Lição 1 – Santificação: o caminho que leva à vida eterna
Prezado(a) professor(a), para ajudá-lo(a) na sua reflexão, e na preparação do seu plano de aula, leia o subsídio da semana. O conteúdo é de autoria do pastor Natalino das Neves, comentarista do trimestre.
INTRODUÇÃO
Para iniciar o contato com o tema do livro, primeiro será comentado sobre a ambivalência entre o sagrado e o profano e as origens do significado de santificação. Na sequência, serão apresentados os estágios da santificação, demonstrando a sua dinâmica até a santificação final.
Para estudarmos sobre a santidade, é indispensável falar sobre a ambivalência entre o sagrado e o profano. Ambivalência é a presença concomitante de juízos contraditórios sobre o mesmo objeto, ou seja, a atração simultânea por dois impulsos de sentido oposto que deixa pessoas alternarem entre seguir o sagrado ou o profano.
O Sagrado e o Profano, uma Leitura Antropológica
O sagrado tem sido considerado uma categoria fundamental para os estudos e compreensão das religiões. Como fenômeno humano, o sagrado dá-se por meio da experiência pessoal. Ele modifica-se segundo as experiências e os modos de percepção de cada época. A história também demonstra o fenômeno da secularização, conhecida também como a “perda do sagrado”. O que foi considerado sagrado no passado não garante que continuará tendo o mesmo conceito e tratamento no futuro. O conhecimento e a forma de ver o mundo e os seus fenômenos mudam constantemente, dependendo das regiões geográficas, culturas, entre outros fatores.
O ser humano primitivo tinha o sagrado e o profano como dois modos de existência. Durkheim (1996, p. 22) afirma que “o sagrado e o profano foram sempre e em toda parte concebidos pelo espírito humano como gêneros separados, como dois mundos entre os quais nada existe em comum. As energias que se manifestam num não são simplesmente as que se encontram no outro, com alguns graus a mais; são de outra natureza”. A divergência de propósitos a que cada instância (sagrado/profano) atende e a relação de hostilidade e disputa que existem entre elas estão internalizadas na consciência humana.
A relação do ser humano com o sagrado era determinada por meio dos sentimentos do medo, do poder e do desejo. O medo como um sentimento que pode afastar, mas também que o põe de joelhos diante do mistério inexplicável que provoca arrepios. Ele é um fator determinante na experiência do sagrado, na medida que distingue o profano como aquilo que é normal, do dia a dia, diferentemente da experiência do inexplicável. O poder é o sentimento que é sentido e buscado pelos mediadores, que surgem e apresentam-se como intérpretes ou representantes do sagrado e que se impõem sobre as demais pessoas, consideradas normais, enquanto desejo, segundo Terrin (2004, p. 229), é a categoria antropológica mais arraigada e que culmina na “expressão da própria ‘necessidade de salvação’, onde exatamente ‘salvação’ denota a necessidade de ‘recuperar a própria totalidade’”. Ele é entendido como “um conjunto de impulsos em direção à própria ‘completude’ estendendo-se numa escala muito ampla de ‘preenchimentos’”. A necessidade de desde pequenos problemas até a necessidade urgente de enfrentar situações apocalípticas e descontroladas. Terrin (2004, p. 230) traz uma significativa definição do sagrado, considerando estes sentimentos do ser humano primitivo: “O sagrado, neste caso, é o momento da crise, da necessidade urgente, do dilema, do mistério da vida que poderia tomar uma direção que não é a desejada e em que vemos abrir-se diante de nós o precipício e o abismo da nossa impotência”.
As coisas sagradas são protegidas e isoladas pelas proibições, que servem para manter distantes das coisas profanas. Todavia, mesmo sendo tão sólida a noção de impedimento, isso não torna impossível a comunicação entre os dois mundos. O profano, no entanto, não pode tocar o sagrado impunemente, nem o sagrado pode extrapolar a fronteira sem sofrer consideráveis prejuízos. Durkheim (1996, p. 23) afirma que “os dois gêneros não podem se aproximar e conservar ao mesmo tempo sua natureza própria”. Em qualquer tipo de crença, a pessoa não consegue escapar das interdições que a sua própria mente estabelece entre os dois mundos (sagrado e profano). Mesmo que não acredite na sacralidade do objeto tocado, a tendência natural é a dúvida, o “medo” do sagrado. A crença era de que, para ligar-se ao sagrado, era necessário que a pessoa saísse totalmente do profano.
