Lição 2 – A Doutrina de Moisés
Prezado(a) professor(a), para ajudá-lo(a) na sua reflexão, e na preparação do seu plano de aula, leia o subsídio da semana. O conteúdo é de autoria do pastor Elias Torralbo, comentarista do trimestre.
INTRODUÇÃO
Existe doutrina no Antigo Testamento? Se sim, quais são os seus propósitos e como estão disponibilizados nas Escrituras? De uma forma ainda mais específica, o que Moisés recebeu de Deus pode ser considerado doutrina? Se há relação entre os ensinamentos recebidos por Moisés com os do Novo Testamento, qual seria? O que a “Doutrina de Moisés” tem a contribuir com a igreja na atualidade? A proposta deste capítulo é responder às questões expostas acima, com uma ênfase especial em analisar os princípios que Deus entregou a Moisés, também identificados como “Lei de Deus”. Por duas vezes, Deus escreveu a sua Lei em tábuas e entregou-as a Moisés (Êx 31.18; 34.1), e a Lei de Deus visa, sobretudo, revelar o seu caráter, apontando inquestionavelmente para aquilo que seria revelado plenamente em Cristo. Cada um dos mandamentos entregues a Moisés possui indelevelmente o caráter de Deus, que, por ser amoroso, santo e benevolente, deseja o bem do homem, razão pela qual propôs caminhos de paz, e não de guerra, no relacionamento com Deus, consigo mesmo e com o próximo. No entanto, a “Doutrina de Moisés” é mais bem compreendida no seu sentido, fundamento e propósito se considerarmos a seguinte divisão do seu conteúdo: 1) A Antiga Aliança; 2) As Leis Cerimoniais; e 3) As Leis Morais. Discorrer a divisão supracitada é a principal proposta deste capítulo com a finalidade de responder, ainda que introdutoriamente, às questões levantadas anteriormente.
I – A ANTIGA ALIANÇA
O entendimento correto e a aplicação adequada da “Doutrina de Moisés” dependem de alguns fatores fundamentais, dentre os quais a identificação do significado da expressão “Antiga Aliança”, das suas características e da sua relação com o Novo Testamento.
1. Compreendendo o termo
Infelizmente, há termos que, à medida que o tempo passa e circunstâncias ocorrem, vão perdendo o seu real sentido e, em alguns casos, até assumem significados opostos ao original. Um desses termos é a expressão bíblica “Antiga Aliança”, principalmente porque, em geral, a referência a ela é sempre em comparação com a “Nova Aliança”, que a substituiu. A referência “Antiga Aliança” não é, entretanto, uma crítica e nem tampouco uma forma de invalidar a importância do período a que se refere. Ao contrário disso, o termo “Antiga Aliança” aponta para uma parte importante do plano divino na história, motivo pelo qual não deve ser negligenciado e muito menos desvalorizado.
