Lição 2 – O pecado sob a perspectiva do Deus que é Santo
Prezado(a) professor(a), para ajudá-lo(a) na sua reflexão, e na preparação do seu plano de aula, leia o subsídio da semana. O conteúdo é de autoria do pastor Natalino das Neves, comentarista do trimestre.
O PECADO SOB A PERSPECTIVA HUMANA (2 Sm 11.26)
O Pecado de Davi, o Homem segundo o Coração de Deus (2 Sm 11.1-5; 12.2-7)
A Bíblia, diferentemente dos demais escritos dos tempos antigos, tem registrado tanto os fatos positivos como os negativos dos seus principais personagens. Graças a isso, temos o registro de uma das principais falhas do rei Davi, “o homem segundo o coração de Deus”. Esse registro serve de exemplo de como grandes personagens tidos como santos e exemplos a serem seguidos também tinham as suas falhas. O ser humano é falho, limitado e imperfeito, assim como os crentes, reconhecidos servos e servas de Deus.
O texto bíblico (2 Sm 11.1) destaca que o fato que iria ser relatado aconteceu na época em que era uma prática comum os reis irem à guerra junto com os seus exércitos: “no tempo em que os reis saíam para a guerra”. Devido às questões de localização, clima, entre outros, as guerras tinham data para acontecer (2 Sm 11.1; 1 Rs 20.22). O autor não revela o motivo de Davi, um homem de guerra, não ter ido junto com o seu exército, como era o costume. Numa determinada tarde, o rei ocioso no terraço do seu palácio avista uma mulher de aparência “muito bonita”, desnuda, banhando-se. Para o rei avistar a mulher, tinha que ser uma localidade bem próxima, dando a entender que Urias, o seu marido, fazia parte de uma elite militar de Israel que cuidava da segurança do monarca. A proximidade era tanta que permitiu Davi invadir visualmente a privacidade do banho da mulher. O texto bíblico dá a entender que o rei Davi não a conhecia e pergunta por ela aos seus criados, então recebe a notícia que se tratava de Bate-Seba, filha de Eliã, neta de Aitofel (principal conselheiro do rei) e, principalmente, esposa de Urias, o heteu. Acima de tudo, uma mulher casada, ou seja, que não lhe era lícito possuir.
Davi, diferentemente dos monarcas de outras nações ao lado da sua região, como rei de Israel, não poderia fazer tudo o que quisesse, pois tinha algumas restrições na própria Lei (Dt 17.16-20). Davi planejou o adultério nos mínimos detalhes, pois isso não acontece por acaso. Diferentemente do que muitas pessoas envolvidas neste pecado afirmam: “quando percebi, já havia acontecido”, “foi uma armadilha de Satanás”, “eu não estava pensando nisso”. Davi, não satisfeito com as mulheres que tinha à sua disposição (7 esposas e 10 concubinas), manda chamar Bate-Seba e teve relações com ela. Não é sabido se com consentimento de Bate-Seba ou por imposição do monarca. Fato é que, como consequência, Bate-Seba, que era casada, fica grávida e manda informar a Davi. Ele começou com a ociosidade, depois um olhar lascivo e imprudente, um planejamento para o ato; enfim, o adultério. O rei pecou deliberadamente.
Os Planos de Davi para Encobrir o seu Pecado (2 Sm 11.6-27)
Davi, após receber a notícia da gravidez de Bate-Seba, vê-se encurralado pela situação criada por ele. Aquele breve momento de prazer desfrutado pela falta de controle sobre os desejos e impulsos sexuais agora estava enviando a conta. As pessoas, quando envolvidas num descontrole de desejos, não analisam as possíveis consequências das suas ações.
Uma ilustração que representa bem essa situação é a da “rã cozida”. Imagine uma rã acomodada em panela cheia de água fria sob um fogão. De repente, o fogareiro debaixo da panela é acesso no fogo baixo. A água vai aquecendo muito lentamente, e a rã acomoda-se à nova temperatura. Isso acontece porque ela pertence ao grupo de animais chamados de ectotérmicos, também chamados popularmente de “animais de sangue frio”, que dependem da temperatura do meio ambiente para regular a do próprio corpo. Assim, adaptam-se às temperaturas dos ambientes, porém com limites (algumas rãs adaptam-se até aproximadamente 30 graus). A temperatura da água continua subindo, e a rã sente-se um pouco cansada, mas não o suficiente para assustá-la. Quando a temperatura está acima da sua tolerância, ela sente a canseira aumentando, debilitada, então aguenta e não faz nada. A temperatura continua a subir, até que a rã acaba simplesmente cozida e morta. Se, todavia, a mesma rã tivesse sido lançada diretamente na água fervendo, ela teria pulado imediatamente da panela, pois a temperatura da água já estaria acima do que o seu corpo poderia tolerar.
Essa ilustração, se aplicada à vida de santidade, significa que pequenas alterações éticas e morais podem passar despercebidas por um cristão que não esteja alerta às mudanças. Assim acontece com o adultério. São pequenos detalhes, como, por exemplo, um elogio recebido que a pessoa amada não tem o hábito de fazer, um toque, uma intimidade a mais, entre outros detalhes que, se não forem identificados logo no início, podem terminar em pecado de fornicação ou adultério.
