Lição 4 – A Igreja e o Reino de Deus
ESBOÇO DA LIÇÃO
INTRODUÇÃO
I – A NATUREZA DO REINO DE DEUS
II – A IGREJA E AS DIMENSÕES DO REINO DE DEUS
III – A IGREJA NO CONTEXTO DO REINO DE DEUS
CONCLUSÃO
Esta lição tem três objetivos que os professores devem buscar atingi-los:
1. Relacionar a natureza do Reino de Deus com a nação de Israel, bem como o seu propósito com a existência da Igreja;
2. Apontar as dimensões do Reino de Deus nas realidades presente e futura;
3. Destacar a Igreja como projeto de Deus e expressão de seu Reino na plenitude dos tempos.
O Reino de Deus no Contexto Escatológico
No século II, Irineu de Lião ainda mantinha a esperança escatológica e sobre ela escreveu com entusiasmo. Por outro lado, Orígenes (184–253) já não mantinha o fervor. Os elementos apocalípticos não estão totalmente ausentes de seus escritos, mas de forma mais tênue. Essa é uma tendência nos séculos seguintes. De acordo com Gary Cohen, a igreja perdeu logo a expectativa escatológica.
O milenarismo predominou no meio da igreja cristã enquanto os cristãos eram uma minoria rejeitada e ameaçada por perseguições. Quando, no século IV, o cristianismo ascendeu a uma posição de supremacia no mundo mediterrâneo e se tornou a religião oficial do império, a igreja passou a sufocar as crenças milenaristas”.1
A partir do século IV, a esperança escatológica desvanece-se com maior intensidade ainda. No alvorecer da Idade Média o método alegórico de interpretação permeia a igreja e seus teólogos passam a ver a escatologia bíblica através de suas lentes. O literalismo bíblico é substituído pelo alegorismo. Dessa forma, a escatologia é trazida do céu para a terra. Dentro desse contexto, Agostinho de Hipona (354–430 d.C.) se tornou o seu principal porta-voz. Como já foi destacado, em sua obra A Cidade de Deus (Vozes, 1990) Agostinho rejeita a ideia de um reino milenar de aspecto físico e literal sobre a terra.
Essa também foi a postura dos reformadores protestantes do século XVI. Os reformadores destacaram mais a presença espiritual de Cristo na igreja do que a ideia de um reino milenar e literal sobre a terra. De acordo com Roger Olson,
A maioria dos reformadores da chamada ala principal, ou magisteriais, como Lutero e Calvino, desvalorizou o imaginário apocalíptico do NT em favor do senhorio e reino presentes, mas ocultos, de Cristo, e de um tipo de reverente agnosticismo sobre o futuro”.2
Excetuando grupos da reforma radical, que mantinha uma expectativa escatológica, o protestantismo histórico não enfatizaria o elemento escatológico em séculos posteriores. Anthony Hoekema (2001, pp.339-377) mostra que essa também foi a tendência da teologia em relação à escatologia nos séculos XIX e XX.
Há, portanto, um eixo principal em volta do qual as interpretações escatológicas têm se movido – o Reino de Deus. Toda expectativa escatológica ou falta dela ao longo dos anos tem se movido em torno do entendimento do que, de fato, significa o reino de Deus. Seria o reino de Deus uma realidade presente ou futura? Seria ele temporal ou atemporal? Manifestaria o reino em forma visível ou invisível, física ou espiritual? Que importância isso tem? São essas as principais perguntas que tem surgido no debate escatológico. Dentro desse espectro, no que concerne à natureza do reino de Deus, o debate escatológico tem girado em torno do seu aspecto presente e futuro.
A teologia da ala liberal do século XIX não acreditava numa dimensão futura do reino. Não via isso como importante, e por isso, pouco ou nenhum valor foi dado a isso. Para esses intérpretes, o reino de Deus assume aspectos de natureza ético-morais, mas não escatológico. Dessa forma, não há uma segunda vinda de Cristo pela qual o cristão deva esperar. Esse modelo escatológico modelou e influenciou o que viria posteriormente no debate escatológico.
