Lição 9 – O Sexto Sinal: A cura de um cego de nascença
Prezado(a) professor(a), para ajudá-lo(a) na sua reflexão, e na preparação do seu plano de aula, leia o subsídio da semana. O conteúdo é de autoria do pastor Silas Queiroz, comentarista do trimestre.
INTRODUÇÃO
Chegamos ao nono capítulo do Evangelho de João, para estudo do sexto sinal, a cura de um cego de nascença. O texto nos leva a refletir sobre o significado da revelação divina na Pessoa do Filho por meio de sinais miraculosos. A revelação da deidade de Cristo deve ser entendida não apenas como um propósito de demonstração de sua natureza divina, mas também dos atributos divinos e de como eles são manifestados em nosso favor. Jesus não apenas revelou quem Ele era, mas o que representava para a humanidade, que experiência o homem poderia ter com o divino, sendo Ele, Cristo, a exata e plena expressão do Deus Único e Verdadeiro. Não se tratava, portanto, da revelação de uma divindade distante, que apenas requer adoração, mas de um Deus que se entregou a si mesmo, em oferta viva, que pode ser experimentada por todo aquele que nEle crê.
No milagre da multiplicação Jesus se revelou como o Pão da Vida, compartilhado com o ser humano para alimentá-lo. Quando a multidão que viu o sinal e dele se beneficiou encontrou a Jesus no outro dia, Ele lhes transmitiu uma clara mensagem sobre a importância desse pão espiritual, que nutre a alma. Disse Jesus: “Eu sou o pão da vida. […] Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém comer desse pão, viverá para sempre; e o pão que eu der é a minha carne, que eu darei pela vida do mundo” (6.48,51). Da mesma forma, quando realiza o sexto sinal, que foi a cura de um cego de nascença (9.1-7), Jesus também está comunicando parte de sua essência, revelando-se como a Luz do mundo (8.12; 9.5).
Há, aqui, uma eloquente mensagem para todos nós, no sentido de que não podemos ter uma visão limitada de Deus, contemplando somente sua natureza. Precisamos experimentar os atributos que por Ele nos são comunicados e compartilhar daquilo que, de sua essência, nos é oferecido, vivendo-os em nossa experiência espiritual diária. Como Luz, Ele ilumina nosso coração (espírito e alma), libertando-nos de toda cegueira espiritual.
O salmista rogou a Deus que abrisse seus olhos para ver as maravilhas da lei divina (Sl 119.18). Os discípulos tiveram essa experiência em alguns momentos, como no caso dos dois que seguiam para Emaús. Lucas registra: “E aconteceu que, estando com eles à mesa, tomando o pão, o abençoou e partiu-o e lho deu. Abriram-se-lhes, então, os olhos, e o conheceram, e ele desapareceu-lhes” (Lc 24.30,31) (Grifo nosso).
Isaías já havia predito que Jesus viria como luz: “O povo que andava em trevas viu uma grande luz, e sobre os que habitavam na região da sombra de morte resplandeceu a luz” (Is 9.2). O mesmo profeta o chama de “a luz dos gentios” (Is 42.6; 49.6). Mateus referiu-se a essa profecia quando mencionou o ministério de Jesus na Galileia das nações (Mt 4.15,16). João o apresentou como a “luz dos homens”, que “resplandece nas trevas” (1.4,5). Precisamos, portanto, conhecer a Jesus e saber quais dos seus atributos ou essência nos são comunicados, ou seja, o que podemos desfrutar diretamente dEle em nosso viver cotidiano.
Quando conhecemos a Jesus como Filho de Deus e temos consciência do que Ele representa para nós, desfrutamos de sua natureza espiritual. Alimentamo-nos dEle e recebemos o que Ele nos dá de sua própria essência, como é a verdadeira luz, que nos assegura visão espiritual. Essa visão torna-se mais profunda à medida que o buscamos em oração, na Palavra e em uma comunhão diária, expressando o anseio de nossa alma (Sl 42.1; 66.9; Ct 1.7; Mt 22.37). O que vemos no Evangelho de João, portanto, é que ele não apenas registra o sinal, mas também o sermão ou a declaração de Jesus relacionada ao milagre. Como já afirmamos, no caso da cura do cego de nascença, Jesus se revela expressamente como a Luz do mundo.