Dessa forma, as coisas sagradas são as que aspiram uma vida superior à vida direcionada pelas vontades humanas, que se restringem ao mundo real, consideradas profanas pela corrupção mediante os interesses individuais, as “aspirações mais ou menos obscuras ao belo, ao bem, ao ideal” (DURKHEIM, 1996, p. 463).
A Concepção e a Vinculação com o Sagrado
Os povos têm concepções diferentes sobre o divino, e a forma de ver o divino influencia diretamente as pessoas, os seus modos de vida e as suas próprias linguagens. Para Durkheim (1996, p. 453), “o que faz a santidade de uma coisa é, como mostramos, o sentimento coletivo de que ela é objeto”. Não existe, todavia, uma “lista permanente” de coisas sagradas e coisas profanas; dependendo do espaço, do tempo e da cultura, uma coisa pode ser considerada santa ou não. O estudo do lugar ou objeto tido como sagrado por uma pessoa, um determinado grupo ou uma determinada cultura é valioso, interessante e muito fecundo para o conhecimento humano e para a teologia. A maneira como uma pessoa concebe o sagrado provavelmente irá determinar a posição que esse sujeito ocupará no mundo, bem como a sua maneira de hierarquizar as suas experiências.
A vinculação que a pessoa estabelece com o sagrado nem sempre é a que ele conscientemente afirma ter no seu vínculo religioso oficial. Ao longo da vida do indivíduo, ele recebe muitas informações sobre o sagrado que formam uma concepção no inconsciente e determinam mais da sua vida do que ele gostaria de admitir, nas suas relações dramaticamente vividas. Existe um sincretismo religioso, que não é admitido por muitas pessoas e denominações, que tem definido o comportamento das pessoas. Comportamentos estes que surpreendem até mesmo as próprias pessoas, que, no momento de determinadas situações, são movidas por sentimentos e crenças que ela afirma não possuir ou as rejeita veementemente no seu cotidiano.
A experiência com o sagrado leva o ser humano a crer ou, pelo menos, pensar na possibilidade de viver além do tempo e do espaço. O estudo dos povos antigos comprova essa tendência humana. Segundo Coulanges (2006, p. 13), “as gerações mais antigas, bem antes que existissem filósofos, já acreditavam em uma segunda existência para além desta nossa vida terrena. Encaravam a morte não como uma aniquilação do ser, mas como simples mudança de vida”. Assim, a vida terrena não poderia ser ignorada se ela constituía uma fase de transição, pois a crença era de que as ações nesta vida influenciariam na nova fase. Alguns comportamentos poderiam definir esse novo estágio na mudança de vida. O lugar onde seria essa nova vida foi, no entanto, variando constantemente ao longo da história humana (ou debaixo da terra, ou mesmo em espírito junto às demais pessoas, ou ainda como um espírito que ocupasse outro corpo terreno, ou simplesmente entrando na morada celeste). Uma forma eficaz e interessante de ver a evolução da crença na vida após a terrena é o estudo dos ritos fúnebres históricos nas diversas áreas geográficas e culturas.
Assim, as pessoas têm concepções diferentes sobre o sagrado, mas, na sua maioria, essa crença leva-as a uma esperança numa vida superior após a morte e, consequentemente, a uma prescrição de ritos e práticas como requisitos para este novo estágio ser alcançado.
A Mediação Sacerdotal e o Cristianismo
Como visto, o sagrado e o profano foram tidos durante a história como opostos. Todavia, um não vive ou existe sem o outro, e, para a convivência mútua, são necessárias mediações, as chamadas mediações religiosas e/ou sacerdotais.
A primeira forma de mediação sacerdotal da história foi o xamã, um indivíduo que, por meio de estados extáticos e invocações ritualísticas, manifesta supostas faculdades mágicas, curativas ou divinatórias. Acrescenta-se à lista figuras correlatas entre si, como, por exemplo, o mago, o adivinho e o vidente. Terrin (2004, p. 235) afirma que “a arte da adivinhação é uma das formas mais antigas de mediação entre o sagrado e o profano, ela exigia conhecimentos consideráveis e era frequentemente praticada por mulheres”. Em Israel, no santuário de Kades, eram conservados os bastonetes e as setas do jogo da sorte, Urim e Tumim (Êx 28.30). Necessidade de mediação sacerdotal se não houvesse diferença entre sagrado e profano.
