Lição 3 – Conservando os valores e guardando a identidade
Prezado(a) professor(a), para ajudá-lo(a) na sua reflexão, e na preparação do seu plano de aula, leia o subsídio da semana. O conteúdo é de autoria do pastor Valmir Nascimento, comentarista do trimestre.
INTRODUÇÃO
Desde o início do exílio na Babilônia, os jovens hebreus depararam-se com a ameaça de perder as suas identidades à medida que poderiam gradualmente assimilar os valores da nova terra.
No início do livro, podemos perceber duas estratégias empregadas pelos babilônios para minar a identidade piedosa dos jovens hebreus: a imersão na cultura e língua caldeia, bem como a mudança dos seus nomes.
Seguindo a narrativa bíblica e a conduta de Daniel e os seus amigos, extraímos valiosas lições sobre conservar nossa identidade espiritual e nossos princípios, especialmente diante da doutrinação ideológica presente atualmente na educação secular.
I. HEBREUS NA “UNIVERSIDADE” DA BABILÔNIA
O rei ordenou a Aspenaz, oficial da corte, que os jovens recém-chegados fossem instruídos sobre a cultura e a língua dos caldeus ao longo de três anos (Dn 1.4,5). Esse método fazia parte da estratégia de Nabucodonosor de incorporar os povos conquistados ao seu serviço real.
Concluído o “curso de imersão”, eles também teriam emprego garantido se aprovados no teste final. Isso parecia uma grande oportunidade para Daniel e os seus amigos crescerem acadêmica e profissionalmente no novo mundo. Após terem sido selecionados pelo “vestibular” babilônico, demonstrando conhecimento suficiente, os quatro jovens estavam sendo matriculados na “Universidade da Babilônia”, onde seriam treinados na nova cultura e nos seus costumes.
Segundo os padrões da época, o programa de estudos era abrangente, envolvendo todas as letras e sabedoria (v. 17). Eles teriam aulas de matemática, ciência, astronomia, navegação, política, história, geografia e, claro, religião.
Os caldeus possuíam um padrão de ensino desenvolvido. Foram pioneiros nos estudos da astronomia e responsáveis pelo avanço da matemática. Eles também dominavam a escrita cuneiforme, usada para registrar leis, negócios e eventos históricos. Por outro lado, o ensino caldeu era impregnado de astrologia e misticismo, formando os seus magos, encantadores e feiticeiros (Dn 2.2). Conforme a comentarista bíblica Joyce G. Baldwin (1921–1995), o estudo da literatura caldeia também constituía em agouros, encantamentos mágicos, orações e hinos, mitos e lendas, fórmulas científicas de práticas, tais como fabricação de vidro, matemática e astrologia.
Isso mostra que, ao serem introduzidos na educação daquele povo, os jovens hebreus estavam adentrando num mundo totalmente diferente. Eles corriam o risco de aculturação, isto é, a perda da cultura e das crenças hebraicas, por meio da assimilação e acomodação à cultura dos caldeus. Isso fazia parte do plano de Nabucodonosor.
Os jovens, porém, traziam na mente e no coração os ensinamentos que receberam em Jerusalém. Eles não recusaram o plano de estudos, pois estavam preparados em termos espirituais, morais e no conhecimento das Escrituras para rejeitarem a doutrinação babilônica. O estudo secular em qualquer nível não é algo que seja temido para quem serve ao Senhor e conhece a sua Palavra!
Conhecer a cultura secular é diferente de aceitá-la; aliás, para podermos refutar os seus fundamentos, é preciso compreender os seus pressupostos. Em nossos dias, saber articular o evangelho de forma inteligente, coerente e relevante no mercado das ideias, mantendo-se ao mesmo tempo fiel às Escrituras, é uma questão crucial aos cristãos, especialmente em nosso contexto cultural, que oferece um cardápio bastante variado de experiências religiosas.