Fatos Antecedentes
Ao estudarmos os Evangelhos, precisamos entender, o tanto quanto possível, o contexto histórico e geográfico de cada evento. Essa análise é importante para melhor compreensão dos atos e mensagens de Jesus. Por não ter estilo biográfico ou de narrativa histórica, mas episódica. Isso quer dizer que o autor teve a preocupação em narrar eventos selecionados, episódios específicos, sem uma preocupação com a cronologia histórica. Não é possível estabelecer uma historiografia rígida no estudo dos Evangelhos. De qualquer sorte, há uma razoável linha do tempo, seguindo-se os eventos destacados pelos evangelistas. Os cenários dos acontecimentos também podem ser verificados.
No capítulo 7, João fala de uma nova viagem de Jesus à Judeia, por ocasião da Festa dos Tabernáculos (7.2-10). Essa incursão ao centro político e religioso da nação judaica aconteceu depois de Jesus ter passado um longo período na Galileia (um ano), fase bem registrada pelos sinóticos. Mateus, Marcos e Lucas trazem os grandes sermões que Jesus pregou aos galileus, os muitos milagres e as muitas parábolas, das quais nenhuma é encontrada em João. Mateus e Lucas registraram o Sermão da Montanha (Mt 5—7; Lc 6.20-29), do qual João não trata. Eventos como a transfiguração também não estão presentes em João, mas estão contidos nos sinóticos (Mt 17.1-13; Mc 9.2-13; Lc 9.28-36). Depois de todas as narrativas relacionadas a esse tempo de Jesus na Galileia, os sinóticos somente vão apresentar Jesus na Judeia, próximo à última Páscoa, quando acontece sua entrada triunfal em Jerusalém, saudado como “o Profeta de Nazaré da Galileia” (Mt 21.1-11; Mc 11.1-11; Lc 19.28-44; Jo 12.12-19).
Em João é diferente. Jesus volta à Judeia em uma ocasião anterior àquela do fim do seu ministério, que está relacionada à Páscoa. Na narrativa joanina, essa última ida à capital de Israel vai aparecer no capítulo 12, especialmente a partir do versículo 12, mesmo registro de Mateus 21.1-11, Marcos 11.1-10 e Lucas 19.28-38. Os capítulos 7, 8 e 9 de João, contudo, registram fatos da viagem anterior, por ocasião da Festa dos Tabernáculos, como já assinalado.
É nesse contexto, que, de volta a Jerusalém, Jesus prosseguirá seu ministério junto àqueles que procuravam matá-lo (7.1), diferentemente da multidão da Galileia que queria fazê-lo rei (6.15). No capítulo 7 o vemos ensinando no Templo (v. 10ss). Em outro dia é instigado pelos escribas e fariseus por causa da mulher adúltera (8.1-11). Depois, faz um longo discurso sobre sua missão, que é encerrado com um novo acirramento da fúria dos judeus, que pegaram em pedras para lhe atirar (8.1 2-59).
O capítulo 8 é encerrado com Jesus ocultando-se e saindo do Templo. Não era sua hora. Ninguém iria matá-lo antes do tempo; e quando chegasse a hora, Ele mesmo se entregaria, como está registrado em João 10.18 e será enfatizado no próximo capítulo. Agora, Jesus simplesmente “ocultou-se, e saiu do Templo, passando pelo meio [dos judeus]”, quando já estavam preparados para apedrejá-lo (8.59). Compreende-se aqui que, diante da fúria dos judeus, Jesus deixou o Templo de maneira sobrenatural, de forma que não o vissem, pois a ânsia por matá-lo era mui to grande.
O aspecto sobrenatural envolvido na expressão “ocultou-se” que João utiliza é objeto de vários comentários. João Calvino dizia não ter dúvida de que “Cristo se livrou por seu poder secreto […], pois ele não pretendia fazer uma clara exibição de sua deidade sem deixar algo para a debilidade humana”.2 D. A. Carson considera que “Como Jesus escapou, e com que grau de intervenção sobrenatural, não fica claro”. Matthew Henry também vê elemento sobrenatural no episódio, pois diz que “Quando Cristo os deixou, Ele aparentemente passou silenciosamente e despercebido, paregen houtos, para que não o percebessem”. Warren W. Wiersbe entende que “Jesus recebeu a proteção divina e simplesmente deixou aquele local”.
