Lição 1 – Introdução à primeira carta a Timóteo
Prezado(a) professor(a), para ajudá-lo(a) na sua reflexão, e na preparação do seu plano de aula, leia o subsídio da semana. O conteúdo é de autoria do pastor Silas Queiroz, comentarista do trimestre.
INTRODUÇÃO
Já com cerca de 60 anos de idade e depois de experimentar cinco longos anos de prisão,1 Paulo lança-se a mais uma viagem missionária, a quarta e última da sua vida e ministério apostólico. Na ilha de Creta, na Grécia, deixa Tito cuidando das igrejas que havia fundado (Tt 1.5). Já em Éfeso, capital da Ásia Menor, deixa Timóteo com semelhante missão. Algum tempo depois, escreve para ambos: primeiro, para Timóteo; depois, para Tito. Mais tarde, enquanto novamente preso em Roma, volta a escrever para Timóteo. Assim, Paulo produz as três cartas que, a partir do século XVIII, passariam a ser conhecidas como Epístolas Pastorais: 1 e 2 Timóteo e Tito
O Contexto Histórico
As datas atribuídas a muitos eventos da era neotestamentária (o primeiro século da era cristã) e à escrita dos 27 livros que compõem o Novo Testamento não são exatas, como também ocorre com textos do Antigo Testamento que não possuem datação precisa. É possível chegar a datas aproximadas a partir de muitos fatos da história geral citados nas obras, mas não a datas específicas e precisas para a escrita de cada livro.
Esta obra trabalha com datas em torno das quais há significativo consenso, encontradas a partir de uma visão geral dos livros canônicos à luz da cronologia dos fatos que neles são narrados. Seguindo esse padrão geral, podemos estabelecer as seguintes datas para os eventos que mais nos importam no estudo das Cartas Pastorais:
1 Nascimento de Paulo: 5 d.C.;
2 Conversão de Paulo: 35 d.C.;
3 Primeira viagem missionária: 47–49 d.C.;
4 Segunda viagem missionária: 49–51 d.C.;
5 Terceira viagem missionária: 52–57 d.C.;
6 Prisão de Paulo em Jerusalém e Cesareia: 58–60;
7 Primeira prisão de Paulo em Roma: 61–63 d.C.;
8 Quarta viagem missionária de Paulo: 63–65 d.C.;
9 Segunda prisão de Paulo em Roma: 65–67 d.C.;
10 Martírio de Paulo: 67 d.C.
Alguns eventos circunstanciais contemporâneos aos acontecimentos acima narrados são de indispensável nota:
1) A conversão de Timóteo, ocorrida provavelmente por volta do ano 48 d.C. durante a primeira viagem missionária de Paulo (At 14.6-23), e a sua aceitação ao convite do apóstolo para tornar o seu cooperador imediato durante a sua segunda viagem missionária (50 d.C.) (At 16.1-5).
2) O período de governo do imperador Nero: 54–68 d.C.
3) O incêndio de Roma entre os dias 18 e 24 de julho de 64 d.C., ocorrido muito provavelmente a mando do próprio Nero;
4) O período da grande perseguição aos cristãos sob o governo do sanguinário Nero: 64–68 d.C.
5) O suicídio de Nero: 68 d.C.
Consideradas essas datas, podemos estabelecer o contexto histórico de 1 Timóteo e Tito, que, como já afirmado, foi o período de 63 a 65 d.C., quando Paulo, liberto do seu primeiro aprisionamento em Roma, volta a viajar livremente até ser novamente preso e levado à capital do Império (65–67), onde permaneceu até a sua execução por ordem de Nero (67 d.C.). Seguindo a cronologia já apresentada, 2 Timóteo foi escrita no ano 67, já próximo da morte de Paulo.
Em 64 d.C. — durante, portanto, a quarta viagem missionária de Paulo —, Nero comete a insanidade de atear fogo em Roma. Com a péssima repercussão do incidente, lança a culpa sobre os cristãos e inicia contra eles uma terrível perseguição, que teve o seu auge no ano 67.4
Paulo foi uma das muitas vítimas da perseguição de Nero. A sua segunda prisão em Roma provavelmente ocorreu entre o fim do ano 65 e o início do ano 66, e a sua execução no fim de 67, por decapitação.