A presente explicação reafirma que, à semelhança da Nova Aliança — fundamentada em Cristo —, a Antiga também é uma ideia de Deus; portanto, é parte do Seu plano em favor da humanidade, descartando qualquer tipo de demérito a ela. Além disso, é por meio da Antiga Aliança que se torna possível conhecer o início de Israel no Antigo Testamento e a dinâmica da sua comunhão com Deus e dos frutos disso. A compreensão da relação de Deus com o seu povo inevitavelmente passa pelo reconhecimento da importância e do entendimento do conceito teológico de aliança, que, nesse caso, é um acordo ou ainda um pacto estabelecido entre duas pessoas, e ambas têm responsabilidades e deveres em tal relação. O Antigo Testamento registra momentos importantes em que o Senhor estabeleceu alianças com o seu povo — coletivamente — e com pessoas — individualmente (Gn 9.8-17; 17.3-11; Êx 34.10). Com a finalidade de ampliar a reflexão a esse respeito, observe as principais alianças apresentadas no texto veterotestamentários, com uma breve definição: 1) aliança edênica: estabelecida por Deus com Adão e Eva no Jardim do Éden, fundamentada na comunhão, intimidade, função e responsabilidades (Gn 2.16,17); 2) aliança adâmica: deu-se após a desobediência do primeiro casal, trazendo terríveis consequências, mas também a esperança no Cristo prometido (Gn 3.15); 3) aliança com Noé: após o Dilúvio, com a promessa de não mais destruir a terra com água, com o sinal do arco-íris (Gn 9.11); 4) aliança com Abraão: a promessa de um grande e forte povo, por meio do qual o plano divino seria concretizado (Gn 12.2); 5) aliança com Moisés: feita por Deus com Moisés, por meio da entrega dos Dez Mandamentos e a Lei, cuja finalidade foi a de guiar o seu povo religiosa, moral e socialmente (Êx 19.5); e 6) a aliança com Davi: com a promessa de um reino eterno, no qual viria perdão e salvação (2 Sm 7.12). Dentre as alianças mencionadas, a dos Dez Mandamentos é a mais abrangente, pois ela foi entregue a Moisés com a finalidade de repassar ao povo, com o propósito de que este soubesse as expectativas do Senhor ao seu respeito no que concerne à conduta nas mais variadas dimensões da vida, conforme explicado na Declaração de Fé das Assembleias de Deus: “CREMOS, professamos e ensinamos que os Dez Mandamentos são preceitos dados por Deus a Moisés para orientar a vida do povo de Israel […]”.2 Os Dez Mandamentos também servem como uma espécie de resumo demonstrativo do caráter de Deus a ser impresso e, ao mesmo tempo, refletido pelo seu povo diante de outros povos (Êx 34.28). O decálogo, portanto, é parte do concerto do Senhor Deus com o seu povo, razão pela qual é possível afirmar que a “Antiga Aliança” faz referência à forma pela qual o povo de Israel foi tratado por Deus no Antigo Testamento, tanto na dimensão do relacionamento como na das exigências. Diante do exposto, fica claro que, assim como a Nova Aliança, a Antiga cumpriu o propósito para o qual a estabeleceu Deus. Sendo assim, ela deve ser compreendida e valorizada dentro da sua função, dentro do seu próprio limite e significado.
2. Características e propósito da Antiga Aliança
Conhecer os métodos interpretativos e saber usá-los adequadamente se torna um instrumento indispensável e eficaz para os que se dedicam em conhecer as Escrituras, nas suas insondáveis riquezas. Um exemplo disso é o recurso da comparação, pois, além de permitir uma clareza admirável, também contribui com a precisão da busca pela compreensão do significado do objeto pesquisado e do comparado, assim como das suas implicações. Desse modo, a Bíblia utiliza-se desse instrumento, especificamente o Novo Testamento, na sua proposta de apresentar a Nova Aliança, o seu sentido e os seus propósitos. É preciso reconhecer que se torna difícil — praticamente impossível — compreender a Nova Aliança sem levar em conta os princípios e verdades referentes à Antiga Aliança. Isso se dá pelo menos por duas razões principais: 1) a referência a uma Nova Aliança remete à existência de uma Aliança anterior; 2) a presença, ainda que implícita, de uma Aliança anterior, exige — mesmo que inconscientemente — a busca por conhecê-la nos seus variados formatos e significados; e 3) a existência de duas alianças confirma que ambas pertencem a um mesmo propósito, além de reafirmar o envolvimento direto de Deus com o seu povo. Nenhum outro livro da Bíblia trata com tanta precisão, abrangência e profundidade sobre a comparação entre a Antiga e a Nova Alianças do que a carta aos Hebreus, e isso se dá principalmente em virtude do seu Essa essência comparativa existente na epístola aos Hebreus pode ser notada em toda ela, principalmente na sua abertura, que serve como uma espécie de apresentação (1.1). Trata-se de uma apresentação da forma como Deus historicamente se comunicou com o seu povo e como Ele comunica-se na atualidade, trazendo as seguintes características da Antiga Aliança: 1) os homens foram os seus instrumentos; 2) ela foi externa; 3) ela dependeu de tomar uma forma, e isso por cerimoniais; e 4) ela foi representada por símbolos. Outro aspecto importante a ser observado sobre a Antiga Aliança é que parte dela também cumpre o propósito de frear o mal, embora não tenha condições de eliminá-lo definitivamente. Isso se afirma principalmente porque, pela Lei, que é parte da Antiga Aliança, Deus desejou preservar tanto a integridade moral e espiritual do seu povo, como também a qualidade do seu relacionamento com Ele. Pode-se observar a forma brilhantemente organizada como o Senhor estabeleceu as suas alianças com o seu povo, haja vista que uma esteve alinhada à outra, complementando-se mutuamente. Do mesmo modo ocorre entre a Antiga e a Nova Aliança — ou seja, esta complementa àquela e não se contradizem.
