Lição 7 – Instruções sobre o comportamento da igreja
Prezado(a) professor(a), para ajudá-lo(a) na sua reflexão, e na preparação do seu plano de aula, leia o subsídio da semana. O conteúdo é de autoria do pastor Silas Queiroz, comentarista do trimestre.
INTRODUÇÃO
Recordemos que Paulo escreveu a sua Primeira Carta a Timóteo enquanto fazia a sua quarta e última viagem missionária após ser solto da prisão domiciliar em Roma. Como já observamos, o apóstolo visitou Creta (onde deixou Tito — Tt 1.5) e algumas cidades da Ásia Menor, como Mileto (2 Tm 4.20) e, possivelmente, a própria Éfeso. De Mileto, seguiu para Trôade, rumo à Macedônia (Filipos, Tessalônica e Bereia), região de onde escreveu a primeira carta a Timóteo (1 Tm 1.3). No versículo 14 do capítulo 3 de 1 Timóteo, o apóstolo expressa a sua intenção de rever a Timóteo: “Escrevo-te estas coisas, esperando ir ver-te bem depressa” (1 Tm 3.14). No versículo 13 do capítulo 4, Paulo também expressa o seu desejo de encontrar-se novamente com Timóteo, mas não há nenhuma evidência de que tenha havido o seu retorno à Ásia Menor. Escrevendo a Tito algum tempo depois, o apóstolo informa que pretendia passar o inverno em Nicópolis (Tt 3.12), na costa ocidental da Grécia, ainda mais distante de Éfeso. O mais provável é que, saindo da Ásia Menor pela cidade de Troâde (2 Tm 4.13), Paulo tenha visitado a Macedônia, descido a Corinto, na Acaia, e de lá seguido para Nicópolis, onde provavelmente foi preso, levado a Roma e executado por ordem do imperador Nero. Assim como qualquer um de nós, Paulo também fazia planejamentos, mas sempre buscava e submetia-se à vontade de Deus, a quem ele havia entregado a sua vida. Isso lhe custou muitos sofrimentos e o próprio martírio (At 9.6,15,16; 20.22-24). Acima de nossos projetos está a vontade de Deus, que é sempre melhor, ainda que não entendamos assim no momento (Sl 18.30-34; 1 Jo 2.17).
Paulo em Éfeso?
Apesar de parecer bastante óbvio que a ideia de Paulo era retornar a Éfeso, alguns eruditos consideram que o máximo que o apóstolo faria seria ir até alguma cidade próxima, já que, quando esteve com os presbíteros da igreja efésia em Mileto, a caminho de Jerusalém, disse que eles não mais veriam o seu rosto (At 20.25). J. Gleen Gould considera, então, que o propósito de Paulo seria reunir-se com Timóteo “se não em Éfeso, então com certeza em Mileto”.1 Na verdade, Paulo não conseguiu retornar da Macedônia, onde estava, à Ásia, como pretendia. Como já afirmado, foi preso e levado novamente a Roma. Matthew Henry é um dos estudiosos do Novo Testamento que consideram que Paulo jamais retornou ou retornaria a Éfeso, pelo fato de que seria profética a afirmação feita pelo apóstolo aos anciãos da igreja efésia.
O professor de Novo Testamento Ralph Earle abranda um pouco o sentido da expressão paulina em Atos 20.25, considerando que o apóstolo teve uma “forte impressão” de que os anciãos de Éfeso não veriam mais o seu rosto.3 Isso retira o caráter profético da afirmação, permitindo admitir que o apóstolo tenha retornado à cidade na ocasião em que ali deixou Timóteo, embora o texto de 1 Timóteo 1.3 não exija essa interpretação. A expressão “Como te roguei, quando parti para a Macedônia, que ficasses em Éfeso” não indica o local onde Paulo estava naquele momento. Não necessariamente precisaria ser em Éfeso. Acontece que essa questão não é relevante em relação a 1 Timóteo 3.14. O que importa aqui é que Paulo expressou o desejo de ir ao encontro de Timóteo “bem depressa”, mesmo sabendo que isso poderia “tardar”, o que indica a sua consciência da existência de alguma dificuldade para o seu retorno à Ásia, o que, como já assinalado, terminou não acontecendo.