O Roteiro da Quarta e Última Viagem de Paulo
É um tanto impreciso o roteiro da viagem de Paulo depois do seu primeiro aprisionamento em Roma. As Cartas Pastorais são os únicos textos escriturísticos que cobrem esse período. Por elas, podemos saber quais as regiões visitadas. Cidades da Ásia Menor, da Macedônia e da Acaia são mencionadas 1 e 2 Timóteo e Tito. Pelo desejo que o apóstolo expressara aos romanos de ir à Espanha (Rm 15.24,28), é possível que tenha incluído também esse país no seu roteiro de viagem, o que se deduz, por exemplo, da referência ao “extremo Oeste”, feita
por Clemente de Roma trinta anos depois, como assinala o teólogo suíço Hans Bürki (1925–2002).5
Dentre as citações diretas de Paulo nas suas cartas, temos a ilha de Creta, na Grécia, onde deixou Tito (Tt 1.5) e algumas cidades da Ásia Menor: Trôade e Mileto (2 Tm 4.13,20), região de onde comissionou Timóteo para que ficasse em Éfeso (1 Tm 1.3), além da Macedônia: Nicópolis (1 Tm 1.3; Tt 3.12) e da Acaia: Corinto (2 Tm 4.20).
Como a expressão usada por Paulo em 1 Timóteo 1.3 não é precisa acerca de onde estava ele e o seu companheiro Timóteo quando do comissionamento deste para a igreja efésia, não se pode afirmar com segurança que o apóstolo tenha ido a Éfeso. A expressão “Como te roguei, quando parti para a Macedônia, que ficasses em Éfeso […]” (1 Tm 1.3) indica que tanto Paulo quanto Timóteo provavelmente estavam na Ásia, mas não exatamente em que cidade (ou cidades). Alguns estudiosos do Novo Testamento acreditam que Paulo estava em Mileto, e não em Éfeso, principalmente pela afirmação feita pelo apóstolo aos anciãos daquela igreja em ocasião bem anterior — no fim da sua terceira viagem missionária, quando já se dirigia para Jerusalém, onde foi preso — de que não veriam mais o seu rosto (At 20.25).
Dentre os autores que consideram que Paulo não esteve novamente em Éfeso, está Charles R. Swindoll: “É mais provável que ele tenha evitado visitar a cidade a fim de diminuir a probabilidade de se envolver nos assuntos locais (cf. At 20.16)”.6 Já Donald Guthrie destaca: “A referência a Éfeso não implica necessariamente que o próprio Paulo tivesse estado recentemente na cidade, já que o particípio grego poreuomenos (tempo presente) pode indicar que ele deixou Timóteo enquanto este estava a caminho de Éfeso e o incumbiu de permanecer ali”.7
Muitos outros estudiosos consideram que Paulo tenha retornado a Éfeso acompanhado de Timóteo, permanecendo lá por algum tempo. De qualquer sorte, se Paulo chegou ou não a retornar a Éfeso, o certo é que ele designou Timóteo para este permanecer ali e cumprir uma relevante missão pastoral, como analisaremos nos próximos capítulos.
O Contexto Bíblico-Literário
As Cartas Pastorais ocupam um espaço singular na História da Igreja do Novo Testamento. Enquanto Lucas encerra a narrativa dos “atos dos apóstolos” com Paulo cumprindo prisão domiciliar em Roma (61–63 d.C.) (At 28.30,31), as pastorais cobrem um período histórico posterior, culminando com os últimos meses ou dias da vida de Paulo, novamente encarcerado em Roma (2 Tm 4.6-9).
É com base em 1 e 2 Timóteo e Tito que sabemos que Paulo foi solto do seu primeiro encarceramento e voltou a viajar por aproximadamente mais três ou quatro anos até ser novamente preso e levado a Roma para o seu julgamento e execução, cuja iminência ele descreve vividamente na sua segunda carta a Timóteo, chamada por alguns eruditos como o “Canto do Cisne” de Paulo: “Porque eu já estou sendo oferecido por aspersão de sacrifício, e o tempo da minha partida está próximo” (2 Tm 4.6).