3. A relação entre a Antiga Aliança e a Nova Aliança
Depois de analisados o termo, as características e o propósito da Antiga Aliança, é momento de uma reflexão sobre a relação entre as duas alianças, isto é, a Antiga e a Nova. Em primeiro lugar, é imprescindível considerar que há diferenças significativas entre as duas alianças e que cada uma delas possui as suas particularidades e propósitos; entretanto, pelo fato de ambas procederem de Deus, identificam-se principalmente no Espírito que as fundamenta. Há ao menos quatro fundamentos que sustentam a aliança de Deus, cuja presença pode ser notada tanto na Antiga quanto na Nova, sendo eles: 1) o amor divino; 2) a graça divina; 3) a fidelidade divina; e 4) a responsabilidade humana. Um exemplo de que ambas as alianças possuem o mesmo espírito, ou, se preferir, a mesma natureza, é de que, tanto numa como noutra, a exigência é sempre no sentido de que se deve fazer o bem aos inimigos, em claro alinhamento com o ensinamento de Jesus (Êx 23.4,5; Pv 25.21; Mt 5.38-48; Rm 12.20). A partir do que está no texto de Êxodo 23.4,5, que retrata bem a natureza das alianças do Senhor Deus com os homens, conforme visto nos demais textos citados. Inquestionavelmente, fazer o bem é uma das mais elevadas evidências do real compromisso com a aliança do homem para com Deus, tanto como forma de demonstração de amor, como também de cumprimento com a responsabilidade. Nem na Antiga Aliança, nem na Nova, há contrariedade sobre o fazer o bem ao próximo, e nisso elas demonstram igualdade de natureza — afinal de contas, elas têm o Senhor como a sua fonte. Na intenção de ampliar a compreensão e fortalecer ainda mais a verdade da relação entre as duas alianças, é preciso voltar à epístola aos Hebreus, pois nela o escritor afirma que a Antiga serviu de sombra para a Nova, e que esta é superior àquela, pois a Nova possui “melhores promessas”, enquanto a Antiga precisou ser substituída (8.5-7). Observe, contudo, que a ideia da promessa divina está presente em ambas as alianças — afinal de contas, a promessa é uma das características inerentes à Aliança. As promessas feitas na Antiga Aliança foram confirmadas mediante sinais exteriores, como o arco-íris e a circuncisão. A ceia também serve como um sinal, mas, no contexto do Novo Testamento, reafirmando mais uma vez a íntima relação entre elas. As promessas que o Senhor fez na Antiga Aliança foram cumpridas perfeitamente em Cristo (Hb 9.11-28), e certamente as que pertencem à Nova Aliança também se cumprirão, pois quem prometeu não muda (13.8).