A Família de Deus
Paulo explicita a Timóteo que o propósito da sua carta era que o jovem pastor soubesse “como convém andar na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, a coluna e firmeza da verdade” (1 Tm 3.15). A construção gramatical utilizada por Paulo permite-nos entender que o ensino não era somente para Timóteo, mas para todos os crentes de Éfeso e, via de consequência, para os cristãos de todos os tempos, pois visava à “igreja do Deus vivo”. São, portanto, instruções para o comportamento de todos quantos são chamados para pertencer à família de Deus na Nova Aliança. Isso também se observa na expressão “casa de Deus”, que não tem sentido físico no texto. Paulo não se refere ao templo como um edifício, mas ao corpo de Cristo, a Igreja, formada pela reunião de todos os santos, que são templo do Espírito Santo, habitação permanente de Deus (1 Co 3.16; 6.19; 2 Co 6.16). Trata-se da “universal assembleia e igreja dos primogênitos, que estão inscritos no céu” (Hb 12.23). Gordon Fee considera que a metáfora “casa” remete ao sentido de família, a família de Deus.
John Stott comenta 1 Timóteo 3.15 fazendo referência à igreja como a “família de Deus”, a “igreja do Deus vivo” e a “coluna e fundamento da verdade”.
Essa “consciência ainda mais vívida” da presença de Deus na igreja cristã hoje, como fala Stott, é por demais imperativa. Precisamos ter fé e convicção de que estamos servindo a um Deus vivo. Não podemos perder a poderosa presença do Senhor em nossa vida individual e coletiva. Precisamos também orar fervorosamente (At 4.31) e dedicar tempo exercitando-nos em piedade — que é devoção —, colocando em prática disciplinas espirituais que nos levem a conhecer e amar mais ao Senhor Deus (1 Tm 4.7,8).
Coluna da Verdade
O sentido da expressão “coluna e firmeza da verdade” é que a igreja deve ser “o fundamento da verdade do evangelho”, como explica Donald Stamps.
Charles Erdman entende que o texto apresenta a igreja como uma sociedade de crentes divinamente designada para suster e defender no mundo a verdade que Deus revelou ao homem.7 Conforme o Comentário do Novo Testamento Aplicação Pessoal, “a igreja não é a origem desta verdade, mas funciona como a guardiã e testemunha da verdade”.8 Para exercer esse papel de sustentadora da verdade, exige-se a existência de firmeza moral e espiritual no seio eclesiástico, principalmente na vida dos líderes. É por isso que essa referência paulina à “coluna e firmeza da verdade”, feita logo após o rol de qualificações dos presbíteros e diáconos, indica, com clareza, o elevado grau de importância desses ministérios diante do nobilíssimo papel da igreja. A firme estrutura moral e espiritual dos líderes da igreja de Éfeso — assim como das igrejas de todos os lugares e em todas as épocas — seria fundamental para que conseguisse realmente ser a sustentadora da verdade.
