Lição 11 – O Culto da Igreja Cristã
ESBOÇO DA LIÇÃO
INTRODUÇÃO
I – A NATUREZA DO CULTO
II – O PROPÓSITO DO CULTO
III – A LITURGIA DO CULTO
CONCLUSÃO
Esta lição tem três objetivos que os professores devem buscar atingi-los:
1. Identificar a natureza do culto a Deus, sua forma e conteúdo;
2. Compreender o genuíno propósito do culto cristocêntrico;
3. Enfatizar a primazia das Escrituras e a importância da adoração entusiástica na
liturgia pentecostal.
O Culto e o seu Propósito
O propósito do culto deve ser sempre glorificar a Deus. Isso acontece quando o culto promove a verdadeira adoração. Se Deus não é adorado e glorificado no culto ou na nossa forma e modo de cultuar, então, não existe culto de verdade. O culto, portanto, pode se desvirtuar, perder o seu propósito e deixar de ser um culto. Pode ser chamado de qualquer outra coisa, menos de culto. Quando isso acontece, nem Deus é glorificado nem a igreja é edificada.
Dessa forma, precisamos destacar que o culto visto como uma expressão de adoração a Deus acontece em dois âmbitos: na esfera vocacional e na esfera celebrativa -, o culto como expressão da nossa própria vocação e o culto como celebração que se expressa em atos rituais. 1 No primeiro âmbito, da vocação, o cristão adora a Deus quando O serve de modo digno perante um mundo perdido. Aqui não há ritos, mas o testemunho de vida. As atitudes demonstram que o cristão é um adorador. Ele cultua a Deus com sua vida em toda a sua extensão. Nesse caso, o culto não é visto apenas como um ato litúrgico realizado, por exemplo, em um templo ou em qualquer espaço físico, mas como a expressão de um modo de vida que reflete o caráter de Cristo em todos os aspectos.
O apóstolo Paulo chamou atenção para essa expressão do culto na esfera vocacional na sua carta ao Romanos:
Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis o vosso corpo em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus. (Rm 12.1,2)
O termo “culto” usado aqui por Paulo é a tradução do termo grego latreía. William Barclay 2 observa que era a mesma palavra usada para um trabalhador que dava seu tempo e esforço a um empreiteiro em troca de um salário. Não se refere, portanto, a um trabalho escravo, mas um trabalho voluntário. Tem o sentido de “servir”, mas, sobretudo, “aquilo que uma pessoa dedica toda a sua vida”. 3 O verdadeiro culto, portanto, é dedicar a vida a Deus diariamente. Não apenas na esfera de um templo, mas em todas as dimensões da vida privada e pública.
Paulo lembra que tanto o corpo como a mente são expressões de uma autêntica adoração a Deus. Ele roga aos cristãos que se “apresentem diante de Deus” como sacrifícios. Não há dúvida de que Paulo tinha em mente o sistema de sacrifício quando disse que o cristão precisa apresentar-se diante de Deus como um sacrifício vivo. Ele tinha em mente o livro de Levítico quando escreveu essas recomendações de Romanos 12.1,2. Assim como um animal inocente era ofertado em sacrifício na antiga aliança, da mesma forma o cristão devia apresentar o seu corpo a Deus. A diferença era que lá a oferta era apresentada morta, e aqui a oferta é apresentada viva. Ao contrário do pensamento grego, que via o corpo como a prisão da alma, Paulo dá grande importância à nossa dimensão corpórea. Devemos, sim, cuidar e zelar do nosso corpo, pois ele é santuário do Espírito Santo (1 Co 6.19). Isso, evidentemente, envolve disciplina alimentar e exercícios físicos. Nesse sentido, não há nada de errado em cuidar do corpo. Contudo, devemos evitar a todo custo o “culto ao corpo”. O culto ao corpo se manifesta quando os exercícios físicos se tornam mais importantes que os exercícios espirituais. Passa-se duas horas malhando, nenhuma orando; vai para a academia meia-noite, contudo, reclama do culto que termina às 21 horas; passa duas horas malhando, quase nada adorando; muitas selfies nas redes sociais exibindo músculos, mas nenhum versículo ou algo que o identifique como crente. Kevin Vanhoozer observa que:
Na cultura geral, exercício e aptidão física não apareciam proeminentemente no imaginário social até a invenção das câmeras fotográficas de mercado popular no começo do século 20, que permitiram às pessoas verem a si mesmas como os outros as viam. As pessoas começaram a ir às academias […] por um objetivo estético ou terapêutico: parecer ou sentir-se melhor. Alguns historiadores culturais ligam essa mudança ao individualismo e ao narcisismo moderno: melhorar a própria saúde e aparência se tornou parte da busca das pessoas por sua autorrealização. Outros ligaram a obsessão por condicionamento físico ao desejo pós-moderno de tornar o real uma cópia da imagem (ideal). O que é muito interessante não é simplesmente o fato de que as academias e os clubes de saúde se tornaram um negócio de muitos bilhões de dólares, mas também que nosso corpo se tornou a lona na qual exercitamos nossa sede de poder. O fato de que nossos corpos são nossos, para fazermos o que quisermos, é uma peça importante do imaginário social contemporâneo, embora negue a afirmação “não sois de vós mesmos”, de Paulo (1Co 6.19). Praticar exercícios se torna mais uma forma de consumismo, na qual favorecemos o conceito de que podemos, por meio de exercícios, transformar a nós mesmos em uma coisa bela. Programas de perda de peso se tornaram cada vez mais populares em meados do século 20. Marqueteiros, filmes e revistas forneceram imagens de corpos que começaram a habitar o imaginário social. 4