São as pastorais, portanto, que completam o profícuo trabalho literário de Paulo, o mais prolífico dos autores do Novo Testamento. Paulo escreveu 13 dos 27 livros neotestamentários. Nove são cartas dirigidas a igrejas, sendo elas: Gálatas (49 d.C.), 1 Tessalonicenses (51 d.C.), 2 Tessalonicenses (51 ou 52 d.C.), 1 Coríntios (55/56 d.C.), 2 Coríntios (55/56 d.C.), Romanos (57 d.C.), Efésios (62 d.C.), Colossenses (62 d.C.) e Filipenses (62/63 d.C.). Filemom é uma carta pessoal. Três cartas são enviadas a pastores, as quais são objeto de estudo nesta obra: 1 e 2 Timóteo e Tito.
Cinco das treze obras paulinas foram escritas durante os aprisionamentos de Paulo em Roma: Colossenses, Efésios, Filipenses e Filemom são fruto do seu labor durante o primeiro aprisionamento. Já 2 Timóteo, o último dos 13 livros, foi escrito durante o segundo aprisionamento.
O que temos, por conseguinte, é que, enquanto Lucas encerra o registro da vida de Paulo com a sua prisão domiciliar em Roma (At 20.30,31), as pastorais descortinam-nos uma nova fase da vida do apóstolo, na qual temos uma verdadeira transição de ministério pelo comissionamento que faz a Timóteo e Tito, os seus filhos na fé e autênticos representantes apostólicos. Quanto ao contexto geral do Novo Testamento, tudo o que foi produzido depois desse período são os escritos de Judas (70–80 d.C.) e de João: as suas epístolas (85–95 d.C.), o seu Evangelho (80–95 d.C.) e o livro de Apocalipse (90–96 d.C.).
Autoria e Designação de “Pastorais”
A autoria paulina das cartas a Timóteo e a Tito foi amplamente aceita desde os Pais da Igreja.8 John N. D. Kelly faz referência à citação das pastorais por Clemente de Roma (95 d.C.), Inácio de Antioquia (110 d.C.) e Policarpo de Esmirna (135 d.C.).9
Com autoria paulina e canonicidade incontestáveis, as cartas a Timóteo e a Tito não eram identificadas com o título de “pastorais” até o século XVIII. Atribui-se a D. N. Berdot a autoria dessa designação. Conforme Donald Guthrie, Berdot teria utilizado o título “pastorais” pela primeira vez em 1703, tendo sido seguido mais tarde, em 1726, por Paul Anton, que popularizou o termo.10 Outros eruditos, contudo, apontam que o primeiro a se referir às cartas como “pastorais” foi o teólogo católico Tomás de Aquino (1225–1274)11, como assinala J. Glenn Gould.
As cartas de Paulo a Timóteo e a Tito passaram a ser conhecidas como “pastorais” por terem sido dirigidas a eles na condição de pastores e terem como conteúdo a orientação acerca do trabalho pastoral que deveriam desempenhar. Fato é também que alguns estudiosos, como William Hendriksen, consideram que a designação não é exata, visto que “Timóteo e Tito não eram ‘pastores’, no sentido usual e atual do termo. Não eram ministros de uma congregação local, mas, antes, delegados apostólicos, enviados especiais ou comissionados do apóstolo Paulo, para cumprirem missões específicas”.13
Embora Timóteo e Tito realmente não tenham sido designados para assumir de maneira definitiva o pastorado de Éfeso e Creta14 respectivamente, o fato é que o trabalho que deveriam realizar em tais igrejas era de efetivo pastoreio, ainda que em caráter temporário. Por delegação apostólica, tinham poder para ensinar a igreja e organizar os ministérios locais, constituindo presbíteros (pastores locais) para atuar de forma definitiva nas igrejas. Isso está expresso nas recomendações tanto para Timóteo (1 Tm 3.1-13) quanto para Tito (Tt 1.5).
