Lição 6 – Coragem para enfrentar a fornalha ardente
Prezado(a) professor(a), para ajudá-lo(a) na sua reflexão, e na preparação do seu plano de aula, leia o subsídio da semana. O conteúdo é de autoria do pastor Valmir Nascimento, comentarista do trimestre.
INTRODUÇÃO
Chegamos ao terceiro capítulo de Daniel. Essa passagem descreve o momento em que o rei Nabucodonosor decretou que todos se curvassem diante de uma imponente estátua que ele havia erguido, com a pena de serem queimados vivos na fornalha em caso de desobediência.
Sem a menção de Daniel no ocorrido, veremos que os três jovens hebreus — Ananias, Misael e Azarias — possuíam a mesma tenacidade e fidelidade do seu líder. Em toda a sua profundidade, a narrativa fornece-nos um importante ponto de contato com as tentativas contemporâneas de imposição totalitária tanto religiosas quanto seculares. Também nos leva a perceber os perigos das formas mais sutis de idolatria, que procuram, de maneiras diversas, retirar a primazia de Deus em nossa vida.
I. O REI TOTALITÁRIO MANDA CONSTRUIR UMA ESTÁTUA DE OURO
Ao longo da história, muitos homens tentaram assumir a posição de deuses em busca de glória e reverência. Envenenado pelo poder, Nabucodonosor também fez isso. O monarca mandou construir no campo de Dura1 uma estátua colossal de ouro com mais de 27 metros de altura.
Alguns expositores sugerem que esse intento soberbo teria nascido no coração do rei após ouvir que ele era a cabeça de ouro. O sonho teria marcado-o profundamente, de tal forma que a estátua seria a sua própria representação. A construção suntuosa seria, eventualmente, o resultado da crescente vaidade desse déspota oriental, cuja mente pagã falhou em sondar o verdadeiro significado2 das percepções espirituais que Deus havia revelado a Daniel.
Em adição a esse argumento, não era incomum na Antiguidade a construção de imagens para honrar os governantes. Enquanto a participação nessas cerimônias era uma prova de reconhecimento da soberania da divindade e do rei, a ausência nesses rituais revelava insubordinação. Desse modo, os três amigos não teriam sido obrigados a adorar uma divindade, mas a participar de uma cerimônia que honrava e adorava ao rei de forma semelhante aos deuses.3 Embora os reis pagãos evitassem igualar-se às suas divindades, a exigência de lealdade absoluta e veneração implicava a mesma coisa.
Outros comentadores bíblicos4 sustentam que Nabucodonosor teria edificado a estátua em homenagem a um dos seus deuses. Na Mesopotâmia, a prática de culto e adoração a divindades por meio de estátuas era comum. Muitos sugerem que a estátua fosse uma imagem do deus Merodaque, o padroeiro da cidade de Babilônia; ou do deus Nebo, do qual derivava o nome do rei.5
O decreto de Nabucodonosor para que todos se curvassem diante daquela estátua pode ser interpretado como uma estratégia para consolidar o poder político, vinculando-o à autoridade divina. Os estrangeiros que foram levados cativos, tão devotos às suas próprias religiões e divindades, deveriam saber quem eram os deuses da Babilônia.
A Bíblia, contudo, não menciona de quem era a representação da imagem, se dele mesmo ou se de alguma das suas divindades. Seja como for, vemos aqui um ato extremo de autoexaltação e demonstração de poder. Muitas vezes a religião é somente um pretexto para que líderes tiranos escondam o desejo de ser notado pelo mundo, usando-a para fins egoístas.
Em busca de adoração
Qualquer que seja a representação da imagem, e qualquer que tenha sido a motivação de Nabucodonosor, todas as pessoas, grandes e pequenas, estavam obrigadas a comparecer à cerimônia de consagração da imagem levantada (3.2). Era costume consagrar as suas estátuas antes de adorarem-nas.
Mais que um simples convite, era uma ordem! O rei queria impor a sua religião a todos. Além da presença, todos deveriam prostrar-se em adoração diante da suntuosa imagem assim que os instrumentos fossem tocados. A estátua era mais que um objeto arquitetônico; era um ídolo que deveria ser reverenciado por todos os súditos, tanto que a palavra “adorar” (aram. seghidh) é mencionada diversas vezes (v. 5,6,7,10,11,12,14,15,18,28).
A punição para o descumprimento seria a morte dentro da fornalha. A cremação era uma forma de punição dos babilônios desde o Código de Hamurabi. Na época de Nabucodonosor, é mencionada também pelo profeta Jeremias (29.22).
