Lição 10 – A Ceia do Senhor – A segunda ordenança da igreja
ESBOÇO DA LIÇÃO
INTRODUÇÃO
I – A NATUREZA DA CEIA DO SENHOR NA TRADIÇÃO CRISTÃ
II – O PROPÓSITO DA CEIA DO SENHOR
III – O MODO DE CELEBRAÇÃO DA CEIA DO SENHOR
CONCLUSÃO
Esta lição tem três objetivos que os professores devem buscar atingi-los:
1. Apresentar a natureza da Ceia do Senhor na Tradição Cristã;
2. Mostrar o propósito da Ceia do Senhor;
3. Refletir a respeito do modo de celebração da Ceia do Senhor.
Paulo e a Ceia do Senhor1
O propósito de Paulo quando deu instruções sobre a Ceia do Senhor à igreja de Corinto foi corrigir alguns abusos que estavam acontecendo durante a celebração. O contexto é bastante claro em dizer que havia individualismo, egoísmo e até mesmo quem se embriagasse durante a cerimônia. Os coríntios não estavam discernindo o propósito da Ceia, pois participavam como se estivessem participando de uma refeição qualquer. O escritor Warren Wiersbe (1919–2019) observa que o cristão deve olhar em quatro direções ao participar da Ceia. Em primeiro lugar, ele deve olhar para trás. Esse olhar é o que nos fará lembrar o motivo da morte de Jesus — carregar nossos pecados. Lembrará também que Ele morreu de forma voluntária, demonstrando, assim, o seu amor por nós. Em segundo lugar, o crente deve olhar para frente. Fazendo isso, ele lembrará o sacrifício do Senhor “até que ele venha”. Trata-se de um olhar escatológico, rumo ao futuro da Igreja. Em terceiro lugar, o crente deve olhar ao seu redor. Esse olhar fará com que ele enxergue o outro e não seja um egoísta espiritual. De fato, esse é o verdadeiro propósito da Ceia, que é celebrar uma festa em família. Em quarto lugar, o cristão deve olhar para dentro. Esse olhar para dentro fará com que se examine a si mesmo: “Examine-se, pois, o homem a si mesmo” (1 Co 11.28).
Ao fazer esse olhar introspectivo, o crente deve ter o cuidado para não se abster desnecessariamente da Ceia do Senhor. Muitos crentes deixam de participar da Ceia por motivos banais. Essa não é a atitude correta. Na verdade, o que tem levado muitos crentes a proceder dessa forma é a má interpretação feita das instruções dadas pelo apóstolo em 1 Coríntios 11.29: “Porque o que come e bebe indignamente come e bebe para sua própria condenação, não discernindo o corpo do Senhor”. No livro de minha autoria Defendendo o Verdadeiro Evangelho,2 fiz uma exegese desse texto à luz do texto grego. Mostrei que a palavra grega anaksiôs, traduzida em português como “indignamente”, é um advérbio, e não um adjetivo. Como sabemos, os advérbios indicam “modo” ou “maneira”, enquanto os adjetivos indicam “estado” ou “qualidade”. Se Paulo tivesse usado o adjetivo “indigno” (anaksiós) no lugar do advérbio “indignamente” (anaksiôs), então ninguém, de fato, poderia participar da Ceia do Senhor, pois ninguém é ou será digno.3 A salvação é pela graça, e não por meio de nosso mérito ou dignidade. Da mesma forma, a participação da Ceia do Senhor por parte dos crentes também é uma manifestação da graça de Deus.