II – DOUTRINAS LITÚRGICAS
A “Doutrina de Moisés” é rica em conteúdo, em contexto histórico- -cultural e em ensinamentos, conforme visto anteriormente na abordagem sobre a Antiga Aliança. Diante de tão grande desafio em discorrer a respeito do que Moisés recebeu de Deus, é preciso delimitar os temas a ser estudados, com vistas a uma compreensão suficientemente capaz de oferecer lições fundamentais na atualidade. É com base nisso que esta seção é exclusivamente dedicada à análise das “Doutrinas Litúrgicas”, sob a seguinte divisão: 1) definição e identificação; 2) identificação do seu propósito; e 3) averiguação sobre o seu tempo de operação.
1. O que foram e quais foram?
Inicialmente, esta parte é dedicada a verificar sobre as chamadas “doutrinas litúrgicas”, que, segundo alguns textos bíblicos, também são chamadas de “leis cerimoniais”. Entretanto, algumas questões aparecem em torno desse tema, tais como: “Qual o seu significado?”, “Quais foram as ‘doutrinas litúrgicas’ deixadas por Deus por intermédio de Moisés?”. Em linhas gerais, as “doutrinas litúrgicas” podem ser definidas como um conjunto de regulamentos de natureza religiosa e ritos que foram constituídos especificamente para o povo de Israel. Além de leis cerimoniais, conforme visto anteriormente, essas “doutrinas litúrgicas” também têm sido chamadas de “leis ritualísticas”. Essas “doutrinas litúrgicas” são parte de tudo o que Deus deu a Moisés, a saber, do que passou a ser chamado de Lei Mosaica, Lei de Moisés ou, ainda, Lei Levítica. Somado a isso, consta-se também que, à luz do Antigo Testamento, as “doutrinas litúrgicas” faziam parte da aliança entre Deus e o seu povo, pois, em certa medida, elas mostram o amor e o cuidado do Senhor para com os seus, haja vista que, essencialmente, essas doutrinas contribuíam no processo da obtenção do perdão de pecados. Essas leis foram estabelecidas de tal forma a influenciar a forma de o povo de Deus relacionar-se com o Senhor, consigo mesmo e com as outras pessoas, sendo assim divididas: 1) sacrifícios de animais (Lv 1.1-17; 4.1-35); 2) purificação e ritos de limpeza (Lv 11.1-47; 15.1-33); 3) festivais religiosos (Lv 23.1-44; Dt 16.1-17); 4) regras alimentares (Lv 11.1-47); e 5) regras de vestimenta e cabelo (Lv 19.19,27). Essas leis regulamentaram o sistema de ritos, ordenanças e cerimônias, inclusive na oferta de animais em sacrifício a Deus inicialmente no Tabernáculo e, depois, no Templo. Além dos sacrifícios de animais, as leis cerimoniais consistiram em holocaustos e observâncias de festas religiosas. O ato de sacrificar animais está implícito na ação de Deus em vestir Adão e Eva logo depois que estes pecaram (Gn 3.21), podendo ser identificado explicitamente nos dias de Caim e Abel, além de outros casos (Gn 4.3-5; 8.20; Jó 1.4,5; Hb 11.4). Eis aí o âmago do sentido das “doutrinas litúrgicas”: 1) a santidade de Deus; 2) o pecado do homem; 3) o amor de Deus; 4) o arrependimento e o perdão dos pecados; e 5) a restauração da esperança ao perdido. Sendo assim, essas “doutrinas litúrgicas” apontam para o sentido estrito de evangelho, honrando a Deus, mostrando o estado do homem e a sua necessidade, a redenção em Cristo e a esperança de vida eterna que Ele dá ao homem.