A solenidade é extravagante e pomposa, e até mesmo uma orquestra é preparada. Assim que os instrumentos musicais fossem tocados, todos, inclusive as autoridades, deveriam prostrar-se e adorar. A palavra “prostrar” deixa claro que se tratava de uma veneração de caráter intenso e religioso. Os súditos deveriam curvar-se, inclinar-se ou se ajoelhar como sinal de adoração e reverência.
O verso 7 revela que, assim que o povo ouviu o som dos instrumentos, todos se prostraram e adoraram a estátua. Obviamente, como veremos, o escritor estava se referindo à massa de pessoas que, por convicção ou por medo da punição, deram cumprimento ao decreto do rei. Como é natural, três jovens fiéis não fazem parte de “todos”. Curvar-se ao ídolo não era problema para a grande maioria das pessoas no Império Babilônio, embora procedessem de nações conquistadas. Contudo, havia remanescentes que não estavam dispostos a cumprir o decreto real.
II. A CORAGEM DOS AMIGOS DE DANIEL
Diante do decreto, alguns caldeus (3.8) dirigem-se ao rei e denunciam o trio de jovens hebreus, dizendo:
Há uns homens judeus, que tu constituíste sobre os negócios da província de Babilônia: Sadraque, Mesaque e Abede-Nego; esses homens, ó rei, não fizeram caso de ti; a teus deuses não servem, nem a estátua de ouro, que levantaste, adoraram. (3.12)
Em primeiro lugar, as palavras dos acusadores revelam que eram invejosos ao mencionarem a posição privilegiada que os jovens judeus conquistaram em tão pouco tempo. Em segundo lugar, eram bajuladores ao apelarem para o ego do rei (“não fizeram caso de ti”). Em terceiro lugar, eram ingratos, porquanto se esquecerem de que eles tiveram a vida poupada pela intervenção de Daniel e desses jovens que agora denunciam (2.24).
É curioso notar que Daniel não é mencionado nesse episódio. Não está escrito onde ele estava e nem o que fazia na ocasião. Certamente, por causa do seu caráter e testemunho ao longo da vida, Daniel não teria adorado a estátua do rei. Embora não tenhamos informações sobre o “sumiço” do líder, podemos extrair algumas preciosas lições do seu desaparecimento.
O fato de ele não estar diretamente envolvido nesse relato, apesar de ser o personagem humano principal no livro, indica que a coragem e a fé não eram exclusivas dele. Mostra que a fé e a fidelidade ao Senhor eram qualidades compartilhadas igualmente pelos outros jovens judeus. Além disso, o fato de Daniel, autor do livro, ter registrado o episódio sem a sua presença demonstra a sua humildade ao não se colocar como a única testemunha fiel na Babilônia, mas, sim, como alguém que deseja transmitir as lições e os exemplos de fé dos seus companheiros.
A fidelidade, afinal, não é exclusiva de alguém. Da mesma forma, não existem heróis solitários na vida cristã e sempre há alguém com quem podemos contar. A Igreja é um corpo formado por muitos membros (Rm 12.4,5).
A bravura dos jovens diante da perseguição
Tomado de fúria, o rei manda chamar os três rapazes e dá a eles o ultimato: se adorassem a estátua, estariam livres; do contrário, seriam lançados imediatamente na fornalha. Na sua prepotência, ainda diz: “[…] e quem é o Deus que vos poderá livrar das minhas mãos?” (v. 15).
Mostrando profunda convicção e força de caráter, que se manifesta em crentes sinceros que não se acovardam (2 Tm 1.7), os três rapazes rejeitam até mesmo se defender. Eles não precisam justificar-se diante da injustiça; é Deus quem os justifica (Rm 8.33). Com bravura, afirmam que, se forem lançados na fornalha, Deus irá livrá-los. E, mesmo se isso não ocorresse, em hipótese alguma iriam cultuar a imagem (v. 18). Não negociaram os seus valores e não negaram a fé.
Mesmo que as pessoas mais influentes tivessem cedido e ainda que a multidão tenha-se curvado à estátua, eles não o fariam. Tal resposta mostra que esses jovens eram novos em idade, porém maduros na fé. Sabiam que eventualmente, dependendo da vontade de Deus, estariam preparados para a morte.
A forma de agir da Hananias, Mizael e Azarias é um exemplo de firmeza diante dos ataques do mundo contra a fé. Em todas as épocas, os servos do Senhor têm sido constrangidos, perseguidos, presos e muitas vezes mortos por causa da fé que professam. Isso ocorreu no Antigo Testamento com os judeus e seguiu-se no Novo Testamento com a Igreja de Cristo. Atos 4 marca o início da perseguição aos cristãos logo após a descida do Espírito Santo, com a prisão de Pedro e João. Era o início da Igreja Perseguida.