A Cura do Cego
Jesus fica algum tempo fora de cena por causa da fúria dos judeus, mas logo volta a agir, prosseguindo sua obra revelacional. Como os judeus estão em plena Festa dos Tabernáculos, quando um dos rituais era acender lâmpadas, a cura do cego será uma grande oportunidade para realçar sua missão espiritual de assegurar a luz verdadeira não só para uma nação, como também para toda a humanidade em trevas (Mt 4.16). Há muito os ritos judaicos se tornaram meras repetições, sem nenhum efeito espiritual positivo (Is 1.11-14; Am 5.21). Os judeus continuavam com suas festas religiosas, mas estavam espiritualmente cegos. Por esse motivo fica evidente que aquele milagre tinha um propósito específico, que era manifestar as obras de Deus, totalmente relacionado a uma das representações de Jesus, como “a luz do mundo” (9.5).
Analisar o próprio texto joanino é fundamental para vermos, com clareza, esse propósito e correlação. Eis o diálogo estabelecido entre os discípulos e Jesus (9.2-4).
O que temos aqui? Primeiro, um cego de nascença; segundo, Jesus afirmando que a cegueira era para que nele fossem manifestas as obras de Deus; terceiro, Jesus apresentando-se como a luz do mundo; quarto, Jesus curando o cego. Não há dúvida, desse modo, que o milagre estava totalmente associado ao propósito de demonstrar a ação de Deus por meio de seu Filho, a luz do mundo, que tinha o poder de tirar o homem das trevas na qual havia nascido, circunstância comum a toda a humanidade. O sinal, ali, era justamente esse, sendo aquele homem um instrumento de revelação das obras de Deus.
Outro ponto que nos chama a atenção foi o método usado por Jesus nesse caso, que difere de todos os demais: “[…] cuspiu na terra, e, com a saliva, fez lodo, e untou com o lodo os olhos do cego. E disse-lhe: Vai, lava-te no tanque de Siloé (que significa o Enviado).
Emílio Conde registra que Siloé “era o tanque que Ezequias mandou construir, juntamente com um canal, que trazia as águas do riacho Gihõn para dentro da cidade de Jerusalém. Era útil principalmente em caso de guerra”. Segundo o mesmo autor, “No Novo Testamento, Siloé refere-se a uma piscina rodeada de um pórtico Foi, pois, e lavou-se, e voltou vendo” (9.6,7). Em primeiro lugar, isso demonstra que as obras de Deus não obedecem a um modelo rígido, que sempre precisa ter o mesmo padrão. Não é aqui o único lugar que vemos essa diversidade de operações, característico do agir de Deus relevado nas Escrituras (Jó 37.15; Ec 11.5; 1 Co 12.6). Em segundo lugar, o procedimento faria que o milagre fosse explicitamente notório. Finalmente, a atitude que o cego precisava tomar era necessária como expressão de sua fé. Como já vimos no capítulo 5, a verdadeira fé sempre é demonstrada por meio de atitudes concretas, como se vê no caso dos heróis da fé listados em Hebreus 11.
Aqui, o cego terá que submeter-se a uma prática absolutamente inusitada, que foi ter os olhos untados com lodo feito com saliva e seguir até o tanque de Siloé — para lavá-los. A narrativa joanina nos mostra que o cego prontamente obedeceu. “Foi, pois, e lavou-se, e voltou vendo” (9.7). Como é importante quando temos disposição para obedecer a Jesus, mesmo que o expediente que Ele use em nossa vida seja desconhecido por nós, sem um parâmetro definido. Na verdade, ser discípulo de Jesus não é viver um padrão religioso. É ter experiências pessoais com Ele, conhecendo sua vontade específica para nossa vida, de acordo com nossa individualidade.
Isso não quer dizer, jamais, que não é preciso valorizar a congregação, ou seja, a comunidade dos fiéis, mas que, mesmo vivendo nela, teremos nossa própria comunhão com Deus, em um relacionamento pessoal, direto, dinâmico, profundo e sempre progressivo. Como exortou o profeta Oseias: “Conheçamos e prossigamos em conhecer o Senhor” (Os 6.3). É o mesmo sentido do conhecido ensino de Pedro: “[…] crescei na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” (2 Pe 3.18). Se o cego ficasse preso às práticas judaicas — como na Festa dos Tabernáculos, o ritual da água e das lâmpadas — não teria recebido seu milagre. Naquele dia, contudo, ele creu em uma prática totalmente distinta da costumeira e sua obediência e fé na palavra de Jesus possibilitou a sua cura.