2. O seu propósito
Como se tem notado ao longo deste capítulo, o propósito de toda a Lei foi o de contribuir, dentro dos seus limites, com a relação entre o homem e Deus, e, evidentemente, as “doutrinas litúrgicas” também visaram cumprir esse propósito, oferecendo estrutura religiosa e ritual para o ato da adoração a Deus e em favor da vida espiritual de Israel. As “doutrinas litúrgicas” são compostas de ordenanças e de sacrifícios de animais, cuja finalidade de Deus foi normatizá-las. A entrega dessas doutrinas deu-se enquanto Israel andava no deserto, momentos antes da constituição do Tabernáculo, para que as ações ali fossem organizadas (Êx 25.8; Lv 1.1,2; 7.37,38). As “doutrinas litúrgicas” objetivaram dar condições para que o povo pudesse adorar a Deus e desenvolver a sua espiritualidade de forma saudável e que agradasse a Ele. Isso será tratado com mais detalhes na próxima seção, mas podemos adiantar que essas leis abrangiam amplamente aspectos como, por exemplo, sacrifícios de animais, rituais de purificação, cumprimento de festas religiosas, jejum, regras com alimentação, cumprindo sempre o propósito de manter a comunicação e a comunhão com Deus, o Senhor. É importante ressaltar que essas “doutrinas litúrgicas” tinham íntima relação com a dinâmica existente nos rituais do Tabernáculo, pois estabeleciam as suas regras não somente na execução da liturgia em si, como também — e não menos importante — com a preservação do próprio espaço. Elas resguardavam as práticas a ser adotadas pelos sacerdotes e como os utensílios sarados deveriam ser guardados e tratados. Observa-se que o desejo de Deus de que o seu povo tenha compromisso com a santidade (Hb 9.9-11) encontra-se no âmago do propósito das “doutrinas litúrgicas”. Por meio das “doutrinas litúrgicas”, o Senhor imprimiu a sua característica de um ser organizado e, por meio delas, estabeleceu critérios que o seu povo deveria observar enquanto este se dedicava a buscá-lo, a adorá-lo e a servi-lo, inclusive por meio de uma vida consagrada ao Senhor — e isso até que se cumprisse o seu tempo de operação.
3. Tempo de operação
A proposta aqui é a de refletir sobre o prazo de validade das “doutrinas litúrgicas”. Ao chamá-las de “sombras das coisas futuras” (Cl 2.17), a Bíblia sugere um tempo limite de atuação determinado pela chegada do que ansiosamente se aguardava. Por isso, até quando essas doutrinas vigoraram, quando e por que deixaram de existir? Essas doutrinas litúrgicas trabalharam com símbolos e tipos que apontaram para o que haveria de vir, com referência a um novo tempo inaugurado por Cristo, motivo por que é possível afirmar que essas doutrinas foram válidas até a morte de Cristo (Mt 27.51; Gl 5.1-12; Cl 2.16-23; Hb 10.8-10). Houve o que pode ser chamado de substituição, cuja estrutura é essa: 1) Cristo é o verdadeiro sacrifício (Jo 1.29; 1 Co 5.7); e 2) os crentes cumprem a função sacerdotal (1 Pe 2.5,9; Ap 1.6), à medida que oferecem sacrifícios aceitáveis diante de Deus (Ml 1.11; Rm 12.1; Fp 4.18; Hb 13.15,16).
III – DOUTRINAS MORAIS
A última parte deste capítulo é dedicada a tratar sobre as chamadas “leis morais”, ou da forma como se tem chamado aqui: “doutrinas morais”. Antes de avançar no propósito desta seção, há a necessidade de distinguir a função da “Aliança” em relação à da “Lei”, pois, nas palavras de Hamilton, “o propósito da aliança é criar um novo relacionamento”, enquanto que “o propósito da lei é regular ou perpetuar um relacionamento existente através de uma ordenação”.4 Em outras palavras, a Aliança aponta para uma nova oportunidade de comunhão do povo com o Senhor Deus, enquanto a Lei é a norma para a manutenção dessa comunhão. É nesse sentido que as “doutrinas morais” são apresentadas nas Escrituras, conforme se verá aqui.