Esse caso que ocorreu na vida de Davi é exemplo de como uma pessoa que não está alerta com a vida espiritual expõe-se facilmente ao pecado. Ele começou não assumindo a sua responsabilidade de ir à guerra, ou seja, ficou na ociosidade. Na sequência, veio a cobiça dos olhos e o planejamento para praticar o adultério. Por fim, ele consumou o pecado sem pensar nas consequências. O pecado, uma vez consumado, tem a tendência de criar condições para que outros pecados sejam cometidos. O rei recebe a notícia da gravidez de Bate-Seba e, para encobrir o seu erro, agora planeja um novo pecado.
Davi planejou uma estratégia para encobrir o fato ocorrido. Ele pede ao seu general do exército, Joabe, que mandasse Urias para falar com ele. Quando Urias chega ao palácio, o rei simula querer saber a situação dos israelitas na guerra e depois manda que Urias “desça para sua casa e lave seus pés”. Davi supôs que Urias, chegando em casa, após vários dias no campo de guerra e com saudades da esposa, iria manter relações sexuais com ela; depois, quando ele soubesse da gravidez, pensaria que o filho era dele. No pensamento de Davi, tudo estaria resolvido. Urias, no entanto, não foi para casa, mas dormiu junto à porta da casa do rei com os demais servos (2 Sm 11.6-9). Davi recebe a informação de que Urias não havia ido para a sua casa. Depois de questionado pelo rei o motivo de não ter ido, Urias responde: “a arca, e Israel, e Judá ficam em tendas; e Joabe, meu senhor, e os servos de meu senhor estão acampados no campo; e hei de eu entrar na minha casa, para comer e beber e para me deitar com minha mulher? Pela tua vida e pela vida da tua alma, não farei tal coisa”.
Urias era uma pessoa íntegra e fiel a Deus, ao seu rei e ao seu país. Um exemplo de ética, fidelidade e subordinação. A atitude louvável de Urias deve ter chamado a atenção de Davi, mas este estava focado em como encobrir o seu pecado, estava cego para ver a realidade. Ele não desiste e ordena que Urias fique mais aquele dia e o dia seguinte, come e bebe com ele para deixá-lo alterado para que fosse para a sua casa. Tudo sem sucesso, pois Urias continua dormindo junto com os servos do rei (2 Sm 11.10-13).
O plano A não funciona. Não satisfeito, Davi parte para o plano B, pois, no pensamento dele, o que restava fazer era construir uma situação para que Urias fosse morto. No dia seguinte, Davi envia Urias de novo para o campo de batalha de posse de uma carta que ele havia escrito para ser entregue a Joabe. A carta orientava o seu general para colocar Urias na linha de frente da batalha, onde tivesse o maior risco de morte e deixassem-no exposto, sem retaguarda. Desta vez, o plano dá certo, segundo os seus objetivos, e Urias morre. Findado o luto de Urias, Davi casou-se com Bate-Seba, e ela deu luz a um filho, fruto do adultério que foi “camuflado”.
O pecado sob a perspectiva humana, ou seja, aos olhos de Davi, poderia ser manipulado, e as suas consequências, controladas. O rei entendia que o pecado poderia ser apagado com o poder político, o status social, as influências, entre outras formas de dominação. Muitas pessoas ainda hoje pensam do mesmo jeito e acham que podem tratar o pecado sob a perspectiva humana.
O Pecado sob a Perspectiva de Deus
O Pecado É algo Desagradável para Deus (1 Sm 11.27b)
A parte final do último versículo do capítulo 11 (2 Sm 11.27b) deixa bem claro qual era a visão do Senhor sobre tudo o que havia acontecido no episódio de Davi e Bate-Seba: “Porém essa coisa que Davi fez pareceu mal aos olhos do Senhor”.
Para Davi, tudo estava resolvido. Urias estava morto, e Bate-Seba tornou-se desimpedida para o casamento, mais um filho seu havia nascido. Ninguém estava incomodando o rei sobre esse assunto. O pecado deliberado é bem caracterizado neste episódio, pois Davi conhecia bem a Deus e aos seus mandamentos. Ele sabia bem o que era pecado, que tinha de cumprir com as suas obrigações como rei, conforme estabelecido na própria Lei. Davi sabia que não poderia tomar uma mulher casada como se fosse dele. Ele estava ciente de que não podia assassinar uma pessoa, principalmente inocente, para tirar vantagem. Todavia, sabendo de tudo isso, escolheu não obedecer aos mandamentos de Deus.
O Senhor não estava vendo da mesma forma como Davi, que pensava que tudo estava resolvido. O pecado cometido precisava ser tratado.