No contexto do Novo Testamento, o homem é um visto como um ser integral, formado por espírito, alma e corpo (1 Ts 5.23; 1 Co 14.14). Assim, expõe Renato de Zan: Em Rm 12,1-2, Paulo exorta os cristãos a responderem à pluralidade de intervenções misericordiosas de Deus oferecendo os próprios “corpos como um sacrifício (thysían) vivo santo, agradável a Deus”: este é o “culto espiritual (logikèn latreían)” dos cristãos. A vítima (thysía) é a pessoa do fiel, que, todavia, não está morta como as vítimas do sistema sacrifical, mas está viva, uma vez que foi subtraída da herança mortífera de Adão e regenerada pela salvação em Cristo Jesus. A oferta consiste em oferecer-se a Deus como instrumento de justiça por Deus, sob a guia do Espírito (cf. Rm 6,13). O que brota disso, a vida do discípulo na sua plenitude, é o culto espiritual (logikè latreía), que pode ser compreendido ou como culto que convém à natureza racional do fiel, ou como culto que provém da escolha profunda do coração sede da vontade, da inteligência, das intuições e dos sentimentos profundos de aderir plenamente à vontade de Deus. 5
Paulo não se refere apenas à nossa dimensão somática, isto é, corpórea na esfera cúltica. Ele também mostra que o nosso culto acontece na esfera cultural. Isso fica demonstrado pelo uso do termo grego schematizesthai. Essa palavra traduzida em português como “conformar-se” tem o sentido de “moldar-se”. Paulo usa esse termo em referência a uma cultura sem Deus quando o associa a essa “era” ou “século”, que nesse contexto possui o sentido claro de “cultura”. 6 Schematizesthai é o mesmo verbo usado pelo apóstolo Pedro quando escreveu aos cristãos em sua carta: “Como filhos obedientes, não vos amoldeis aos desejos que tínheis em tempos passados na vossa ignorância” (1 Pe 1.14, AS21). Assim como o líquido assume a forma do recipiente que ocupa, da mesma forma o crente, se não se guiar pela Palavra de Deus, pode ser moldado de acordo com a cultura à sua volta. Para que isso não aconteça, é preciso interromper uma ação que pode estar em curso, como sugere o tempo presente do texto grego desse versículo.
O expositor suíço Frédéric Louis Godet 7 comenta que o termo esquema denota a maneira de se comportar, atitude, pose; e schematizesthai, verbo, derivado dele, significa a adoção ou imitação dessa pose ou modo recebido de conduta. O termo (este) mundo presente é usado nos rabinos para denotar todo o estado de coisas que antecede a época do Messias; no NT, ele descreve o curso da vida seguido por aqueles que ainda não tenham sido submetidos à renovação que Cristo opera na vida humana. É esse modo de viver anterior à regeneração que o crente não deve imitar. Isso significa que quando o cristão não dá um bom testemunho de sua fé perante um mundo incrédulo ele deixa de ser um adorador. O sal se tornou insípido, perde o seu sabor. Ele se tornou mais um no meio da multidão. Nesse aspecto, o cristão deve se lembrar que ele foi chamado não apenas para viver a cultura, mas para transformá-la. Sem um testemunho vigoroso do cristão no meio da sociedade, a igreja se torna impotente. Assim, o cristão deixa de ser um adorador, um cultuador.
Texto extraído da obra, “O Corpo de Cristo”, livro de apoio ao 3º trimestre, publicado pela CPAD .
1 Veja Dicionário de Temas Teológicos da Bíblia. São Paulo: Loyola, 2022.
2 BARCLAY, William. Comentario al Nuevo Testamento. Barcelona: CLIE, 2006.
3 BARCLAY, William. Comentário al Nuevo Testamento. Barcelona: CLIES, 2006.
4 VANHOOZER, Kevin. Discipulado para Glória de Deus. São Paulo: Vida Nova, 2022.
5 ZAN, Renato. In Dicionário de Temas Teológicos da Bíblia. São Paulo: Loyola,2022.
6 O termo grego “aión”, traduzido por “era” e “século”, tem o sentido “de uma era, um ciclo (de tempo), especialmente da era presente em contraste com a era futura, e de uma série de eras que se estende ao infinito” (Strong's Concordance). É o mesmo termo usado por Paulo quando diz que Demas “amou a presente era” (2 Tm 4.10). Demas foi influenciado negativamente pela cultura de seu tempo.
7 Veja meu comentário de Romanos: Maravilhosa Graça. Rio de Janeiro: CPAD, 2016.