A pluralidade de cosmovisões resultantes do sincretismo nas esferas religiosa e ideológica exige uma mente cristã fundamentada em uma visão cristã do universo, da cultura, do sistema sociopolítico e religioso em que vivemos. É isso o que Nancy Pearcey3 quer dizer quando afirma que os cristãos têm de ser bilíngues para traduzir o evangelho numa língua que nossa cultura entenda. Como imigrantes, precisamos falar na linguagem da fé e do que professamos. Como missionários, porém, devemos traduzir essa língua para a língua da cultura em que vivemos.
Discernimento diante da estratégia inimiga
Nabucodonosor era um conquistador violento, mas não era um bárbaro em termos de conhecimento. Ele era consciente da importância da formação cultural como estratégia velada de reeducação e ressignificação das ideias na mente dos exilados, especialmente dos jovens; afinal de contas, o inimigo é astuto e procura trabalhar na mentalidade das pessoas desde tenra idade sem usar métodos violentos, mas pedagógicos.
Esse mesmo modo de operação repete-se hoje, quando os inimigos de Deus tentam deturpar os valores das crianças, adolescentes e jovens. Assim como Daniel e os seus amigos, é preciso ter uma mente protegida pela Palavra do Senhor e um coração sábio (Sl 119.11,12) para aprender o que for útil, mas rejeitar todo conhecimento humano que perverte a verdade de Deus.
É possível aprender algo com a cultura geral, fora da esfera religiosa? Certamente! «Toda verdade é a verdade de Deus», diziam os Pais da Igreja. Agostinho de Hipona usava como metáfora o evento bíblico da fuga dos israelitas do cativeiro no Egito para ensinar como fazer isso com discernimento. Na fuga, os judeus levaram consigo o ouro e a prata egípcia para que pudessem dar uma destinação mais nobre e adequada a esses metais preciosos, em vez de o seu emprego na fabricação de ídolos, conforme adotado na cultura pagã. Semelhantemente, Agostinho concluiu que os cristãos poderiam fazer o uso — correto e legítimo — da filosofia e da cultura do mundo antigo para servir à causa da fé cristã, visando ao avanço do evangelho.
De acordo com Agostinho, entre os não crentes, encontram-se algumas verdades relativas à adoração do Deus único. Elas são, por assim dizer, o ouro e a prata que possuem, que eles mesmos não produziram, mas retiraram das minas da providência divina que se encontram espalhadas por todo o mundo, mas que são, contudo, corrompidas de forma imprópria e ilícita. O cristão, portanto, é capaz de separar essas verdades das suas infelizes associações, separando-as e utilizando essas verdades de maneira adequada à proclamação do evangelho.
II. DA RELATIVIZAÇÃO DE VALORES À DESCONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES
A relativização da verdade
Caso assimilassem o padrão moral da religião dos caldeus, os jovens hebreus estariam aceitando a relativização da verdade; afinal, o relativismo pode propagar-se tanto pela imposição de uma agenda ideológica quanto pela destruição sutil dos referenciais éticos na cultura.
Atualmente, a primeira forma ocorre quando se procura legalizar concepções politicamente corretas, pela proibição de discursos, limitação do acesso à informação e outros mecanismos que restringem a liberdade de crença e de expressão.
Por essa razão, cristãos enfrentam resistência na pregação do evangelho em muitos lugares do mundo. Em diversos países, a defesa de convicções e valores morais que decorrem diretamente da fé é considerada crime, sob o título de “discurso de ódio” e “racismo”. Trata-se da ditadura do relativismo!
O relativismo, por mais antagônico que seja, não tolera a defesa de qualquer absoluto, nem mesmo na esfera da religião. Na presente era, tudo se dilui e é adaptável; por isso, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925–2017) chamou essa época de “modernidade líquida”.