Albrecht Ritschl (1822–1889), um dos principais teólogos do século XIX, não via na escatologia importância alguma. Ritschl entendia o reino de Deus como uma tarefa humana. O cristianismo se resume a um código moral ao qual o cristão deve se conformar. Como Hoekema destacou
Uma vez que Ritschl vê a religião cristã como consistindo essencialmente de moralidade, o reino representa aqueles valores e alvos éticos que são ensinados pelo Novo Testamento e exemplificados por Jesus Cristo – valores e alvos que o redimido deve continuar a tentar alcançar. Para Ritschl o reino de Deus é, portanto, essencialmente deste mundo; significa fazer a vontade de Deus aqui e agora. Jesus veio para fundar o reino de Deus no sentido descrito acima; como fundador do reino ele é também nosso grande exemplo.3
A partir de Ritschl, outros teólogos procuraram desenvolver suas concepções escatológicas, adaptando, modificando ou revisando o que anteriormente fora dito. Adolf von Harnack (1851–1930), por exemplo, despiu o aspecto futuro da escatologia vendo em Jesus um simples mestre da moralidade. Em 1906 o teólogo Albert Schweitzer (1875–1966) entrou no debate no que viria a ser conhecido como escatologia consequente. No entendimento de Schweitzer, conforme destacou Hoekema (2001, p. 343), “Jesus esperava que a Parousia e a vinda do reino ocorressem antes que os discípulos tivessem terminado sua jornada de pregação”, mas como isso não ocorreu, “Jesus convenceu-se de que estivera enganado”. Em reação a Schweitzer, Charles H. Dodd (1884-1973) argumentou que em Jesus o reino havia chegado e esteve presente. Dessa forma, Dodd entendia que Jesus ensinou a realidade do reino como realizada em seu próprio ministério. Assim sendo, no entendimento de Dodd (1935, p.50), “o scchaton moveu-se do futuro para o presente, da esfera da expectativa para a da experiência realizada”.
Até aqui foi mostrado que o entendimento escatológico ficou limitado a dimensão terrena do reino de Deus, quer seja no aspecto moral ou espiritual. Quer Jesus estivesse consciente ou não da sua missão sobre o reino de Deus, esses intérpretes veem a escatologia sempre a partir do seu plano terreno. Nada ficou para um futuro imediato ou longínquo. Em outras palavras, não resta muito ou nada pelo qual a igreja ou o cristão deva esperar. Desnecessário dizer que esse entendimento acabou por esvaziar a importância do Reino de Deus no plano escatológico. Todavia, como irão destacar outros intérpretes, essa não é a perspectiva escatológica neotestamentária.
Da perspectiva do Novo Testamento, o cristão da Primeira Igreja vivia uma tensão na esfera escatológica do Reino entre o “já e o “ainda não”. Isso significa dizer que para eles o reino de Deus já era uma realidade presente, já havia chegado, mas não em toda a sua plenitude. Dessa perspectiva, a escatologia é vista como uma realidade de suma importância porque vê o reino de Deus nas suas dimensões presente e futura. No entendimento de Geerhardus Vos (1862–1949) o crente neotestamentário vive, simultaneamente, tanto nesta era ou mundo como na era do mundo por vir. Nesse aspecto, a era por vir já chegou, isto é, aquilo que fora predito no Antigo Testamento sobre Cristo e seu reino, mas haverá uma consumação futura, onde todas as potencialidades serão consumadas.
Roger Olson (2000, p. 480,481) destacou que ao longo da história, três posições escatológicas são objeto de consenso dentro do cristianismo ortodoxo. A primeira delas é que Jesus Cristo retornará à terra. Nesse aspecto, os cristãos de todas as tradições esperam a segunda vinda de Cristo. A segunda, é que quando Cristo retornar, ele há de estabelecer ou manifestar completamente a ordem e a soberania de Deus – o reino de Deus – que já está operando na história. A terceira, é que no fim, Deus criará um novo céu e uma nova terra que durarão para sempre.
Os cristãos que mantêm uma expectativa escatologia encontram sentido para a história. Esses cristãos oram “venha o teu reino e seja feita a tua vontade” (Mt 6.10). Eles oram e esperam pelo reino. Olson (2004, p.476) observa que “Deus está no controle. Nada acontece a menos que Deus permita”. Em outras palavras, a história tem sentido porque Deus é o Senhor da história. Hoekema (2001, p. 31-52) mostra de que forma a escatologia alimenta a esperança dos cristãos, por encontrar na história um sentido.
Texto extraído da obra, “O Corpo de Cristo”, livro de apoio ao 3º trimestre, publicado pela CPAD.
1 LAHAYE, Tim. Enciclopédia de Profecia Bíblica. Rio de Janeiro: CPAD, 2008.
2 OLSON, Roger. História das controvérsias na teologia cristã. São Paulo: Vida, 2004.
3 HOEKEMA, Anthony. A Bíblia e o futuro – a doutrina bíblica das últimas coisas. São Paulo: Cultura Cristã, 2001.