Lição 4 – Uma firme decisão de não se contaminar
Prezado(a) professor(a), para ajudá-lo(a) na sua reflexão, e na preparação do seu plano de aula, leia o subsídio da semana. O conteúdo é de autoria do pastor Valmir Nascimento, comentarista do trimestre.
INTRODUÇÃO
Um dos aspectos mais notáveis no livro de Daniel é que a sua ênfase inicial não recai nas profecias, mas, sim, nas experiências e demonstração de força de caráter dos jovens hebreus. Desde a chegada à Babilônia, eles expressaram profunda convicção em Deus, bem como força de vontade para resistir à contaminação naquele lugar. Isso envolvia os aspectos culturais, religiosos e as práticas comuns no ambiente da corte real.
Era preciso, contudo, ter sabedoria para contrariar os costumes dos babilônios; afinal de contas, a resistência tola não produz virtudes. Eles precisavam analisar prudentemente as implicações dos princípios envolvidos nas suas ações e começar do mesmo modo que pretendiam continuar.1 Essa é a razão pela qual Daniel recusou-se a partilhar das finas iguarias do rei. Tal caráter foi um exemplo para os seus amigos e serve como inspiração diante da triste constatação no atual cenário religioso, em que muitos cristãos se mostram apáticos e indiferentes para expor publicamente as suas crenças. A integridade moral de Daniel e dos seus amigos têm muito a ensinar-nos.
I. O BANQUETE DO REI
Durante o período de treinamento para o serviço da corte, os jovens cativos estariam submetidos a uma dieta diária específica (Dn 1.5). Eles deveriam alimentar-se da mesma refeição que era servida ao rei.
Mais que isso, em vez de serem tratados como escravos, alimentando-se de uma refeição simplória, eles poderiam partilhar do banquete de Nabucodonosor.
Isso seria uma grande oportunidade para o senso natural. O simples fato de não precisarem fazer a própria comida já seria uma boa notícia, não é mesmo? Além disso, eles teriam o privilégio de desfrutar da gastronomia refinada do palácio e dos melhores pratos produzidos pelos prestigiados chefs de cozinha da Babilônia.
Isso poderia parecer para alguns a chance perfeita de adquirir status; aliás, a julgar por muitas publicações nas redes sociais de hoje, as fotos de alguns pratos em restaurantes famosos e de comidas caras é um tipo de ostentação de boa vida e suposto sucesso. Daniel, porém, era um jovem espiritual, e o seu coração não estava na satisfação momentânea. Ele não estava interessado em saborear as refinadas refeições palacianas somente para agradar ao rei.
Não valeria a pena para Daniel comer alimentos elaborados e beber o vinho mais fino enquanto perdia a própria alma. Ele não queria ostentar uma posição que, no fim das contas, poderia arruinar o seu testemunho ao longo da vida. Ele sabia que a forma de tratar a questão da refeição seria crucial para definir toda a sua jornada na Babilônia. O que estava em jogo não era a comida, mas algo muito maior.
Uma decisão firme
O texto bíblico ressalta que Daniel propôs no coração não se contaminar com as finas iguarias do rei, nem com o vinho que ele bebia, pedindo que fossem dispensados (Dn 1.8). Eles só comeriam legumes!
Não sabemos ao certo o que era servido na mesa do rei, mas podemos supor que os pratos da culinária real incluíam uma variedade de iguarias e pratos bem elaborados. Cordeiro assado, peixes preparados de diversas maneiras, pães e pratos doces feitos com tâmaras, figos e mel, por exemplo, eram comuns.
Os jovens hebreus estavam abdicando de todo esse menu. Fazendo um paralelo com os pratos de hoje, Daniel e os seus amigos rejeitaram um suculento filé mignon para comer apenas salada. Trocaram cortes nobres com direito à sobremesa, por uma mistura de verduras e frutas frescas. É preciso ser muito crente para fazer uma escolha dessas!
Enquanto muitos tomam decisões baseadas no estômago ou considerando somente os desejos advindos do instinto de alimentação, aqueles jovens decidiram com base no coração. Para o hebreu, o coração é a sede da vontade, onde se tomam as decisões da vida (Pv 4.23). Foi uma decisão convicta e com firmeza. Antes de dizerem “não” ao rei, os quatro rapazes disseram “sim” ao Senhor Deus. Antes de expressarem-se em palavras o que queriam, eles estavam preparados para absterem-se da contaminação. Foi a manifestação de uma fé firme e sincera (1 Pe 3.16; 5.9; 2 Tm 1.5).
A recusa em participar dos manjares foi um ato de bravura prudente. A vida deles estava em perigo, mas, mesmo assim, manifestaram o protesto. Uma fé verdadeira não compactua com a covardia (2 Tm 1.7). Infelizmente, o medo da rejeição social tem levado muitos ao fracasso espiritual, negando a fé e os valores cristãos.
Uma decisão pequena, porém poderosa
Para alguns, aceitar uma simples refeição ou um pequeno convite não faz qualquer diferença. Eles poderiam pensar em ter feito somente essa concessão, acreditando — como muitos — que não haveria maiores repercussões na vida: “Não tem problema fazer só isso. É só esta vez”. Alguém pode ser soprado nos ouvidos deles que eles estavam sendo exagerados com a decisão: “Pra que tudo isso? Vocês estão sendo radicais”.
Eles sabiam, contudo, que pequenas decisões provocam grandes consequências (Gl 6.7) e tinham consciência de que ceder um pouco seria abrir a porta para o pecado entrar. Eles não queriam transigir com o erro, e por isso o segredo do êxito nas suas vidas começa nessa postura, aparentemente singela, porém poderosa.