A perseguição ocorre quando cristãos e as suas comunidades experimentam pressão e/ou violência por razões relacionadas à fé em Jesus. Ela manifesta-se tanto pela hostilidade social e cultural quanto por restrições legais impostas pelos governos e os seus agentes. De acordo com a Missão Portas Abertas, a perseguição religiosa “é consequência de uma ‘dinâmica de poder’ social que normalmente representa uma visão de mundo que tem uma reivindicação de superioridade sobre outras visões de mundo”, não aceitando a convivência pacífica.7
A perseguição geralmente decorre de religiões, ideologias e/ou mentalidades corrompidas, que agem com o impulso de dominação e opressão. Ainda segundo a Missão Portas Abertas, dentre as principais formas de perseguição religiosa, estão o nacionalismo religioso, a hostilidade etnorreligiosa, o protecionismo denominacional, a opressão comunista e pós-comunista, a intolerância secular e a paranoia ditatorial. No episódio de Daniel 3, a situação enquadra-se numa paranoia ditatorial, em que o governante procura impor as suas ideias valendo-se de pressão e ameaça de violência.
Em nossos dias, principalmente no Ocidente, a intolerância secular é a principal forma de perseguição à Igreja. Essa forma de conduta procura transformar a sociedade na forma de uma nova ética radicalmente secularista.
Embora a liberdade religiosa seja um direito consagrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem, os cristãos são hostilizados e pressionados por causa da fé em Cristo em várias partes do mundo. Tendo como exemplo os jovens hebreus e o sangue dos mártires que morreram por amor a Cristo, somos encorajados a resistir às investidas do mundo. Aqueles moços sabiam que, acima do decreto de Nabucodonosor, havia uma lei suprema, que não poderia ser contrariada. Trata-se de uma lei natural, transcendente, escrita no coração, acima de qualquer lei criada pelo governo humano.
O Deus que salva na fornalha
Diante do protesto dos rapazes, Nabucodonosor perdeu a paciência e mandou aquecer a fornalha sete vezes mais, determinando que Hananias, Mizael e Azarias fossem amarrados e jogados dentro da fornalha (3.19). O fogo era tão quente que matou aqueles que os conduziam (v. 22).
Quanto aos rapazes, porém, o fogo não teve poder sobre eles; aliás, Deus transformou o instrumento de morte em instrumento de livramento.9 O fogo queimou as cordas que os prendiam, mas não queimou os seus corpos; assim, eles ficaram vivos e livres. Um verdadeiro
O rei percebeu que os moços não estavam sozinhos. “Por acaso não foram jogadas três pessoas na fornalha, então por que estou vendo quatro?”, indaga Nabucodonosor.
O rei observou que, além de vivos e livres, eles passeavam dentro do fogo sem sofrer nenhum dano (v. 25). Deus não apenas livra da morte quem é fiel, mas permite “passear pelo fogo”, dando testemunho do poder de Deus e do seu grande livramento. O Senhor permite que passemos por vales e provações, mas sempre está conosco (Is 43.2; Mt 28.20).
Nas palavras de Nabucodonosor, o aspecto da quarta pessoa dentro da fornalha era semelhante ao “filho dos deuses”, ou semelhante aos deuses. O rei está simplesmente expressando com as suas palavras que viu um ser sobrenatural entre as chamas. A passagem bíblica não nos revela a identidade desse personagem. Alguns entendem tratar-se de Jesus10 pré-encarnado, sendo uma teofania do próprio Deus, ou até mesmo um anjo11 (cf. v. 28). Seja como for, Deus estava com os jovens dentro da fornalha.
Ao final, todos constatam o grande livramento: os cabelos dos jovens hebreus não foram chamuscados, as roupas não sofreram mudança, e nem cheiro de fumaça eles possuíam (3.27). Deus cuidou dos mínimos detalhes (Mt 10.30). Como resultado da fidelidade e bom testemunho dos jovens, o rei, agora, em vez de exigir adoração, louva a Deus (v. 28). Também os fez prosperar (v. 30). Quando o crente é fiel, o Senhor é exaltado. Quando o crente honra a Deus, Ele também o honra (v. 26).
Que Deus abençoe a sua aula e os seus alunos!
Para conhecer mais a respeito dos temas das lições, adquira o livro do trimestre: NASCIMENTO, Valmir. Na Cova dos Leões: O Exemplo de Fé e Coragem de Daniel para o Testemunho Cristão em Nossos Dias. Rio de Janeiro: CPAD, 2024.