Outra figura era o rei-sacerdote, de longe a mais importante no meio social. O rei-sacerdote seria de origem divina e o único mediador entre Deus e os seres humanos. Entre as civilizações superiores do mundo antigo (Egito, Mesopotâmia, Pérsia, China, Japão, Peru e México) esta figura está relacionada com a divindade. “A relação do rei com Deus é em geral de filiação” (TERRIN, 2004, p. 237). O povo de Israel conviveu com esse tipo de crença por séculos no Egito depois de conquistar a Terra Prometida, nos seus arredores, em alguns países vizinhos. No século passado, ainda havia resquícios dessa realeza divina. Um dos exemplos foi o imperador japonês Hiroshito, que considerava a sua mãe a deusa do sol Amaterasu. Somente após a segunda Guerra Mundial, por imposição, ele confessou aos súditos que a sua origem era humana, e não divina. Segundo Terrin (2004, p. 238) “na história das religiões, todas as alianças entre religião e política teriam surgido dessa primeira tentativa de atrelar o sagrado ao profano através da sua sacralização ‘legal’ em que a função do rei-sacerdote parece dominante”.
Outra categoria de mediação sacerdotal é constituída pelos profetas, predominante nos países de Israel e Islã. Esta figura constitui-se por meio de suposto chamado, às vezes, como imposição divina, pois se constituem como “porta-vozes” de Deus (profhetes, nabi). O profeta também pode fazer parte de uma corporação sacerdotal. Terrin (2004, p. 239) afirma que “os fenomenólogos em geral concordam em atribuir o caráter de religião ‘profética’ à religião de Israel. Só no período posterior ao exílio da Babilônia a classe sacerdotal israelita se torna uma teocracia”. Ele reforça que a relação do sagrado como profano em Israel era mista.
O QUE É SANTIFICAÇÃO?
Entendendo o Verbo Hebraico Santificar (Qadash)
O Antigo Testamento foi escrito em hebraico, e algumas pequenas partes em aramaico. O autor de cada livro, quando pretende indicar acontecimentos representados no tempo, como uma ação, um estado, um processo ou um fenômeno, utiliza um verbo. Assim, ao referir-se à santificação, o verbo utilizado no hebraico é “Qadash”, que tem a conotação de estado daquilo que pertence à esfera do que é sagrado e distingue-se do que é comum ou profano; logo, aquilo que é separado do profano.
O termo é utilizado, na maioria das vezes, para descrever o estado de consagração efetuado pelo ritual levítico (Lv 6.27; 21.1-8), assim como para certos objetos que eram utilizados no serviço levítico como em Êxodo 29.21,37; 30.29. Também é utilizado no ato de consagração de um lugar como ocorreu com o Monte Sinai (Êx 19.23), estabelecendo limites ao seu redor para evitar a profanação do lugar. Outra utilização é para demonstrar a própria santidade, como a que qualifica Deus para julgar pecados (Lv 10.3; Nm 20.13; Ez 28.22) e confirma a sua fidelidade em cumprir promessas (Ez 20.41; 28.25; 39.27).
TERMOS HEBRAICOS PARA DESIGNAR O QUE É SANTO
O substantivo Qodesh tem o sentido de santidade. No texto bíblico, é aplicado para designar a santidade de Deus por meio do mistério do seu poder, bem como o seu caráter como totalmente bom, sem espaço para o mal. Santidade que identifica pessoas, objetos ou lugares que não são apenas dedicados a algo, mas que sejam dedicados ao que é bom e mantido afastado do que é mau. Em nome da santidade, nos rituais levíticos, o sacerdote era privado do relacionamento sexual, devido o contato com objetos que eram considerados santos (1 Sm 21.4; Lv 19.5-8; Êx 30.32,33; Êx 30.37).
