início da história humana, daí ele ter dito que: “Nele, estava a vida e a vida era a luz dos homens” (1.4). Embora não manifestado para a sua missão salvadora, que somente teria lugar na plenitude dos tempos (Gl 4.4), Cristo, como o Deus Filho, jamais esteve fora de cena, tanto antes quanto depois da criação, atuando com o Pai e oferecendo luz aos homens (Hb 1.1-4; 11.1-40).
São muitas as passagens veterotestamentárias confirmadas no Novo Testamento como referências a Cristo. Compare: Isaías 40.3,4 e Lucas 1.68,69,76; Êxodo 3.14 e João 8.56-58; Jeremias 17.10 e Apocalipse 2.23; Isaías 60.19 e Lucas 2.32; Isaías 6.10 e João 12.37-41; Isaías 8.13,14 e 1 Pedro 2.7,8; Números 21.6,7 e 1 Coríntios 10.9; Salmo 23.1 e João 10.11 e 1 Pedro 5.4..
Agora, no Novo Testamento, a encarnação de Cristo foi um resplandecer da Luz nas trevas, ou seja, no ambiente altamente contaminado pelo homem por intermédio das suas práticas pecaminosas. Tão densas eram as trevas que elas — aqui personificando os próprios homens — não a compreenderam. O nível de entorpecimento da mente humana foi , e não apenas parcial, como defendia o teólogo católico Tomás de Aquino (1225-1274).
A Queda atingiu o homem na totalidade do seu ser e agora somente um processo redentivo perfeito poderia libertá-lo desse estado degradante (Rm 3.23).
Para esse processo, foi traçado um plano eterno, que agora João registra como o resplandecer da Luz, cujo testemunho foi dado por outro João, o Batista: “Houve um homem enviado de Deus, cujo nome era João. Este veio para testemunho para que testificasse da luz, para que todos cressem
João e a sua Riqueza Doutrinária
A riqueza doutrinária do Evangelho de João é surpreendente. Apenas nos primeiros 34 versículos do primeiro capítulo do livro, é possível encontrar revelações claras e profundas das principais doutrinas da Bíblia. Além da Cristologia, o texto é fonte para a doutrina da Trindade, a Soteriologia e a Pneumatologia (1.29-34).
A doutrina de Deus, que compreende as três pessoas da Trindade, levaria cerca de três séculos para ser bem entendida e formulada,23 mas em João já estava, de maneira inequívoca, o registro revelacional das pessoas do Deus Pai, do Deus Filho e do Deus Espírito Santo, com indicação, inclusive, do papel primordial de cada uma delas. João não apenas se refere ao Ser Divino, mas implicitamente apresenta desde logo os seus principais atributos, como a eternidade, a onipotência, a onipresença e a onisciência (1.1-4).
O discípulo amado também sintetizou, em um versículo apenas, a livre e permanente agência de Cristo desde o Éden e por todo o Antigo Testamento até a sua encarnação, quando diz: “Nele, estava a vida e a vida era a luz dos homens” (Jo 1.4).
Conclusão
Por tudo isso, João é esse Evangelho espiritual, fonte riquíssima de doutrina, que serviu para solidificar a fé dos crentes da comunidade joanina, expurgar as heresias do seu tempo e dos séculos seguintes, além de continuar ecoando como uma magistral obra para a edificação da igreja, além do emprego apologético e o extraordinário valor evangelístico.
Que Deus abençoe a sua aula e os seus alunos!
Para conhecer mais a respeito dos temas das lições, adquira o livro do trimestre: QUEIROZ, Silas. Jesus, o Filho de Deus: Os Sinais e Ensinos de Jesus Cristo no Evangelho de João. Rio de Janeiro: CPAD, 2021.