Voltando ao texto, o advérbio “indignamente” (anaksiôs) mostra que Paulo referia-se ao modo irreverente dos coríntios ao celebrarem a Ceia do Senhor, isto é, enquanto alguns se embriagavam durante a reunião, outros comiam demais, além do fato de não esperarem uns pelos outros. Essa maneira de celebrar a Ceia do Senhor não estava correta e precisava da correção por parte do apóstolo. Os escritores Guy P. Duffield e Nathaniel M. Van Cleave dizem isso com outras palavras:
Há necessidade de uma explicação sobre a advertência contra “comer ou beber indignamente” (1 Co 11.27-29). Muitos crentes, por não entenderem bem essas advertências, abstiveram-se desnecessariamente da Ceia do Senhor. Deve ser notado que “indignamente” é um advérbio que modifica os verbos “comer” e “beber”, e está ligado à “maneira” de participar, e não à indignidade das pessoas. A advertência referia-se à atitude ávida e descontrolada dos coríntios, descrita em 1 Coríntios 11.20-22. Ninguém é digno, por si mesmo, de ter comunhão com Jesus, mas possuímos esse privilégio em virtude da obra expiatória que os elementos simbolizam. Todavia, os participantes precisam examinar a si mesmos com relação ao modo como tomam a ceia e à sua atitude para com os outros crentes; além disso, devem verificar se estão discernindo o corpo do Senhor, sem demonstrar irreverência ou frivolidade em suas maneiras. A participação com fé pode resultar em grandes bênçãos e até na cura espiritual e física (1 Co 11.29,30).4
Biblicamente, portanto, a Ceia do Senhor é uma cerimônia de que devemos participar com discernimento. Se, por um lado, os elementos não se convertem literalmente no corpo e no sangue de Jesus, conforme afirma o ritual católico, por outro lado, a Ceia do Senhor não pode ter o seu verdadeiro sentido esvaziado — que é a presença espiritual de Jesus. Os extremos são perigosos. No século 13, por exemplo, o ritual católico concernente à eucaristia foi alterado radicalmente quando só o pão passou a ser entregue aos leigos, mas não o vinho. Havia o medo de o vinho — no caso, o “sangue real” de Jesus — ser derramado durante a cerimônia e, dessa forma, ser profanado.
Alisson destaca que
A partir do século 13, a Igreja Católica começou a entregar aos leigos o pão, mas não o cálice. Essa prática era justificada teologicamente pela doutrina da concomitância, explicada por Boaventura: “Uma vez que o bendito e glorioso corpo de Cristo não pode ser dividido em suas partes e não pode ser separado da alma nem da mais sublime divindade, assim em cada elemento está o Cristo todo, inteiro e indivisível, a saber, o corpo, a alma e Deus. Portanto, em cada um está presente o único e mais simples sacramento que contém todo o Cristo. E, uma vez que cada parte dos elementos representa o corpo de Cristo, todo o corpo está presente em todos os elementos e está em cada parte dele, quer inteiro, quer separado” (Bonaventura, Breviloquium, 6.9 [5], in: E. E. Nemmers, Breviloquium of St. Bonaventura [St. Louis: B. Herder, 1946], p. 199-200). Portanto, se os leigos recebem somente um dos elementos, ainda assim recebem todo o Cristo. De modo prático, essa mudança foi instituída em virtude de uma preocupação com a profanação do sagrado sacramento. A igreja temia que servir o cálice repetidamente levaria parte do vinho (e da água) a serem derramados; com isso, o sangue de Cristo seria profanado. Para evitar que isso acontecesse, a igreja restringia a participação do cálice ao padre que celebrava a missa. Essa foi chamada comunhão em uma espécie, pois apenas um elemento, o pão, era dado aos leigos durante a missa.5
Por outro lado, para esse extremo ser evitado, acaba sendo criado outro — o de destituir a Ceia de qualquer significado e relevância. Sobre isso, o teólogo Millard Ericson advertiu: “Por zelo, para evitar a ideia de que Jesus está presente de algum modo mágico, alguns por vezes, foram a extremos, a ponto de dar a impressão de que o lugar em que Jesus mais certamente não está presente é na Ceia do Senhor”.6 Portanto, para evitar a doutrina católica da presença real de Jesus, alguns protestantes criaram a doutrina da “ausência total” de Jesus na Ceia. É um equívoco que deve ser terminantemente evitado.
Texto extraído da obra, “O Corpo de Cristo”, livro de apoio ao 3º trimestre, publicado pela CPAD.
1 Veja meu livro: Lucas, o evangelho de Jesus, o homem perfeito. Rio de Janeiro: CPAD, 2015.
2 GONÇALVES, José. Defendendo o Verdadeiro Evangelho. Rio de Janeiro: CPAD, 2009.
3 No grego bíblico, a diferença entre esses vocábulos dá-se apenas pelo alongamento da vogal temática “o” (ómicron).
4 DUFFIELD, Guy P & CLEAVE, Nathaniel M.Van. Fundamentos da Teologia Pentecostal. Vol I e II. Editora Quadrangular, São Paulo, 1991.
5 ALISSON, Gregg. Op. cit. O Concílio do Vaticano II incentivou a volta da comunhão em duas espécies.
6 ERICSON, Millard. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015.