1. Uma análise introdutória
Numa breve, porém significativa explicação no Dicionário da Bíblia, John D. Davis (1854–1926) informa sobre a relação dos Dez Mandamentos e o seu aspecto moral ao afirmar que “Os dez mandamentos, sendo a lei fundamental e sumária de toda a moral, permanecem firmes; baseiam-se na imutável natureza de Deus”.5 Diante dessa exposição, é possível notar que o Decálogo fundamenta todas as exigências morais de Deus ao seu povo e que isso não é casualidade, mas, sim, fruto do desejo de Deus que aqueles que pertencem a Ele tenham condições de refletir o seu caráter, que é santo.
As “doutrinas morais” revelam a vontade de Deus ao gênero humano, como meio de orientar as pessoas a obedecerem aos mandamentos de Deus quanto aos desejos humanos, na sua constituição integral — espírito, alma e corpo. Dito de outra forma, as “doutrinas morais” têm relação direta com a manifestação da santidade de Deus e a sua exigência para que o ser humano — em especial, o seu povo — viva sob esse modelo de pureza, de modo a agradar a Deus e viver em paz (Dt 5.1,31,33). Além disso, em certa medida, as “doutrinas morais” cumprem o papel de estabelecer uma linha divisória entre os que as observam daqueles que não se preocupam em observá-las. Nesse sentido, os homens que buscam cumpri-las recebem a vida, enquanto aqueles que as desprezam sofrerão ao seu tempo os danos por negligenciarem os seus ensinamentos (Lc 10.26-28; Gl 3.10; 1 Ts 5.23; Lc 1.75; At 24.16; Rm 10.5). Essas doutrinas não cumprem o papel — e nem são capazes disso — de salvar o homem, pois isso só é possível pela graça de Deus mediante a fé em Jesus (Rm 4.5; Gl 2.16,21; Ef 2.8,9; 2 Co 5.21); elas, entretanto, evidenciam a exclusividade de um povo que serve ao Senhor Deus (Êx 19.6; Ef 2.8-10; 1 Pe 2.9). Como procedem de Deus (Êx 20.1), essas doutrinas refletem a perfeição, a eternidade e a imutabilidade dEle, e, conjuntamente, elas regulamentam o exercício da justiça, o respeito mútuo entre as pessoas, inclusive na apresentação e implementação de princípios sobre a sexualidade que redobra a dignidade do povo de Deus. Tudo isso confirma que as “doutrinas morais”, além de fazerem parte da Lei de Deus como um todo, também, corroborando as palavras do apóstolo Paulo, são santas (Rm 7.12), e essa é a vontade de Deus para o seu povo (1 Ts 4.3), e esta é “boa, agradável e perfeita” (Rm 12.2), e o povo de Deus conhecer o seu propósito com mais precisão e profundidade.
2. O seu propósito
Identificar o propósito das “doutrinas morais” que o Senhor entregou a Moisés para que este as transmitisse a Israel depende inicialmente de um conhecimento, ainda que panorâmico, do povo destinatário, isto é, a quem elas foram enviadas originalmente. Alguns elementos que confirmam o propósito das “doutrinas morais”, com base na sua essência divina. Em primeiro lugar, a natureza dessas doutrinas não é humana, mas, sim, divina, e isso implica em afirmar que, se a sua origem é divina, o seu fundamento, a sua operação e os seus objetivos também o são. Em segundo lugar, as leis morais foram constituídas por Deus com a intenção de auxiliar na comunhão de Israel com o Senhor. Em terceiro lugar, essas doutrinas objetivam convocar os povos a viverem em santidade diante de Deus, em especial o seu povo. Por fim, as “doutrinas morais” separam a verdadeira adoração da falsa, sob o critério da santidade como padrão de vida. Diante disso, afirma-se que as “doutrinas morais” serviram como uma espécie de atalaias na consciência do povo de Israel; ou seja, elas trabalhavam como instrumento de advertência para que os integrantes do povo de Deus não pecassem, mas vivessem uma vida íntegra e santa (Êx 20.20). A temporalidade dessas leis será analisada a seguir; entretanto, deve-se destacar que o desejo de Deus pela santidade do seu povo na Antiga Aliança ainda permanece na Nova Aliança, conforme se vê nas palavras de João: “[…] vos escrevo para que não pequeis” (1 Jo 2.1). Sendo assim, as “doutrinas morais”, além de revelarem o caráter santo de Deus e o seu interesse de que Israel pudesse refleti-lo diante de outros povos, também cumpriram o propósito de manter a consciência de Israel acesa quanto ao compromisso com a integridade, bem como sobre a necessidade de manter uma relação saudável e real com Deus, o Senhor.