O Mistério da Piedade
Além do sentido geral, no texto em apreço, “verdade” tem um sentido fundamental e específico relacionado ao “mistério da piedade”, em torno do qual gira todo o ensino escriturístico. Esse “mistério” ou razão de nossa devoção é Cristo, a Palavra encarnada, em torno de quem estão escondidos os tesouros da sabedoria e do conhecimento (Cl 2.2,3). Cristo é o centro do Evangelho: “Aquele que se manifestou em carne foi justificado em espírito, visto dos anjos, pregado aos gentios, crido no mundo e recebido acima, na glória” (1 Tm 2.16). Pregar a Cristo, portanto, é a grande missão da Igreja. Como escreveu Paulo aos coríntios: “Porque os judeus pedem um sinal, e os gregos buscam sabedoria; mas nós pregamos a Cristo crucificado, que é escândalo para os judeus e loucura para os gregos” (1 Co 1.22,23). Sustentar a pregação do genuíno Evangelho é um grande desafio para a Igreja, principalmente pela forte rejeição que a humanidade apresenta em decorrência de nossa natureza pecaminosa, rebelde em relação a tudo o que está relacionado a Deus. Por isso, substitutos para a pregação bíblica costumam ser sedutores tanto pela atração que causa aos ouvintes quanto por mostrarem-se mais light para a propagação. Uma das propostas para as igrejas modernas é pregar contra a cultura. Éfeso era uma cidade multicultural. Um frenesi de culturas fomentava a prática do pecado. Paulo poderia ter estimulado Timóteo a combater a falsa espiritualidade dos efésios, entranhada nas suas culturas, confrontando as suas práticas culturais, mas não foi isso que ele fez. O jovem pastor deveria cuidar da sã doutrina. Em vez de ficar nominando a cultura e discutindo-a, o papel de Timóteo era ensinar a igreja a viver a prática da Palavra de Deus, o que, por si só, combateria o pecado disfarçado de cultura, trazendo libertação espiritual e abandono das práticas pecaminosas. Em outras palavras, Timóteo deveria atacar o mal pela raiz, denunciando, pela genuína exposição da Palavra, o pecado entronizado no coração do homem.
Evangelho moral
Outro risco que a pregação bíblica sofre em nossos dias é o de ser reduzida a uma pregação moral pública. Em tempos de tanta turbulência política, tem sido lamentável perceber como o evangelho tem sido reduzido à defesa de valores morais como pautas públicas por meio de certa pregação eclesiástica, aparentemente espiritual, enquanto se afasta cada vez mais da exposição da mensagem cristocêntrica. Pregar contra o aborto e a ideologia de gênero, por exemplo, é importante, só que não podemos reduzir o evangelho a defesas de bandeiras político-ideológicas, tornando-nos mais ativistas e menos pregadores bíblicos. Se nos afastarmos do “mistério da piedade”, a igreja continuará pregando verdades, mas desviar-se-á da proclamação da Verdade (com V maiúsculo). Não nos esqueçamos de que a defesa de princípios e valores morais para questões como, por exemplo, “a defesa da vida” é feita genericamente por inúmeras religiões. São temáticas comuns que unem as religiões no escopo do ecumenismo global, deixando-se de lado a mensagem fundamental. A defesa do meio ambiente, por exemplo, tem sido o chamariz para a reunião de líderes de religiões mundiais, de diversas matizes, incluindo evangélicos e pentecostais. Estão atuando em torno de verdades? Estão, mas, ao mesmo tempo, o que está ficando de lado é a apresentação da verdade principal, que é o mistério do Evangelho: Cristo e a sua obra.
A Verdade que Liberta
A única verdade libertadora é a mensagem da cruz, que expõe o mistério da encarnação, morte, ressurreição e glorificação de Cristo, e o seu poder regenerador, justificador e redentivo eterno. Essa mensagem (e somente ela!) tem o poder de libertar o homem e dar-lhe força interior suficiente para vencer as suas próprias inclinações pecaminosas, afastando-o de toda imoralidade e do mundanismo (1 Co 2.1-5; 2 Co 1-5). Uma pregação moral, portanto, ataca as consequências de um problema, deixando inatingível a causa. Isso é o que tem sido feito com grande parte da pregação evangélica quando se manifesta como discurso político, na vã esperança de transformação da sociedade. O problema da humanidade, afinal de contas, não é primariamente coletivo, mas individual. Não existe libertação da sociedade se os indivíduos permanecerem presos nos seus delitos e pecados (Ef 2.1-5). Homens imorais jamais construíram uma sociedade moralmente sadia. O verdadeiro evangelho, portanto, apresenta Cristo, o Homem perfeito, como o único que tem o poder de libertar, perdoar os pecados e produzir uma profunda transformação do caráter, além de capacitar o homem para, em um processo progressivo e permanente, crescer em santificação (Hb 12.14).
Para conhecer mais a respeito dos temas das lições, adquira o livro do trimestre: QUEIROZ, Silas. Sejam Firmes: Ensino Sadio e Caráter Santo nas Cartas Pastorais. Rio de Janeiro: CPAD, 2023.