A estratégia de desconstruir identidades
A segunda forma de disseminação do relativismo é sutil; ocorre pela desconstrução dos referenciais que levam à perda da identidade. O que é identidade? É aquilo que define e dá significado a nossa vida. Nós, cristãos, por exemplo, temos uma identidade bíblica, que expressa nossa origem, crenças essenciais e a ética que professamos. Isso nos caracteriza e distingue.
Foi o caminho da desconstrução que a Babilônia adotou com os jovens hebreus ao trocar os seus nomes. Ao fazer isso, Aspenaz, em consideração ao rei e aos seus deuses pagãos, intencionava fazer uma lavagem cerebral em Daniel e nos seus companheiros.
Naquele tempo, os nomes pessoais tinham imenso valor e significado, especialmente para os judeus, que o entendiam como uma expressão da personalidade e do propósito de vida de alguém. Entre os hebreus, o nome era geralmente resultado de uma experiência com Deus, e Babilônia queria apagar isso; queria que os jovens esquecessem o passado e quem eram.
Mudar o nome de alguém era uma forma de exercer autoridade sobre a pessoa e o seu destino. Da mesma forma, como os nomes geralmente continham afirmações sobre a divindade, os nomes babilônios imporiam aos hebreus um nível mínimo de reconhecimento dos deuses babilônicos.5
Dessa forma, os seus nomes foram mudados para que a Babilônia pudesse apagar as suas origens do coração e mente deles. Pretendiam substituir o Deus verdadeiro pelos deuses do paganismo, com o propósito de mudar os seus referenciais e identidades. O próprio nome de Nabucodonosor era uma referência às divindades pagãs. Na língua acadiana, Nabu-Kudurri-Usur significava “Nabu é o meu protetor”.
Sendo assim, Daniel, que significa “Deus é meu juiz”, recebeu o nome de Beltessazar, “Bel protege o rei”; Hananias, “Deus é gracioso”, chamaram-lhe de Sadraque, “Iluminado pelo sol”; Misael significa “Quem é como Deus?” e foi chamado de Mesaque, “Aquele que pertence à deusa Sesaque”, e Azarias, que quer dizer “Deus ajuda”, deram-lhe o nome de Abede-Nego, “Servo do deus Nego”.
Embora não pudessem impedir tal mudança, isso não fez a menor diferença na vida deles. A forma como passaram a ser chamados não entrou no coração deles. Os novos nomes sociais não mudaram as suas verdadeiras identidades e muito menos aboliram a centralidade de Deus. Aqueles jovens “discerniram que a maior batalha que estavam travando era a batalha da mente. Não era uma luta para a preservação da vida, mas uma guerra para a firmeza da fé”.
Tal como fez Aspenaz, o mundo procura meios de mudar a identidade do cristão. Em tempos pós-modernos, em que falta firmeza e consistência moral e espiritual, existe uma estratégia diabólica de perda de sentido e significado. O espírito desta época procura seduzir os crentes para fazê-los pensar que não é necessário ter uma identidade própria, dada por Deus, tratando isso como algo ultrapassado.
O mundo fala em “abrir” a mente, em “flexibilizar” as convicções e em “desconstruir” as tradições arcaicas. Em cada área da vida, percebe-se a estratégia de “mudança de nomes”. A ideologia de gênero, por exemplo, procura destruir a identidade sexual. O sincretismo, por sua vez, busca acabar com a identidade religiosa, e assim vai.
Como nunca, a forma de proceder dos jovens hebreus serve como modelo de bravura e resistência aos ímpetos de destruição identitária. Podem até mudar nosso nome, mas não conseguirão mudar quem somos: cristãos. Aqueles que creem e vivem em Cristo (ver At 11.26).
Que Deus abençoe a sua aula e os seus alunos!
Para conhecer mais a respeito dos temas das lições, adquira o livro do trimestre: NASCIMENTO, Valmir. Na Cova dos Leões: O Exemplo de Fé e Coragem de Daniel para o Testemunho Cristão em Nossos Dias. Rio de Janeiro: CPAD, 2024.