3. Tempo de operação
Num tempo em que os absolutos são questionados e, em muitas circunstâncias, rejeitados e renegados, é preciso uma reavaliação e até mesmo uma reafirmação sobre de que forma as “doutrinas morais” estão relacionadas com os dias atuais e o que Deus espera dos homens, mui especialmente do seu povo. Por esse motivo, a conclusão deste capítulo é dedicada a atestar a contemporaneidade das “doutrinas morais”, com a principal intenção de reforçar a importância e a essencialidade de uma vida santa para a igreja na atualidade. Conforme visto anteriormente, as “doutrinas litúrgicas” perderam a sua validade após o fim da Antiga Aliança e o início da Nova Aliança, por meio de Cristo; entretanto, as “doutrinas morais” não obedecem a essa ordem; muito pelo contrário, elas ainda são válidas e pertencentes às condições de vida de um cristão fiel.
Paulo ensina que essas doutrinas contribuem no reconhecimento da gravidade e da realidade do pecado (Rm 3.20; 5.20; 7.7; Gl 3.19). Além disso, os Dez Mandamentos mostram que essas doutrinas normatizam a vida com Deus e — com exceção do sábado — com os crentes da atual Aliança também (Mt 5.21-48; Rm 7.7; 13.9; 1 Co 8.1-6; 10.14-22; Ef 5.3-5; 6.1-3); afinal de contas, a santificação é indispensável à identidade cristã (1 Ts 5.23; Hb 12.14). Por fim, elas conduzem o crente à vida nesse padrão (Rm 8.3,4). Ao responder um fariseu sobre o cumprimento da Lei, Jesus disse que somente amando a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo é que isso é possível, e as “doutrinas morais” visam a reverência a Deus, que é santo, e ao próximo nos mais variados aspectos das relações interpessoais. As “doutrinas morais” são encontradas nas mensagens e nos ensinamentos de Jesus, assim como dos apóstolos, motivo pelo qual elas não somente são válidas, como também são úteis a todos os homens, quer sejam servos de Deus, quer não, e isso pelas seguintes razões: 1) elas apontam o caminho da pureza e da retidão a todos os homens depois da Queda (Lv 20.7,8; Sl 19.11,12; Mq 6.8; Rm 3.9,20,23; 7.7,9,12,13; 8.3; 10.4; Gl 2.16; 3.21,22; 1 Tm 1.8); 2) servem de guia para os não crentes, pois são capazes de despertar a consciência desses homens (1 Tm 1.9,10; Gl 3.10,24; Rm 1.20; 2.15); e 3) servem de instrumento para lembrar o crente sobre a sua responsabilidade em honrar a Deus, e isso como resposta e gratidão à sua obra redentora (Rm 6.14; 7.4,6; Gl 4.4,5; Rm 3.20; 8.1,34; 7.24,25; Gl 3.13,14; Rm 7.22; 8.3,4; 12.2; 2 Co 5.21; Cl 1.12-14; 2.11-14). Sendo assim, as “doutrinas morais” permanecem vigentes, atuais e úteis para a manutenção da vida cristã em santidade e da comunhão do crente com Deus, o Senhor.
Que Deus abençoe a sua aula e os seus alunos!
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