O adjetivo Qadosh qualifica como santo o que é intrinsecamente sagrado ou foi consagrado como tal por meio de rito divino ou ato público de culto. Vários aspectos do culto público eram denominados como santos devido ao ambiente de domínio do sagrado como os alimentos para sacrifícios (Lv 6.16; 7.6), o Tabernáculo, o Templo e os seus objetos (Lv 6.16; Sl 65.4; entre outros), os sacerdotes (Lv 21.6,8) e os levitas (2 Cr 35.3).
Algumas cidades também eram consideradas santas. Quedes (Qedesh) de Naftali foi designada como uma das cidades de refúgio na lista de Josué (Js 20.7) e como uma das cidades levíticas do clã gersonita (Js 21.27-33; 1 Cr 6.71-76).
O substantivo Miqdash é utilizado no Antigo Testamento, quase que exclusivamente para referir-se ao Tabernáculo e ao Templo, uma referência ao local onde Deus habita (Êx 25.8), cuja santidade não deveria ser profanada (Lv 12.4; 19.30; 20.3; 21.12,23). O termo pode ser traduzido por lugar santo, santuário, capela ou parte sagrada.
TERMOS HEBRAICOS PARA DESIGNAR NA BÍBLIA O “SANTO” QUE ERA PROFANO
Os termos hebraicos Qadesh (masculino) e Qedesha (feminino), que significa “santo”, “consagrado”, no texto bíblico, têm um sentido negativo, pois estão relacionados à prostituição cultual. O substantivo identifica o que é sagrado, mas consagrado a quê? Na realidade, era a forma de identificar os prostitutos e prostitutas cultuais que serviam nos santuários pagãos aos seus respectivos deuses. Termo utilizado com frequência à licenciosidade da adoração cananeia (Dt 23.17,18).
Uma referência bem conhecida de local de adoração pagã pré-israelita é a cidade de Cades-Barneia, citada várias vezes nos relatos acerca dos patriarcas. Trata-se de um local sagrado, mas para a adoração pagã pré-israelita. Essa cidade é citada várias vezes em relatos acerca dos patriarcas. Dessa forma, não basta ser separado; é necessário ser separado para o que é correto e pela motivação correta.
SANTIFICAÇÃO E A SEPTUAGINTA
Na Septuaginta (LXX), a tradução da Bíblia Hebraica para o grego, a raiz hebraica que dá origem à palavra santificação é traduzida, na grande maioria das vezes, pelo grupo lexical a que pertence o termo ἅγιος, traduzido por “santo”. Em alguns poucos casos, o adjetivo utilizado é καθαρός, que significa “puro” (Nm 5.17), e o verbo é traduzido como δοξάζω/glorifico (Is 5.16), καθαρός εἰμί/sou puro (Is 65.5), καθαρίζω/purifico (Jó 1.5). A terminologia da LXX difere da linguagem comum do mundo helenístico, que, para expressar a ideia do sagrado, priorizava os termos ἱερός (sagrado) e ὅσιος (santo), ao invés do adjetivo ἅγιος e os seus cognatos. Os termos eram utilizados preferencialmente para descrever coisas e pessoas associadas ao culto, pois o conceito de santidade em si tinha pouca relevância na cultura greco-romana.
A terminologia utilizada no Novo Testamento para referir-se à santidade é profundamente influenciada pela LXX. Nele, dentre os vários termos empregados para expressar a ideia de santo, o que predomina é a palavra ἅγιος e os seus cognatos, que ocorrem mais frequentemente e em maior variedade de associações sintáticas e semânticas. Todavia, em algumas situações, também são aplicados outros vocábulos como ὅσιος (At 2.27; 13.34; Hb 7.26), ἁγνός, “puro” (2 Co 6.6; 7.11; 1 Tm 5.22), σεμνός/honrado (1 Tm 3.8; Tt 2.2) e ἱερός (2 Tm 3.15). Assim, tanto no AT como no NT, as expressões utilizadas para referirem-se à santidade têm o mesmo sentido de separação do que é profano.
De forma geral, os termos utilizados pelos autores bíblicos para referir-se à santificação têm como objetivo principal enfatizar o sentido de separação das práticas consideradas pecaminosas. Eles também apontam para a ideia de consagração e dedicação ao serviço do Reino de Deus, tendo como parâmetro a justiça e a vontade de Deus.
Que Deus abençoe a sua aula e os seus alunos!
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