Lição 9 – O Batismo – A Primeira Ordenança da Igreja
ESBOÇO DA LIÇÃO
INTRODUÇÃO
I – PRESSUPOSTOS BÍBLICO-DOUTRINÁRIOS DO BATISMO
II – O SÍMBOLO E PROPÓSITO DO BATISMO
III – A FÓRMULA E O MÉTODO DO BATISMO
CONCLUSÃO
Esta lição tem três objetivos que os professores devem buscar atingi-los:
1. Pontuar os pressupostos bíblico-doutrinários do Batismo;
2. Explicar o símbolo e o propósito do Batismo;
3. Esclarecer a fórmula e o método do Batismo.
O batismo em águas é um antigo ritual cristão cuja prática remonta a João, o Batista (Mt 3.7). O quarto evangelho destaca que João batizava em Enom porque ali “[…]havia muitas águas” (Jo 3.23). Marcos registra que muitas pessoas foram batizadas por ele, inclusive Jesus Cristo (Mc 1.5,9). Por outro lado, Lucas registra no terceiro evangelho que o batismo de João exigia como requisito o arrependimento (Lc 3.3) e que ele era preparatório (Mt 3.11,12).
Em o Novo Testamento, o batismo aparece como uma ordenança de Cristo e não como um sacramento. Jesus ordenou que seus discípulos batizassem aqueles que respondessem positivamente à mensagem do Evangelho: “Portanto, ide, ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mt 28.19); “E disse-lhes: Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura” (Mc 16.15). Gregg Alisson observa que um sacramento é “um sinal externo que tem o poder inerente de comunicar a graça divina necessária para a salvação”.1 Essa crença que enxerga o batismo como um sacramento e não como uma ordenança foi primeiramente defendida por Tertuliano (160-230 d.C). O termo sacramento foi primeiramente usado em referência a um juramento feito por um soldado do império Romano. Tertuliano via o batismo também como um tipo de juramento que o cristão fazia e, assim, tomou de empréstimo o seu sentido sacramentalista em relação ao batismo.
É somente no início do período medieval que a crença do batismo como um sacramento vai ganhar novas nuances. Isso acontece no contexto dos debates que Agostinho (354-430), bispo de Hipona, vai ter com os donatistas e pelagianos. Agostinho acreditava que o batismo concedia graça a quem era conferido independentemente de quem realizasse o rito. Dessa forma até mesmo um herege podia realizar o batismo que, segundo ele, não retirava a sua validade. Isso porque “o sacramento opera por sua própria natureza (ex opere operato – independente do alto realizado). Sua validade em nada depende da fé do recipiente: basta que não haja impedimento de sua parte”.2 Essa compreensão sacramentalista, conforme entende o catolicismo, teve importantes desdobramentos sobre o rito do batismo. Agostinho, que posteriormente ajudou a consolidar a compreensão sacramentalista católica, vivenciou esse rito em Milão.
De acordo com William Harmless,
O rito começava precisamente diante do batistério com o effatha, uma “abertura” dos sentidos (lembrando o episódio do Cristo abrindo os olhos do cego em Mc 7,34). Em seguida, os catecúmenos entravam no batistério propriamente […] Os candidatos provavelmente retiravam aí suas vestes e eram ungidos de óleo, talvez sobre todo o corpo. Renunciavam primeiramente, ao diabo (voltando-se, talvez ocidente) e, em seguida, voltavam-se para o oriente para proclamar sua fidelidade ao Cristo (myst. 2.7). Segundo Ambrósio, o bispo consagrava a água da fonte batismal com uma oração e o sinal da cruz […] Quando os catecúmenos saíam da fonte, recebiam de novo uma unção, dessa vez com o crisma, derramado sobre a cabeça. Depois disso, num rito especificamente milanês, o bispo lavava os pés desses catecúmenos. Em seguida, eram vestidos de novas vestes brancas. Seguia-se a confirmação, na qual o bispo invocava o Espírito Santo pedindo os sete dons mencionados em Is 11,2, e os catecúmenos eram marcados com o sinal da cruz, provavelmente com o crisma. No ocidente latino, essa unção pós-batismal será mais tarde, o sacramento da confirmação; mas, nessa época, era parte integrante da celebração do batismo. Depois do batismo, os recém-batizados eram reconduzidos à assembleia cristã e podiam participar pela primeira vez da liturgia eucarística. Cada dia, durante a semana da Páscoa, Agostinho e os outros recém-batizados deviam ir à Basílica, com suas vestes brancas, receber uma espécie de instrução, conhecida como mistagogia, quer dizer, o “ensinamento dos mistérios” […] depois desses ritos, os recém-batizados vestiam as novas vestes feitas, muito provavelmente, de linho branco (s. 120; 223; 260 C, 7). Durante os oito dias seguintes, usavam suas vestes batismais para manifestar seu compromisso com uma vida pura. É igualmente possível que tenham tido um véu sobre a cabeça (s. 376A,1). Finalmente usavam sandálias especiais para que seus pés não tocassem o chão […] pensava-se que aqueles que saiam do batistério fossem dotados de poderes milagrosos de cura e intercessão.3
Não há dúvidas de que a compreensão sacramentalista no batismo em águas conduziu a ensinos heréticos e práticas contrárias ao ensino bíblico. Isso fez com que alguns deixassem de dar o devido valor para essa ordenança de Cristo. Se por um lado é errado supervalorizar o batismo, por outro, é igualmente errado minimizar o seu valor. Geralmente o texto relatando a conversão do ladrão na cruz (Lc 23.42) é usado para fundamentar esse ponto de vista. Se não houve necessidade do ladrão se batizar, então, deduzem que essa prática não é importante ou necessária. Nesse caso a exceção vira regra. Convém dizer que tanto um posicionamento como o outro são extremos que devem ser evitados. Se por um lado não é bíblico ensinar que o batismo tem poder salvífico, isto é, que não há regeneração batismal, por outro lado, também é igualmente errado não ver valor nenhum nesse importantíssimo rito cristão. O batismo foi ordenado por Cristo e isso por si só já o faz se revestir de grande importância. Se por um lado o batismo não significa a erradicação da natureza pecaminosa, por outro lado, não é meramente um rito destituído de significação alguma.