O ensino geral às comunidades locais, incluindo a refutação dos falsos mestres, era típica missão pastoral a ser repassada aos presbíteros que fossem ordenados para darem sequência ao trabalho. Paulo diz isso textualmente a Timóteo: “E o que de mim, entre muitas testemunhas, ouviste, confia-o a homens fiéis, que sejam idôneos para também ensinarem os outros” (2 Tm 2.2). A missão dada a Tito era no mesmo sentido: estabelecer presbíteros que fossem poderosos para defender a verdade do Evangelho (ver Tt 1.5-10).
Além disso, as orientações práticas de organização e funcionamento da igreja, incluindo questões litúrgicas e disciplinares, não deixam dúvida quanto ao caráter pastoral de grande parte do conteúdo das cartas — daí ser bem apropriada a designação de “pastorais”, mesmo porque são textos de estilo e propósito únicos em todo o Novo Testamento. Não há em nenhum outro dos demais livros do cânon neotestamentário qualquer conteúdo que se aproxima dos textos das pastorais quanto às questões de organização e disciplina eclesiásticas.
Timóteo, Verdadeiro Filho
Timóteo nasceu provavelmente na cidade de Listra, na então província romana da Galácia. Acredita-se que ele, a sua mãe Eunice e a sua avó Lóide, que eram judias, tenham-se convertido por ocasião da primeira viagem missionária de Paulo, junto com Barnabé, pois muitos se tornaram discípulos de Cristo pela pregação do apóstolo em Listra (At 14.6-23).
Quando Paulo retorna a Listra, agora junto com Silas, na sua segunda viagem missionária, encontra Timóteo, “filho de uma judia que era crente, mas de pai grego, do qual davam bom testemunho os irmãos que estavam em Listra e em Icônio” (At 16.1,2). A mãe e a avó ensinaram-lhe as Escrituras desde a sua infância, como testifica Paulo (2 Tm 1.5; 3.14,15).
O bom testemunho de Timóteo, fruto do seu progresso na fé, motivou Paulo a convidá-lo para seguir com ele na sua jornada missionária. Como Timóteo não era circuncidado, Paulo decidiu circuncidá-lo “por causa dos judeus que estavam naqueles lugares” (At 16.3). Paulo não circuncidou a Timóteo por considerar que isso fosse necessário à salvação, mas, sim, para evitar que os judeus tivessem um pretexto para rejeitar o Evangelho. Em muitas ocasiões, o apóstolo já ensinara sobre a suficiência da fé em Cristo como o meio de receber a graça salvadora, como deixaria registrado em diversas epístolas (Ef 2.8,9; Rm 3.21-28; Gl. 2.16). Paulo tinha uma compreensão espiritual muito clara da obra da salvação, acima de qualquer prática legalista.
Antes de ser comissionado por Paulo para ser o pastor da igreja em Éfeso, Timóteo serviu ao apóstolo por longos anos, desde o dia em que foi convidado para acompanhá-lo nas suas viagens (At 16.3-8). Considerando a opinião de estudiosos como Gordon Fee — de que Timóteo “estava, no mínimo, acima dos trinta anos” quando pastoreava os efésios (65 d.C.)20 —, é possível afirmar que ele tenha iniciado como cooperador de Paulo com menos de 20 anos de idade (50 d.C.).
Foi assim tão jovem que ele acompanhou fielmente o apóstolo na sua segunda e terceira viagens missionárias e logo alcançou confiança para missões de alta relevância espiritual, como quando designado para servir nas igrejas em Tessalônica (1 Ts 3.1-10), Corinto (1 Co 4.16,17; 16.10,11) e Filipos (Fp 2.19-24). Por ocasião do primeiro aprisionamento de Paulo em Roma, lá estava Timóteo. O apóstolo cita-o em três das quatro cartas da prisão (Cl 1.1; Fp 1.1; Fm 1). Solto, leva-o consigo na sua quarta e última viagem missionária, quando roga para que fique servindo na igreja em Éfeso (1 Tm 1.3).
Que Deus abençoe a sua aula e os seus alunos!
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