Chamo sua atenção para esse ponto. A vitória desses quatro jovens sobre as provações começa exatamente aqui. Eles somente venceram a fornalha ardente, resistiram às perseguições e à cova dos leões porque negaram as iguarias do rei. Muitos querem vencer grandes batalhas, mas esquecem-se de enfrentar as pequenas lutas diárias. Devemos sempre nos lembrar das palavras de Jesus: “Quem é fiel no pouco também é fiel no muito; e quem é injusto no pouco também é injusto no muito” (Lc 16.10, NAA).
II. O FIRME PROPÓSITO DE NÃO SE CONTAMINAR
Por que Daniel e os seus amigos rejeitaram comer as finas iguarias do rei? Essa é a pergunta mais importante nesse episódio.
Certamente, o próprio texto indica a razão: eles não queriam contaminar-se (1.8). O sentido original da palavra “contaminar” indica algo impuro ou manchado. Eles queriam manter-se puros, mas puros em relação a quê especificamente? Essa é a pergunta que vem logo na sequência. Existem várias explicações para o cuidado dos jovens.
A primeira possibilidade é que eles não pretendiam violar as leis alimentares estabelecidas aos israelitas (Lv 11; 17.11). Na Babilônia, não havia distinção entre animais limpos e imundos, tal qual estabelecido na Lei levítica. Eventualmente, os jovens não queriam correr o risco de quebrarem essa parte da lei.
Em segundo lugar, os alimentos também poderiam ter sido sacrificados aos ídolos, ou, de algum modo, faziam parte de rituais do paganismo babilônico, e isso também contrariava a Lei Mosaica (Dt 6.13-15). Considerando que toda a cultura babilônica estava impregnada de idolatria, a oferenda das refeições e bebidas aos falsos deuses era comum, como se percebe no banquete de Belsazar no capítulo 5.
Sendo assim, “não é desarrazoado pensar que Daniel, mesmo em seus primeiros dias como estudante, viu o perigo de comprometer sua lealdade a Deus”.2 Os jovens crentes protestavam contra a visão de mundo e as práticas idólatras dos babilônios.
Cuidado com as lealdades e com as companhias
Além das razões anteriores, o motivo mais aceito entre os estudiosos para motivar a recusa dos jovens, liderados por Daniel, seria o cuidado para não partilhar habitualmente a mesa com o rei, manifestando, assim, dependência a ele.
Na Antiguidade, participar da mesma refeição era um ato que demonstrava comunhão, algo que Daniel não estava disposto a fazer. Pelos padrões orientais, compartilhar de uma refeição era comprometer-se a uma amizade, com um significado pactual. Aqueles que estivessem dispostos a aceitar a proposta estariam dando sinais de lealdade ao rei.3
Para os jovens hebreus, o problema não seria a comida em si, mas todo o programa de assimilação da cultura babilônica, o que incluía os favores do rei. Como eles tinham poucos recursos para resistir às influências culturais, agarraram-se às poucas áreas que podiam resistir, como forma de preservar a identidade.5
O maior perigo que um cristão corre no mundo é, de fato, ser seduzido pelas ofertas apetitosas que atiçam os desejos da carne. Enquanto muitos poderiam ver na oferta do rei um sinal de “bênção”, pela oportunidade de posição e destaque, Daniel e os seus amigos viram como um sinal de armadilha. Eles não estavam dispostos a vender a sua lealdade em troca de uma boa gastronomia. A fidelidade deles era inteiramente a Deus, o Senhor.
Uma coisa é o crente relacionar-se socialmente com descrentes e pessoas que não possuem as mesmas convicções que as suas; outra coisa é manter comunhão. O salmista escreveu: “Bem-aventurado é aquele que não anda no conselho dos ímpios, não se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores” (Sl 1.1, NAA). O apóstolo Paulo igualmente adverte sobre o cuidado que devemos ter com quem nos associamos (1 Co 5.9-11). Isso nos leva a refletir sobre as pessoas com quem convivemos. São pessoas que nos inspiram para o bem e querem o melhor para nossa vida, ou são pessoas tóxicas cuja proximidade poderá destruir-nos? É preciso ser firme para evitar contaminações até mesmo nos relacionamentos. A Bíblia diz que “as más companhias corrompem os bons costumes” (1 Co 15.33, NAA).
Gentileza e favor divino
Mesmo se opondo à proposta babilônica, Daniel não foi mal-educado na sua recusa. O texto diz que ele “pediu ao chefe dos eunucos que lhe permitisse não se contaminar” (1.8, NAA). Ao formular o pedido a Aspenaz, Daniel foi firme e gentil ao mesmo tempo. Foi uma atitude de sabedoria e educação.
Com esse exemplo, aprendemos que, ao defendermos nossa fé diante dos outros, devemos ser mansos e educados (1 Pe 3.15). Coragem sem prudência é tolice. Mesmo quando discordamos dos descrentes, é preciso usar a cortesia e a gentileza. Não é preciso rispidez para defender nossas crenças e convicções diante do mundo. Às vezes, precisamos ser enérgicos, mas nunca devemos perder a cordialidade.
Outro aspecto importante a ser observado nesse episódio é que Deus concedeu a Daniel misericórdia (Dn 1.9). A Bíblia está mais uma vez mostrando que tudo o que alcançamos na vida deve-se ao favor divino, à sua imensa graça. Apesar de todo empenho e dedicação de Daniel, todo o mérito estava no Senhor.
Que Deus abençoe a sua aula e os seus alunos!
Para conhecer mais a respeito dos temas das lições, adquira o livro do trimestre: NASCIMENTO, Valmir. Na Cova dos Leões: O Exemplo de Fé e Coragem de Daniel para o Testemunho Cristão em Nossos Dias. Rio de Janeiro: CPAD, 2024.