O Batismo de Infantes
Um importante desdobramento da teoria sacramentalista agostiniana pode ser vista no batismo infantil. Convém dizer primeiramente que o batismo infantil não é um ensino do Novo Testamento. Tertuliano, um dos pais da igreja, desaprovou essa prática.4 Por outro lado, Cipriano de Cartago defendia o batismo infantil.5 É, contudo, no início da Idade Média que Agostinho, bispo de Hipona, vai defender com fervor, o batismo de crianças. Isso aconteceu por conta de seu conflito com os pelagianos. Celésio, discípulo de Pelágio, acreditava que o pecado de Adão só prejudicou o próprio Adão e a mais ninguém. Da mesma forma, defendia que as crianças recém-nascidas eram iguais a Adão antes da queda, isto é, não tinham pecados. Dessa forma, Celésio entendia que as crianças poderiam sim, ser batizadas, mas não por conta do pecado original que elas não haviam herdado. Por outro lado, Agostinho defendia que a Igreja deveria batizar as crianças “para a remissão dos pecados – não, de fato, dos pecados que elas cometeram, imitando o exemplo do primeiro pecador, mas dos pecados que contraíram por seu próprio nascimento, dada a corrupção de sua origem”.6 Em outras palavras, as crianças deveriam ser batizadas para se livrarem do pecado original. Harmless observa que Agostinho “insistia que o batismo significava remissão de pecados”7, e como ele entendia que os infantes carregavam o pecado original, o batismo era a única forma segura de removê-lo: “O que estamos discutindo diz respeito a eliminação do pecado original de bebês”.8
O concílio de Cartago de 414 d.C., deixou claro o posicionamento católico sobre esse assunto:
Se alguém diz que os recém-nascidos não precisam ser batizados, ou que são batizados para o perdão de pecados, mas que nenhum pecado original é derivado de Adão para ser removido pelo lavar da regeneração – de modo que, nesse caso, a fórmula batismal “para perdão de pecados deve ser considerada em um sentido fictício, e não no sentido verdadeiro -, que seja anátema (condenado ao inferno).9
A doutrina agostiniana do batismo infantil prevaleceu no catolicismo medieval e acabou por influenciar até mesmo os reformadores da chamada Reforma Magistral. Nem Lutero, Calvino e Zuínglio conseguiram romper com essa tradição. Foi somente com os anabatistas, inseridos dentro da chamada Reforma Radical, que o batismo infantil vai ser abandonado. De alguma forma, esses reformadores mantiveram aspectos da posição sacramentalista do batismo católico. Os anabatistas foram os primeiros, portanto, a batizar adultos. Ao fazerem isso, rompiam não somente com o catolicismo, mas, sobretudo, com os reformadores protestantes do século XVI. Alisson observa que para os anabatistas “somente quem é capaz de entender o evangelho de modo consciente, arrepender-se de seus pecados e crer em Jesus Cristo para a salvação deve ser batizado.”10 Pagaram caro por isso. Muitos deles foram expulsos de suas terras e muitos outros executados.
Os anabatistas mais importantes que romperam com a tradição do batismo infantil foram Feliz Munz, Connrad Grebel e George Blaurock. Eles passaram a defender abertamente que somente pessoas que fossem capaz de demonstrar arrependimento e crer no Senhor Jesus deveriam ser batizadas. Em resposta à posição anabatista, o Concílio de Zurique, adeptos da teologia de Zuínglio, publicou um decreto em 18 de janeiro de 1525 condenando a posição anabatista.
Texto extraído da obra, “O Corpo de Cristo”, livro de apoio ao 3º trimestre, publicado pela CPAD.
1 ALISSON, Gregg. Eclesiologia. São Paulo: Vida Nova, 2021.
2 LANDERS, John. Teologia dos Princípios Batistas. Rio de Janeiro: JUERP, 1994.
3 HARMLESS, William. In Agostinho Através dos Tempos: uma Enciclopédia. Org. A Fitzgerald. São Paulo: Paulus, 2019. Agostinho chegou a criticar essa prática de “não tocar o chão” durante a semana da Páscoa, mas não eram cuidadosos de se abster de outras práticas mundanas.
4 Tertuliano. Sobre o Batismo 18 (ANF 3.678). Conforme citado por Alisson.
5 Cipriano. Obras Completas, vol 1,2. São Paulo: Paulus, 2020
6 Agostinho. Gr.et pecc.or. 2,17). São Paulo: Paulus.
7 In Agostinho: uma Enciclopédia. São Paulo: Paulus.
8 Agostinho. Sobre o Pecado Original. Paulus.
9 BETTESON, Henry. Documentos da Igreja Cristã. Rio de Janeiro: JUERP.
10 ALISSON, Gregg. Eclesiologia. São Paulo: Vida Nova.