Muito se ouve de pessoas que questionaram o agir de Deus, bem como a sua aparente ausência diante de desastres naturais e atrocidades cometidas contra inocentes. Imagine se Deus interviesse em todas essas situações? Que Deus seria? No entanto, Ele criou o ser humano e proveio-o do livre-arbítrio para tomar as suas decisões. Junto com essa liberdade de tomar decisão, está a responsabilidade pelos atos praticados por meio dessa liberdade. As tomadas de decisões de pessoas que não andam conforme a Palavra e a vontade de Deus tendem a prejudicar muitas outras, entre elas inocentes que não mereciam passar por muitas situações desagradáveis, como o caso de Urias. Existem pessoas que não conseguem compreender e conviver com isso; algumas manifestam essa incompreensão com revolta contra Deus como se Ele fosse injusto.
O autor do Salmo 73 também expõe a sua revolta contra Deus ao observar que muitos que haviam conquistado as suas riquezas e poder por meio da exploração de pessoas inocentes pareciam felizes. O salmista muda de atitude somente quando entra no Santuário de Deus: “até que entrei no santuário de Deus; então, entendi eu o fim deles. […] Pois eis que os que se alongam de ti perecerão” (Sl 73.17; 27a). Ele finaliza afirmando, depois de refletir sobre tudo isso, que colocou o seu refúgio em Deus.
Deus Ama o Pecador, mas Confronta o Pecado Cometido
Como visto anteriormente, Davi comete pecados que nunca se espera que uma pessoa que se diz serva de Deus pratique, em especial o adultério e o assassinato. Quando o leitor lê esses episódios da vida de Davi pela primeira vez, ele fica atônito e sem entender como um personagem bíblico tão famoso e referenciado como o rei Davi poderia ter cometido tais pecados. Ele comete os pecados e age como se nada tivesse acontecido, como se não tivesse de prestar contas a ninguém, nem mesmo a Deus. No mundo político e social, sendo rei, talvez conseguisse conviver sem ser incomodado e ainda sendo bajulado pelos súditos.
Um bom tempo já se havia passado, pois o texto diz que Bate-Seba chega a dar luz ao filho. Assim, no mínimo, havia-se passado um ano depois de todo o ocorrido. Como aconteceu com Caim, que foi advertido antes de matar o seu irmão (Gn 4.6,7). Caim teve a opção de refletir sobre o motivo da sua ira, corrigir o seu comportamento e “levantar o seu rosto”. O Senhor adverte-o do perigo de alimentar o sentimento pecaminoso. A primeira atitude de Deus é levar Caim a refletir sobre o seu sentimento: “Por que te iraste? E por que descaiu o teu semblante?”1 Da mesma forma, Davi teve tempo de arrepender-se, mudar de atitude, tratar o pecado cometido. No entanto, como nada estava sendo-lhe cobrado, ele pode ter entendido que com o Senhor também estava tudo certo. O mesmo acontece com muitas pessoas em nossos dias, vivendo em pecado e sentindo-se “intocáveis”.
Todavia, no seu tempo, o Senhor confronta o pecado de Davi por meio de Natã. O profeta é enviado até o rei para contar-lhe a história de um homem pobre que tinha apenas uma linda cordeirinha e de um homem rico que possuía muitas ovelhas, mas que cobiçou e tomou a cordeirinha do homem pobre. Davi interrompe-o e diz que o homem rico merecia morrer. Então, Natã diz ao rei: “Tu és este homem” (2 Sm 12.1-7). Pronto! Davi é desmascarado dos seus pecados encobertos.
O Arrependimento Sincero de Davi e a Misericórdia de Deus (2 Sm 12.16-23; Sl 51)
O Salmo 51 foi escrito por Davi enquanto ele vivia esse momento após o confronto do seu pecado pelo profeta Natã e uma das consequências imediatas, a enfermidade do seu filho com Bate-Seba.
Após a confissão de Davi, Natã informa que a criança que havia nascido do relacionamento do rei com Bate-Seba iria morrer. Não demorou muito para a criança ficar enferma. Davi ficou por sete dias jejuando e prostrado diante de Deus intercedendo pela criança até que esta morreu, conforme Natã anunciara (2 Sm 12.16-23). Essa experiência levou Davi a um verdadeiro arrependimento como registra o Salmo 51, que apresenta uma confissão bem diferente de 2 Samuel 12.13. Ao ler esse Salmo, é possível perceber como Davi “derrama o seu coração” diante de Deus, chegando a confessar: “eu conheço as minhas transgressões, e o meu pecado está sempre diante de mim” — bem diferente da experiência anterior em que os pecados estavam encobertos. Reconhece a importância da presença de Deus e do Espírito Santo: “não me lances fora da tua presença e não retires de mim o teu Espírito Santo”.
O Senhor teve misericórdia de Davi. As consequências do pecado são naturais e devem ser assumidas pelo pecador. Deus perdoa o pecado e retira somente as consequências espirituais. Algumas pessoas questionam a misericórdia de Deus com Davi, comparando-a com a rejeição de Saul. A grande diferença, que deu o título de “o homem segundo o coração de Deus”, é que Davi reconheceu o seu pecado, humilhou-se, pediu perdão e alcançou arrependimento. E isso porque ele passou a ver o pecado sob a perspectiva de Deus, e não mais da sua, a saber, de que o pecado poderia ficar encoberto e sem consequências.
Que Deus abençoe a sua aula e os seus alunos!
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