Essa prática incomum, mas que permitiu ao cego alcançar o sobrenatural, foi depois relatada aos fariseus (9.13-15), para contrastar com o ritual da água que faziam durante a Festa dos Tabernáculos, sem poder algum. Wycliffe explica que esse ritual, assim como o das lâmpadas, fora acrescentado pelos judeus à tradição da festa ordenada ainda durante a peregrinação do povo de Israel pelo deserto (Lv 23.33-43; Dt 16.13-17).
O envio ao tanque de Siloé certamente não foi sem propósito, já que era justamente ali que os judeus retiravam água para sua celebração. Agora, contudo, não havia um jarro de ouro, nem a figura de um sacerdote, como também não havia o derramamento em uma pia do altar do Templo, mas havia virtude que produzia luz para um cego de nascença. Terra, saliva e lodo contrastavam com todos os importantes elementos do ritual judaico. A diferença era quem dirigia todo o processo, o “Siloé” de Deus, Jesus, o Enviado, que poucos dias antes dissera para os habitantes de Jerusalém: “Se alguém tem sede, que venha a mim e beba. Quem crê em mim, como diz a Escritura, rios de água viva correrão do seu ventre” (7.37,38). Isso tudo, dito e feito justamente durante a Festa dos Tabernáculos, tinha um extraordinário significado espiritual, que somente depois os discípulos viriam compreender. O próprio João, ao escrever seu Evangelho, apresenta uma explicação para essa declaração de Jesus, ao dizer: “E isso disse ele do Espírito, que haviam de receber os que nele cressem; porque o Espírito Santo ainda não fora dado, por ainda Jesus não ter sido glorificado” (7.39).
CONCLUSÃO
O texto de João 9 é outro que estampa a hipocrisia e cegueira espiritual dos fariseus, os quais se arrogavam ser os líderes espirituais da comunidade judaica. Como em outros momentos, a maior implicância deles estava relacionada ao sábado. Parece-nos que o próprio método usado por Jesus para realizar o milagre estava voltado para demonstrar, de forma ainda mais contundente, a invalidade da guarda desse dia ante a patente quebra dos principais mandamentos da Lei de Deus (Mt 22.34-40). O fazer lodo “constituía ‘trabalho’ em um dia de sábado e iria perturbar os fariseus”, uma indicação de como “Jesus tinha muito que lhes ensinar sobre Deus e o seu sábado”.
Como no caso do paralítico de Betesda, os fariseus não estavam nem um pouco interessados no milagre em si, em reconhecer sua importância para o enfermo curado. Estavam aficionados com o sábado. A primeira coisa que fizeram, quando souberam da cura, foi dizer: “Este homem não é de Deus, pois não guarda o sábado” (9.16). O legalismo é uma morte! Precisamos saber o lugar de nossas práticas religiosas e a importância que elas têm, não permitindo, jamais, que sejam um fim em si mesmas. Precisamos conhecer a integralidade do evangelho da graça de Deus, um Deus amoroso, santo e justo, que quer nos transformar completamente, a partir do nosso interior (Mt 23.26-28).
Deus não se impressiona com nosso exterior; Ele olha, primeiro, para nosso coração (1 Sm 16.7). Somente depois, fruto de um coração puro, é que o Senhor espera que nosso viver seja, por inteiro, uma expressão de sua graça e poder em nós. Essa é a ordem da obra de Cristo em nós: espírito, alma e corpo (1 Ts 5.23), se derramando em santidade “em toda a [nossa] maneira de viver” (1 Pe 1.15). Os fariseus eram legalistas, por isso estavam espiritualmente ressequidos; movidos por inveja e dominados pelo ódio. Não tinham e nem receberam a verdadeira luz. São um exemplo para não ser seguido Jesus está à procura de pessoas que precisem dEle e estejam dispostos a obedecer-lhe. Assim como o cego que foi curado, não nos prendamos a discussões religiosas vazias, acerca da lei e de rituais sem vigor ou poder. Desfrutemos de experiências pessoais com Ele. Tudo o que precisamos é de uma vida cheia da luz de Deus, que é Jesus. Como diz o autor sacro: “Que a formosa luz de Deus fulgure em ti, e serás feliz assim”.
Que Deus abençoe a sua aula e os seus alunos!
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